A colheita de Marzagão
25 de novembro de 2003Plantando a semente da boa informação
Saiu “A Semeadura e a Colheita”, a mais recente coletânea de artigos de Augusto Marzagão, originalmente publicados em diversos jornais brasileiros, entre 1992 e 2003, agora em forma de livro, para facilitar leitura e consulta. Neles, a questão ambiental – intitulada “O desafio ecológico” – ocupa lugar de destaque: o primeiro bloco, num total de 17 textos, além de vários outros espargidos pelo volume.
É um caso incomum, o de Marzagão. Assessor direto de três presidentes brasileiros (Jânio Quadros, José Sarney e Itamar Franco) e de mais um presidente do México e outro da Venezuela, organizador de festivais da canção, na época áurea dos festivais, esse jornalista globetrotter viveu de perto a saga do desenvolvimentismo brasileiro e latino-americano. Era um desenvolvimento baseado na crença de que os recursos naturais eram infinitos. Podia-se gastar à vontade, que mãe-natureza proveria substituição a tempo e a hora.
Entretanto, destoando desse diapasão, cedo despertou em Marzagão o sentimento holístico da integração entre homem e meio-ambiente. Ele conta que, ainda criança, tirava a casca do caule de uma laranjeira quando aprendeu da própria mãe que a natureza vive e que o homem não pode dispor dela livremente. Dona Iracema plantou, nessa lição de vida, e Marzagão colhe para nós, leitores de seus artigos de alerta, o respeito à vida.
Os que o conhecem de perto sabem que Marzagão é um homem afável, incapaz de levantar a voz numa conversa ou no ambiente de trabalho, mesmo em momentos críticos. Todavia, seus textos não raro munem-se de eloqüência indignada para apontar as mazelas do desenvolvimento-a-qualquer-preço e os crimes ambientais. Aí, não mede conveniências. O livro abre, justamente, com o artigo-título, que localiza com acuidade a fonte da agressão ecológica, naqueles que mais se beneficiam do butim:
“Com uma solenidade tão ao gosto parisiense, foi inaugurada recentemente a Biblioteca Nacional da França, a Très Grande Bibliotèque, como a chamam os franceses, uma das obras que o presidente Mitterrand construiu para marcar seus 14 anos de governo. Capaz de comportar mais de 12 milhões de volumes, o monumento de quatro torres imponentes custará quase um bilhão e meio de dólares. Entre outros requintes, disporá, na sua esplanada central, de uma plataforma revestida de ipê amazônico, importado do Pará. Calculam os ecologistas que essa reverência à cultura e à própria obra de Mitterrand representou o sacrifício de pelo menos quatro mil exemplares dessa magnífica espécie brasileira em extinção”.
Com precisão, e num só parágrafo, Marzagão desnuda as contradições desta nossa época: o desmatamento é feito em benefício da “cultura” e da “civilização”, ao mesmo tempo em que é condenado como se fora obra de uns “bárbaros subdesenvolvidos”. O “exemplo” vem da França, mas poderia ser localizado em qualquer outro país desenvolvido, onde se tenha alcançado elevado grau de desenvolvimento da cultura e da consciência ecológica.