Transgênicos

O grão da discórdia

12 de dezembro de 2003

Projeto do governo pode chegar ao Congresso, juíza libera transgênicos e procuradora entra com mandado de segurança

A decisão da juíza e, agora, o mandado de segurança da procuradora, aumentaram mais a confusão. Já o Advogado-Geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, garante que as decisões judiciais pouco alteraram. Tudo continua como está. A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, satisfeita com a informação do Advogado-Geral, aproveitou para mandar um recado à Monsanto, a empresa multinacional cuja soja geneticamente modificada, a Roundup Ready está no centro da confusão: a empresa terá de fazer estudo de impacto ambiental para continuar com o plantio de sementes geneticamente modificadas.


As ONGs como o Instituto de Defesa do Consumidor e o Greenpeace também comemoraram a decisão judicial, mas o mesmo não ocorreu com a CTNBio, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, cujo presidente, o geógrafo Jairón Alcir do Nascimento garante que a Comissão tem autoridade para dispensar, em pedidos de liberação de culturas transgênicas, a realização de estudos prévios sobre o seu possível impacto ambiental.


A CTNBio anunciou que fará uma reunião com seus 18 membros no dia 10 de setembro próximo, especialmente para discutir a decisão da juíza Selene. A Comissão tem em sua pauta dez pedidos de análise para a comercialização de transgênicos.


Imbróglio
A confusão resulta da vigência de duas leis aparentemente conflitantes. Em 27 de dezembro de 2000, o Congresso aprovou a lei nº 10.165, que alterava a política nacional do meio ambiente. O art. 8º desta lei estabelece que todos os organismos transgênicos são potencialmente poluidores e, portanto, passíveis de licenciamento do Ibama.


No dia imediato, Medida Provisória modificava a lei de biossegurança, dando competência da CTNBio para identificar atividades decorrentes do uso de organismos geneticamente modificados causadores de degradação ambiental, sem revogar expressamente o dispositivo da lei 10.165/2000.


Esse conflito entre as duas leis ampara tanto a quem defende como a quem ataca os transgênicos. E uma terceira lei, a de nº 10.688, de 13 de junho deste ano, resultante da Medida Provisória nº 133, que autorizou os agricultores a comercializarem a safra de soja transgênica até 31 de janeiro de 2004, também contribui para aumentar as dúvidas.


Essa lei autorizou a comercialização da safra plantada por produtores do Rio Grande do Sul mas proibiu a comercialização e a plantação de sementes transgênicas. Diante das dúvidas suscitadas, o Advogado Geral da União se dispõe a recorrer ao Judiciário para obter uma interpretação definitiva, mas enfrenta uma dificuldade: nem o Governo sabe ainda qual é sua posição a respeito.


O Governo prometeu encaminhar ao Congresso um projeto de lei estabelecendo a política oficial sobre os transgênicos, mas enfrenta dificuldades internas. Os Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde insistem na proibição, enquanto o Ministério da Agricultura advoga a liberação. Caberá ao Presidente Lula dar a palavra final.


O projeto deveria ter sido enviado ao Legislativo há dois meses, mas há problemas também na bancada do PT na Câmara dos Deputados, que pretende discutir a matéria antes que ela seja submetida ao debate parlamentar.


A posição da CTNBio está no centro das discussões em torno do texto. Informações não confirmadas indicam que está prevalecendo a idéia de dois conselhos: um técnico, que seria a CTNBio, e outro, de natureza consultiva, que seria o Conselho Nacional de Biossegurança, a ser criado pela nova lei e integrado por representantes do governo e da sociedade civil.


Uma briga antiga


A disputa judicial em torno da soja transgênica começou em 1995, quando foi aprovada a Lei Nacional de Biossegurança e criada a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio – com a atribuição de aprovar o plantio e o consumo de produtos transgênicos.


Em 1996, a Monsanto iniciou, no Brasil, pesquisas com soja geneticamente modificada e em 1997 a CTNBio aprovou o início dos testes de campo com sementes de soja transgênica. Em 1998, a Monsanto solicitou à CTNbio autorização para o plantio. A multinacional foi liberada para realizar um Estudo de Impacto Ambiental prévio, mas o Instituto de Defesa do Consumidor conseguiu liminar na justiça suspendendo a plantação.


A disputa continuou e no ano 2000 o juiz Antônio Prudente, da 6ª Vara da Justiça Federal, no DF, acatou o pedido do Idec proibindo o plantio e a comercialização da Roundup Ready. Tanto a União como a Monsanto recorreram da decisão ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mas os pedidos foram negados.


Em 2002, a União e a Monsanto voltaram a recorrer ao TRF, em novo recurso. A juíza Selene de Almeida, relatora do processo, è favorável à liberação do plantio e da comercialização, mas o juiz Antônio Ezequiel solicitou vistas ao processo.


Agosra em agosto, a juíza Selene anunciou sua decisão de liberar a produção, o plantio e a venda da soja da Monsanto, enquanto a Procuradora Deborah Dubrat ingressou com mandado de segurança para suspender a decisão. (ML)




summary


Judge allows transgenics. Confusion increases
Government Project will arrive in Congress at any moment


After a five-year wait, Judge Selene Maria de Almeida, from the Federal Regional Court – TRF – of the 1st Region, in Brasília, lifted the prohibition concerning the production and commercialization of transgenic soybeans in Brazil. However, ten days later, District Attorney Deborah Macedo Dubrat entered a Writ of Mandamus at the TRF of the 1st Region to suspend the effects of the Judge’s decision. The Judge’s decision, along with the Writ of Mandamus from the District Attorney only added to the confusion. The Attorney General of Brazil, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa guarantees that the Judge’s decision has not altered anything. Everything remains the same. The Minister of the Environment, Marina Silva, satisfied with the Attorney General’s information took the opportunity to send Monsanto (a multinational company) a message. The company’s genetically modified soybean, Roundup Ready, is in the middle of the confusion. The Minister states that the company will have to do future environmental impact studies to continue planting genetically modified seeds.


The NGA’s (Non-Governmental Agencies), such as the Consumer Protection Institute and GreenPeace also celebrated the decision. On the other hand, CTNBio’s (National Technical Biosecurity Commission) president, geographer Jairón Alcir do Nascimento, guarantees that the Commission has the authority to suspend the requirement for prior environmental impact studies upon requests for permission to produce and commercialize transgenic crops.


The CTNBio announced that it will hold a meeting with its 18 members on September 10th to discuss the latest judicial decisions. The Commission has, on its agenda, 10 requests to commercialize transgenics.


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Soja Transgênica

Transgênicos: uma novela sem fim

11 de dezembro de 2003

São tantos interesses comerciais, científicos e ideológicos que as reuniões no Palácio do Planalto se sucederam e a MP que autorizou a soja transgênica para 2004, ficou uma semana em discussão

Vai e vem
Os gaúchos estão utilizando sobretudo sementes não selecionadas, obtidas do plantio da safra do ano passado, porque os produtores, em geral de pequeno porte, não têm recursos para adquirir semente selecionada importada da Argentina.


Ao vai-e-vem da Justiça em relação à liberação dos transgênicos, soma-se a indecisão do governo em relação ao envio, ao Congresso, do prometido projeto de lei regulamentando a matéria. Já ocorreram várias reuniões dos ministros diretamente interessados – Meio Ambiente, Agricultura, Ciência e Tecnologia e Saúde – mas as divergências não foram superadas.


Os ministros
Aparentemente a disputa envolve os Ministérios do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia. A ministra Marina Silva deseja que as atribuições relativas à concessão de licenças para uso de transgênicos fiquem fora da CTNBio, de preferência com uma nova instituição criada para esse objetivo. Já o ministro Roberto Amaral resiste à idéia de manter a CTNBio como entidade meramente consultiva.


O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, não se envolve diretamente com a disputa, mas defendeu que a liberação dos transgênicos se desse ainda a tempo do plantio da próxima safra no Rio Grande do Sul e Paraná, agora no início de outubro.


Embora estivessem dispostos a plantar a soja transgênica com ou sem autorização do governo, os produtores gaúchos queriam que a autorização fosse dada antes da plantação, para que eles pudessem ter acesso aos financiamentos do Banco do Brasil, sem o perigo de represálias.


Para os gaúchos, o melhor aconteceu: a matéria acabou sendo regulada por MP, que tem efeito imediato. Com a viagem de Lula e a indecisão de José Alencar, a demora em editar a MP acabou criando um clima de muito desconforto na bancada gaúcha.


Segundo dados do IBGE, 150 mil pequenos produtores gaúchos foram responsáveis por 45% da safra de soja no estado que este ano somou 9,5 milhões de toneladas em 3,6 milhões de hectares. Pelo menos 80% do volume colhido correspondeu a soja transgênica.


A Associação dos Procuradores da República divulgou nota condenando a liberação dos transgênicos, por entender que há decisões judiciais proibindo o plantio. No Congresso, o líder do PV, deputado Sarney Filho, ameaçou recorrer ao STF impetrando uma Ação Direta de inconstitucionalidade.


Ironia de Alencar
No dia 24 de setembro, o presidente em exercício, José Alencar, acabou sendo traído pelos acontecimentos. Durante solenidade no Itamaraty, falando no Seminário ?Saber Global?, trocou o nome da ministra da Assistência Social, Benedita da Silva, pelo da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com quem esteve reunido longamente no dia anterior, quando deveria ser assinada a MP. Então, Alencar ironizou: ?Sobre a soja transgênica, conversei com técnicos da Embrapa que disseram que não há o menor risco, mas os ambientalistas garantem que há. Aí, o pobre presidente em exercício, mineiro, é quem vai ter que assinar essa MP?.


Mesmo Alencar tendo assinado a MP, dia 26, essa é uma novela com muitos capítulos ainda para serem exibidos. A cada dia que passa, aumentam os conflitos pelos interesses comerciais, ideológicos e científicos em relação aos transgênicos. Em Recife, 800 cientistas reunidos no III Congresso Brasileiro de Biossegurança, fizeram um manifesto forte: ?O debate ideológico e desprovido de fundamentação científica representará para o Brasil um caminho sem volta e irrecuperável, mais grave do que foi a reserva de mercado para a informática…?. Contudo, uma verdade a História parece provar a todo momento: a tecnologia sempre acaba batendo a ideologia.
A Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias vai criar uma subcomissão Especial para investigar os impactos resultantes do cultivo dos transgênicos.


SAIBA MAIS
A guerra dos transgênicos é antiga. Começou a ser travada entre defensores e opositores do plantio de transgênicos no Brasil há quase uma década. Foi intensificada em 1998, quando a CNTBio autorizou o plantio e venda no país da soja transgênica Roundup Ready, da Monsanto. A decisão provocou reação imediata de ONGs ambientalistas.


A soja transgênica contém um gene da bactéria Agrobacterium s.p.p que lhe dá resistência ao herbicida Roundup. Com isso, os agricultores podem intensificar o combate das ervas daninhas sem afetar a soja. Tanto a soja transgênica quanto o Roundup são produzidos pela Monsanto. A soja foi aprovada pelos EUA, em 94, e pela União Européia, em 96. Nunca foi associada a qualquer problema de saúde. Os cientistas a consideram melhor para o meio ambiente, por usar menos agrotóxicos. Tem melhor produtividade e dez países já produzem sementes transgênicas em escala comercial. Entre eles EUA, Canadá, México e Argentina. Na União Européia a soja transgênica pode ser vendida, mas precisa de um rótulo com a advertência de que se trata de produto transgênico.