Semana da Árvore

Outdoors e painéis agridem arborização urbana

9 de dezembro de 2003

O marketing alternativo dos painéis eletrônicos sacrificam árvores que atrapalham a boa visualização






Sérgio Tomich: Falta ética e sobra gula por parte de empresários que entendem serem seus negócios mais importantes do que as necessidades ambientais e a qualidade de vida da sociedade

Nos últimos anos, empresários do setor publicitário da chamada mídia alternativa como spot-lights, painéis eletrônicos e outdoors começaram a mostrar mais ganância do que consciência ambiental e respeito social. Por interesse próprio, muitos deles sacrificam árvores, podam e chegar até a matar árvores que impedem a boa visualização dos painéis e outdoors.


Esse é um crime ambiental duplo: além da poluição visual acarreta a poluição do ambiente. Os habitantes têm também dupla reclamação: contra as empresas que comercializam esta mídia alternativa e contra as autoridades do Executivo e do Legislativo que, muitas vezes por troca de favores nos anúncios, têm uma atuação tímida para evitar mais agressão ambiental.


Em Belo Horizonte, por exemplo, várias espécies de figueiras, ipês-mirins, goiabeiras, sete-cascos, tuias e palmeiras tamareiras, plantadas em frente a outdoors, simplesmente viraram toco ou são permanentemente podadas por não permitir a vizualização dos produtos e serviços estampados, ou, mesmo, para a instalação de novos painéis.


Quem fez este levantamento informal e constatou o corte de árvores em seis pontos da Zona Sul da cidade, vizinha ao Centro, todos em frente a outdoors, foi o biólogo Sérgio Tomich. “A prefeitura fez, há alguns anos, o plantio de grande quantidade de mudas de árvores em áreas públicas, mas muitas delas, exatamente em frente aos painéis de publicidade, estão sendo cortadas”, diz ele, um apaixonado pelas árvores.


Na opinião do biólogo belo-horizontino, é perfeitamente possível se compatibilizar os interesses comerciais com os direitos ambientais da população. Em sua opinião, falta ética e sobra gula, “principalmente por parte de alguns empresários que entendem serem seus negócios mais importantes do que as necessidades ambientais e a qualidade de vida da sociedade. Onde está a consciência social dessas empresas?”.


Comprometendo até os anunciantes
Efeito bumerangue na imagem dos produtos anunciados, pois há o
perigo dos anunciantes serem cúmplices de crimes ambientais


O biólogo Sérgio Tomich afirma que este tipo de degradação ambiental tem em si um forte e certeiro efeito bumerangue, pois, diante da crescente consciência ambiental da população, mais cedo ou mais tarde, comprometerá tanto a imagem da empresa que aluga espaços públicos, como os próprios produtos e serviços dos anunciantes. “Vide os exemplos das campanhas mundiais contra os casacos de peles de animais e o atum japonês”. Há sempre o perigo dos anunciantes serem cúmplices de crimes ambientais.


O biólogo ressalta que, para combater e prevenir este tipo de degradação ambiental urbana, é preciso um melhor ordenamento e uma maior fiscalização, pelas prefeituras, para a instalação de outdoors. Ambos, em sua opinião, são falhos e lentos em todos os níveis de governo, “pois os processos são pouco profissionais, ao permitirem recursos em excesso às empresas”.


Na Polícia Florestal e na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de BH, chegam diariamente várias denúncias sobre corte de árvores em áreas públicas e privadas. Desde 2002, a Secretaria do Meio Ambiente de BH tem lavrado autos de infração por corte de árvores contra empresas que exploram painéis publicitários. As penalidades vão de simples advertência, ao plantio de mudas e a multas de R$ 10 mil a R$ 16 mil, numa variação em função da gravidade do caso, como o tipo de corte ou poda, o número de árvores afetadas etc. Só que muitas vezes vale a pena pagar a multa e continuar recebendo o aluguel dos painéis.


“A prática mais comum, há três anos, é o corte de árvores no toco, em frente aos painéis de propaganda”, diz o gerente de Fiscalização da SMMA-PBH, Paulo Freitas de Oliveira. Em 2002, foram registradas 30 denúncias contra este tipo de crime ambiental na capital mineira, um número, no entanto, bem menos expressivo do que os 450 casos de podas e cortes de árvores em locais públicos.


Nas eleições a poluição e os crimes aumentam

Dois dos casos registrados pela SMMA da PBH têm como ré a empresa Ponto Chick Outdoors. As podas de árvores ocorreram nas avenidas Cristiano Machado e Silviano Brandão, duas das mais movimentadas vias de tráfego da capital. Procurada por diversas vezes, nem o diretor da empresa, Wander Coelho, nem os advogados do setor jurídico, se pronunciaram sobre as acusações de corte e poda de árvores em frente a painéis publicitários.


De acordo com Paulo Freitas, nos processos abertos pela SMMA-PBH, 90% dos argumentos de defesa das empresas são infundados, sem qualquer embasamento jurídico ou técnico que justifique o corte de árvores em frente a outdoors. As penalidades são aplicadas, mas a maior parte das ocorrências gera penalidades simples, que vão desde a simples advertência ao plantio de mudas. “Se a legislação fosse mais rígida, as ocorrências seriam em menor quantidade”, diz Paulo Freitas.


Ilegalidade

Um problema paralelo ao corte e à poda de árvores em frente a outdoors é a instalação destes painéis sem autorização formal das prefeituras. Esta situação é uma prática já adotada pela maioria das empresas de publicidade em praticamente todas as grandes cidades brasileiras, que instalam primeiro os painéis para depois esperar uma reação dos órgãos públicos.


A partir do momento em que a fiscalização pública age, as empresas de outdoors recorrem à Justiça com pedidos de liminares para manter os painéis. No ritmo da Justiça, existem processos que já tramitam há dois anos.


“Existe empresa que só instala outdoors com recursos judiciais, mas todas recorrem a este recurso”, diz a gerente de Fiscalização de Postura da Superintendência Regional Centro-Sul da PBH, Jane Miriam Maia. Apesar disto, as ações da prefeitura em 2003 na área da regional resultaram na apreensão de mais de 60 painéis por este tipo de irregularidade.


Já a chefe de Fiscalização da Secretaria de Regulação Urbana, Cristina Simões, aposta no novo Código de Posturas de BH, que será regulamentado em 2004, para inibir a atuação irregular das firmas de publicidade. “O novo código permitirá a retirada imediata de painéis em locais proibidos, como em áreas verdes.


Em 2004, com a eleição de prefeitos e vereadores, essa prática de uso e abuso de outdoor e painéis vai aumentar muito. E pior: com o corpo mole do Executivo e do Legislativo que têm interesse direto nas propagandas. Resta esperar por uma ação mais enérgica e rápida do Judiciário. Ou pela indignação da sociedade, especialmente dos eleitores, senão a poluição visual e o corte de árvores vai aumentar muito.


Anunciante pode ser cúmplice do crime







A frase do painel é verdadeira,
para o bem e para o mal.
Neste caso para o mal

Em agosto de 1997, no governo Cristovam Buarque, Brasília assistiu a um crime ambiental, justamente para favorecer a visão de um painel eletrônico. Árvores foram cortadas e algumas mortas por produtos químicos. A Folha do Meio mostrou, na época, como a realidade fala mais alto do que o marketing enganoso, pois a própria Administração do Plano Piloto, que deu licença para colocação do painel, foi mais do que displicente quando permutou um anúncio no outdoor luminoso na avenida da L-2 Sul.


Houve muita polêmica com a população, mas venceu o interesse econômico. Oito árvores foram sacrificadas. Quatro árvores foram cortadas – três cambuís e um pau-ferro – que atrapalhavam a visão do painel. Aliás, a bem da verdade, o pedido do corte da árvore foi negado pela Novacap, que só liberou a poda. Mas a polêmica aumentou quando o Departamento de Parques e Jardins descobriu que as árvores tinham sido envenenadas.


O caso foi parar na Procuradoria de Justiça do DF, que instaurou inquérito policial. E a contradição chegou em forma de anúncio no próprio painel, onde a Administração do Plano Piloto divulgou um slogan para lembrar aos passantes que “O meio ambiente quem faz é a gente”. A frase é mais do que verdadeira. Para o bem e para o mal. Neste caso para o mal.


O pior de tudo é que até hoje – seis anos depois – o painel está lá firme e forte, livre das árvores. Ou o empresário foi julgado inocente ou foi condenado a pagar apenas uma multa. “É a multa que funciona a favor do condenado: paga-se uma multa irrisória perante os lucros sempre constantes que o empresário recebe pelo crime praticado?, lembra um advogado.