Parque do Rasgado

Parque do Rasgado, bênção verde para Brasília

15 de dezembro de 2003

Guardiães do parque: recuperar a mata derrubada e evitar novas agressões é nossa primeira ação


O professor Argos de Faro Coelho e o diplomata Cezar Amaral,
dois líderes comunitários, mantém vigilância de guardiões sobre a gestão do parque


Cézar Amaral – O Parque do Rasgado foi uma bênção que os moradores do Lago Sul receberam. Todos os dias, professor Argos, eu levanto as mãos para o céu para agradecer a criação do parque e a perspectiva de uma melhor qualidade de vida para toda população de Brasília.


Professor Argos de Faro Coelho – E eu também. Olha, Cézar, o Parque Ecológico do Rasgado é uma bênção de qualidade de vida para Brasília. Foi criado por decreto do governador Joaquim Roriz no dia 10 de outubro de 2002. O governador, ao criar o Parque do Rasgado, ultrapassou a questão eleitoral daquele momento. Por suas dimensões, são mais de 200 hectares de Cerrado e numerosos mananciais, este parque vai beneficiar não apenas a comunidade do Lago Sul, mas terá repercussão positiva para todo o ecossistema do Distrito Federal.


Ameaças ainda pairam sobre o Parque do Rasgado
Toda área é muito cobiçada por grileiros de terra e, até agora, não encontramos
quem fosse capaz de expulsá-los de Brasília








Muitos focos de incêndios criminosos começaram a acontecer no Parque do Rasgado. Para os moradores, o objetivo destes incêndios é descaracterizar a área como sendo de vegetação genuína de Cerrado. As suspeitas recaem sobre grileiros que querem
incorporar as terras do parque ao patrimônio pessoal.


Cezar Amaral – E o senhor sabe como surgiu a idéia da criação deste parque?


Professor Argos – A criação do Parque do Rasgado era um antigo desejo da comunidade do Lago Sul, que assistiu atônita à criação dos diversos condomínios nos bairros vizinhos e mesmo dentro do Lago Sul. As constantes denúncias não foram levadas a sério e a desurbanização da cidade vem sendo processada sem que nenhuma autoridade logre êxito em proibir ou mesmo coibir os abusos constantes. Está tudo estampado nas primeiras páginas dos principais jornais do País.


Cézar Amaral – O Parque de fato é um sonho. Sei que várias pessoas lutaram por sua criação até mesmo o pessoal da Folha do Meio Ambiente. A quem devemos o mérito da criação do Parque Ecológico do Rasgado?


Professor Argos – Em primeiro lugar devemos à própria comunidade do Lago Sul, que luta desesperadamente para manter o bairro como foi criado originalmente. Sabemos também que vários brasilienses tentaram influenciar o governo Roriz no sentido dar uma destinação nobre a esta área. Inclusive o jornalista Silvestre Gorgulho. Por meio do secretário Weligton Moraes e de outros jornalistas amigos de Roriz, Gorgulho mostrou ao governador a importância da criação do parque num momento em que a política de terra pegava fogo em Brasília. Isso pouco antes do segundo turno da eleição de 2002.


Vale também lembrar a ação decisiva de dona Natanry, antes de ser nomeada administradora do Lago Sul, que veio ao nosso socorro quando o líder comunitário da QI 29, Edir Albino, e eu lutávamos contra o asfaltamento de um trecho dentro do que hoje é por decreto o Parque Ecológico do Rasgado.


Cézar Amaral – E como foi mesmo esta história de asfaltamento dentro do parque?


Professor Argos – Isto se deu antes da eleição e, portanto, antes da nomeação da atual administradora. Duas semanas antes da eleição, acordei com um barulho de máquinas e fui ver o que se passava. Como não havia placas indicativas de obras, chamei imediatamente a polícia e com o auxílio dela paramos os trabalhos. A população local ficou indignada. Houve tumulto e a obra ficou paralisada. Nesta ocasião houve muita solidariedade e mesmo pessoas das quadras mais distantes vieram para oferecer resistência. Junto comigo esteve sempre o líder comunitário Edir Albino e também a Natanry Osório, moradora da QI 15, então presidente da UAL (União dos Amigos do Lago Sul). Aí ela levou a comunidade ao encontro do governador Roriz. Acho que a participação da Natanry, nesta ocasião, foi de vital importância. A leitura de uma carta escrita pelo garoto André Carneiro Stumpf, morador da QI 27, tenha comovido o governador. (Veja boxe na página seguinte)


Outro clamor que bateu fundo nas autoridades do GDF foi o de uma garota de 13 anos, Raíssa Osório, que disse a Roriz: Governador, eu não vi Brasília nascer, mas não quero vê-la morrer.


Tivemos também uma manifestação do Fórum das ONGs, que foi marcante para consolidar o advento do decreto que instituiu o parque.


Cézar Amaral – Nós aqui na QI 27 temos alguns problemas na quadra. O senhor também os têm por lá? E quais os principais problemas do Lago Sul?


Professor Argos – São vários. Além do eterno problema da segurança, temos ainda falta de rede de esgoto e falta, sobretudo, respeito ao plano original da criação do bairro.


Veja uma coisa importante: qualquer alteração ou cancelamento de parcelamento registrado dependerá de acordo entre as partes. Os moradores têm de dar a sua anuência, de estarem todos de acordo com as mudanças.


Pelo estatuto da cidade tem de haver o EIV- Estudo de Impacto de Vizinhança. A alteração do sistema viário merece maiores estudos urbanísticos, de análise e adequação ao sistema viário do bairro. Todo esse sistema, este que vem sendo fortemente atingido pelo tráfego da terceira ponte. Para tanto haveria de ter sido feito novo cálculo para a nova demanda.


Sou morador da QI 27 há 23 anos. A minha quadra está a 10 km do Palácio do Planalto, onde o Presidente da República despacha. Aqui ainda não temos nem esgoto nem galerias de água pluviais. Enquanto o Lago Sul espera por obras essenciais, o governo pavimentou uma passagem irregular, dentro da área do atual Parque do Rasgado para dar acesso mais fácil aos condomínios irregulares de São Sebastião, sem consultar os moradores do Lago Sul e sem a devida audiência publica. E o que é pior, sabendo que a maioria dos moradores do Lago Sul está contra a pavimentação desta terra que está sub judice. Mas o governo tocou essa obra em uma semana, cumprindo promessa do secretário de Obras em campanha para deputado federal, que era ansiosamente esperada pela população do bairro vizinho.


O Ministério Público chegou a interditar a obra, mas uma liminar concedida liberou a continuação do terrível projeto. Esta passagem já fora interditada em 96 pelo então administrador do Lago Sul, atendendo a um abaixo assinado dos moradores. Considero que houve invasão e depredação do patrimônio público por parte de cidadãos e empresas dos vizinhos condomínios de São Sebastião.


Rasgado será parque de uso múltiplo


Cézar Amaral – O senhor acha que o Parque Ecológico do Rasgado vai transformar-se num pólo de atração do Lago Sul?


Professor Argos – O desejo da comunidade é a eliminação desta via asfaltada que corta o parque pelo meio. Os estudos de desenvolvimento sustentável do parque já estão na sua fase preliminar e serão levados adiante tão logo a Associação dos Defensores do Parque Ecológico do Rasgado estiver em pleno funcionamento. Para que isso seja possível, os lideres das comunidades vizinhas vêm se reunido com a finalidade de traçarem os objetivos da comunidade e definirem as prioridades dos moradores lindeiros ao Parque Ecológico do Rasgado. A imprensa tem dado um destaque especial e as principais emissoras já vieram ao parque registrar a retomada dessa área pela comunidade.


César Amaral – Com sua experiência, como o senhor acha que deve ser o desenvolvimento para implantação do Parque Ecológico do Rasgado?


Professor Argos – Defendemos o desenvolvimento gradual e qualitativo do parque, que não deverá ser apenas um estacionamento de luxo. As atividades de laser deverão ser bem estudadas para atingir o objetivo ecológico. Por exemplo, somos a favor de pistas de terra para bicicletas em vez de pistas para motos, que emitem gases poluentes. Poderíamos também ter algumas áreas gramadas, churrasqueiras para fazer um piquenique.


Cézar Amaral – Acho muito importante a recuperação da vegetação original do parque e definir seu uso múltiplo…


Professor Argos – Sobre a vegetação original, constatamos que a derrubada da mata e outras agressões sofridas devem ser a nossa primeira preocupação. Para tal contamos com a Comissão Permanente de Parques Ecológicos e de Uso Múltiplo, que é o órgão gestor dos parques da cidade. O professor Ênio Dutra, atual coordenador da Comparques, é um reconhecido defensor da preservação do meio ambiente e já nos enviou o Termo de Referência para a elaboração do Plano de Manejo para o parque. Este seria o passo inicial para se fazer adequadamente a preservação e manutenção da vegetação original.


Cézar Amaral – Eu ainda vejo muitas ameaças ao Parque do Rasgado e o senhor?


Professor Argos – Apesar de ter sido criado por um decreto do governo do DF e de ter tido por parte da Comparques um acolhimento bastante expressivo, acredito que ainda pairam ameaças à integridade do Parque do Rasgado. Em reunião com os moradores lindeiros do parque, o professor Ênio Dutra afirmou que iria ajudar-nos no que fosse possível para conservar e desenvolver a área demarcada, de modo que esta se torne de fato um parque que atenda às necessidades ecológicas para o qual foi criado. Mesmo assim, trata-se de uma área cobiçada por grileiros e, até agora, não encontramos quem fosse capaz de expulsá-los de Brasília.


Ainda bem que a vizinhança tem se mostrado combativa e resistido às manifestações dos invasores. A própria criação do parque prova nossa resistência às invasões.


Conselho gestor da APA começa o trabalho


Para a Administradora do Lago Sul, Natanry Osório, apesar de a Bacia do Lago Paranoá ter 67,45% do seu território protegido por Unidades de Conservação, essa bacia apresenta uma forte vulnerabilidade em diversas áreas de nascentes, de veredas, de cursos d’água e de vegetação nativa.


A área de 227 hectares que fica aos fundos das QIs 27 e 29 do Lago Sul é uma das últimas manchas remanescentes de cerrado original, testemunho do ecossistema primitivo, sendo sua preservação de extrema importância para a regularização do clima, preservação de nascentes, riqueza florística e fauna silvestre.


Em outubro do ano passado, foi criado na área o Parque Ecológico do Rasgado, que ainda não possui um projeto de instalação. O Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental do Paranoá acaba de ser empossado e aguarda convocação para iniciar os trabalhos, pelo zoneamento ecológico e ambiental da APA do Paranoá.


Segundo Nathanry Osório, o Parque do Rasgado vai ocupar 2,2 milhão de metros quadrados e visa a proteger a fauna e flora nativas, proporcionar atividades voltadas para a educação ambiental, desenvolvimento de programa, projetos de observação ecológica e pesquisas sobre ecossistemas locais, além de dar condições para a realização de atividades de educação ambiental e recreação em perfeita harmonia do homem com a natureza.


Minha vida e o Parque do Rasgado


Por André Gustavo Stumpf Filho, 10 anos
Eu vou contar a minha história. Para salvar o Cerrado, em frente da minha casa, tudo aconteceu assim: li no Correio Braziliense que a Terracap e alguns particulares estavam brigando pela posse das terras. Fiquei muito preocupado. Eu sempre gostei de caminhar ali com a minha família e fiz amizade com muitos bichinhos como algumas corujas. Eu até coloquei nomes nas corujas mais mansas.


Como sou colaborador da WWF – cadastro 026379C – pensei em pedir ajuda deles para salvar os animais. Esse é o trabalho da WWF, né?


Aí tive a idéia de escrever uma carta e fui entregar a carta com a minha mãe. A WWF falou que só quem poderia cuidar disso eram órgãos governamentais, tipo o Ibama. Antes de procurar o Ibama, mamãe deu a idéia de mandar minha carta para o Correio Braziliense. Aí o pessoal da União dos Amigos do Lago Sul gostou da minha idéia de evitar mais esse ataque contra a natureza e usaram a minha carta para propor ao governador a fundação do parque.


O final da história todo mundo sabe. O governador assinou um decreto para criar o Parque do Rasgado no lugar onde iam ser os condomínios. As corujas e os bichinhos, que tinham ido embora quando os tratores desmataram tudo para construir as casas, estão voltando. Tudo voltou a ficar verde e fiquei muito feliz porque sinto que ajudei a salvar o Cerrado.


Não foi bom só para mim, foi bom para todos os brasilienses. Porque a natureza é que nos dá tudo de importante para viver: água, ar, alimento, remédio e muita alegria. Sempre que olho para o Parque do Rasgado, quase não acredito que no lugar das casas de tijolos, que não têm vida, temos uma fonte enorme de natureza.