Cerrado, o ecossistema ameaçado

Dia do Cerrado, dia de Ary Pára-Raios

11 de dezembro de 2003

Ary José de Oliveira fez palhaçadas sérias e do riso promoveu mudanças que o meio ambiente agradece

Uma palhaçada…


Era 31 de agosto de 1995. Reunião solene do Conama, o famoso Conselho Nacional de Meio Ambiente. O auditório do Ibama estava lotado. O tema de discussão era sobre as alterações substanciais que o governo federal pretendia promover no decreto 750 que estabelece a proteção da Mata Atlântica. Conselheiros, ambientalistas e funcionários do próprio Ibama aguardavam ansiosos o desfecho da discussão.


Ao mesmo tempo, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 3825/92, que também trata da Mata Atlântica, era aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias. Quando a notícia chegou ao plenário do Conama, em comunicado do então secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Fábio Feldmann, o Esquadrão da Vida, liderado por Ary Pára-Raios, entrou no auditório entoando a canção “Bichos Escrotos”, da banda Titãs. Foi apoteótico! Quem estava lá não esquece. Assim era Ary Pára-Raios: um palhaço, um artista, um jornalista, um tumultuador do bem.






Vitória do Palhaço
Fernando Lopes


O palhaço venceu.
Eu vi seu esquadrão cantando,
carregando faixas,
entre bumbos e violas.
Ouvi o minuto de silêncio,
e os vivas dos amigos,
e o grito contra a guerra.
Vi seus filhos rindo e chorando,
na frente, no Canto,
acompanhando seu corpo.
E Fernanda, companheira, em paz.
Mas ele vence este tempo de lutas,
soldado com todas as armas do artista.
Brincadeira solar, palhaçada e música.
Piruetas, saltos e pirâmides.
No meio do cerrado eu os vi cantando,
na defesa da mata, da vida.
No meio da cidade eu os vi cantando,
na defesa do homem, da criança.
Nos palcos, recitando a viola,
recriando o Brasil.
Seu corpo agora somos nós.
Sua vitória agora somos nós,
Para sempre Ary.


Ary Pára-Raios fazia da arte uma brincadeira de gente grande. Era coisa séria para dar o recado exato. Sempre à frente de seu Esquadrão, esse palhaço das causas humanitárias, colocou sua arte a serviço do movimento ambientalista. Nos últimos anos, no auge da polêmica em torno do Código Florestal não foram poucas que ele surgia vendendo alegria e cobrando posições das autoridades. Ary Pára-Raios era único. O Cerrado merece ter o mesmo dia de seu nascimento.


O profissional
Muita gente conheceu apenas o palhaço de rosto pintado e plantando bananeira pelas ruas de Brasília ou à frente de seu Esquadrão mandando algum recado para o poder. Mas Ary Pára-Raios ia além: jornalista profissional, trabalhou no Correio Braziliense e, em 1989, criou seu próprio jornal: o Viva Alternativa.


O teatro engajado
Pioneiro do teatro de rua de Brasília, o grupo criado por Pará-Raios baseou seus trabalhos na mistura de experimentalismo artístico e compromisso social. Entre os espetáculos produzidos pelo grupo estão O Bicho Homem e Outros Bichos, Na Rua com Romeu e Julieta e Folia Real. Ao longo de duas décadas, mais de 150 pessoas passaram pela companhia, que registrou 21 peças, 25 campanhas e mais de 20 oficinas.


“Ary era um radical bem-humorado e sua vertente palhaço estava sempre presente. Ary não gostava de facilidades, sempre trilhava o caminho mais difícil”, diz Sérgio Henrique Guimarães, do Instituto Centro Vida (ICV) de Cuiabá – MT


Brasília ganha novo parque no
Dia do Cerrado
No Dia do Cerrado, Asa Sul de Brasília ganha mais um parque ecológico de uso múltiplo


A comunidade da Asa Sul do Plano Piloto comemora a criação de mais um parque em Brasília, localizado ao lado do Colégio Marista, entre a L2 Sul e a avenida das Nações, nas quadras 614 e 613 Sul, com uma área de 21,5 hectares. O governador Joaquim Roriz, do DF, assinou o decreto de criação do parque em 11 de setembro, dia que se comemora o Dia do Cerrado, autorizando a presidente da Terracap, Maria Júlia Monteiro da Silva, a cancelar o contrato com uma faculdade que pretendia se instalar na área. Em benefício do parque, também foi cancelado um contrato de venda de lote para uma igreja evangélica. O romântico nas cidades não são os prédios espelhados e nem os edifícios inteligentes. Por isso o professor Ozanan Correia Coelho de Alencar, Chefe do Departamento de Parques e Jardins de Brasília, costuma dizer com muita propriedade: ?Onde há parques e jardins, há romantismo e qualidade de vida?.


A criação do parque foi sugerida em projeto de lei, aprovado pela Câmara Legislativa, de autoria dos deputados Augusto Carvalho (PPS), Peniel Pacheco (PSB) e Chico Leite (PCdoB). Carvalho e Pacheco compareceram à cerimônia, que contou com a presença de outros políticos e autoridades ambientais como o presidente da Comissão Permanente de Parques Ecológicos e de Uso Múltiplo do DF, Ênio Dutra.


Dia 19 de setembro, o governador Joaquim Roriz foi ao local onde está o parque e com técnicos do governo deu início aos trabalhos de estruturação. Estão previstas a construção de pista de cooper, urbanização da orla da lagoa, preservação das nascentes, plantações de mudas e transferências de árvores. “Esses ambientes devem ser preservados para as futuras gerações”, afirmou Roriz. O parque deve se chamar Jorge Pelles, pioneiro de Brasília e antigo proprietário das terras onde foi construída a capital federal.


Oitocentas toneladas de entulho foram retiradas do local. O parque será cercado, terá um posto da Polícia Florestal e dentro de três meses todas as obras estarão prontas.


O Cerrado corre perigo


A devastação do Cerrado não pode continuar – essa é a posição do secretário de Meio Ambiente de Goiás, Paulo Souza Neto e de muitos ambientalistas e técnicos da Unesco. Para barrar a devastação do meio ambiente, Goiás está elaborando ações para implantar uma moratória na exploração do Cerrado. Dessa forma, será possível conservar a vegetação que ainda não foi destruída e ainda recuperar áreas já degradadas.


Em todo o território nacional, mais de dois milhões de km2 de cerrado já foram destruídos e apenas pouco mais de 5% da vegetação originária ainda está intacta. Segundo o Ibama, as áreas destinadas à conservação ambiental somam apenas 0,8% do total do bioma Cerrado.


Técnicos do Ibama garantem que o objetivo da Moratória no Cerrado é impedir a abertura de novas áreas para utilização agrícola, a fim de permitir que seja feito um levantamento da situação real do meio ambiente goiano. “As regiões já destinadas para as atividades agropecuárias são suficientes para atender à crescente demanda por alimentos, bastando para isso que se utilize técnicas apropriadas para elevar a produção por hectare”, afirmam.


Para o secretário goiano, é inadmissível que o estado que primeiro colocou o bioma Cerrado como “Patrimônio Natural do Estado de Goiás”, conforme a Lei Florestal Estadual, permita que se continue desmatando áreas naturais. Paulo Souza Neto acredita que essa proposta fará com que a sociedade busque o desenvolvimento econômico com bases sustentáveis, optando por alternativas como o reflorestamento, manejo e aproveitamento da vegetação nativa, produção de florestas energéticas, entre outras. Com isso, saem ganhando a sociedade e o meio ambiente.


Diversidade: o melhor ativo ambiental


Já o coordenador de meio ambiente da Unesco, Celso Schenkel, é bastante claro na sua defesa do Cerrado: “A sociedade precisa entender que a biodiversidade deve ser tratada como patrimônio ambiental. Quem se arrisca a perder ativos ambientais na quantidade e qualidade dos que dispomos no Brasil está abrindo mão de insumos para o desenvolvimento, está perdendo bens inestimáveis capazes de gerar trabalho, renda e melhor qualidade de vida”.


Na verdade, recentemente, o bioma Cerrado foi reconhecido como um “hot spot” para a conservação da biodiversidade mundial, o que significa um alerta muito sério. O Cerrado ainda é fracamente representado no Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O desejável é que se chegue a um percentual de 10%, mas ainda estamos longe disso.