Empresa X Cidadania
28 de janeiro de 2004De como a Nestlé dá um péssimo exemplo na fonte de seus negócios
Arthur Gurgulino (*)
O Programa Fome Zero, criado pelo Presidente Lula, pode não eliminar os bolsões de pobreza do Brasil, mas já teve efeitos altamente positivos para a sociedade brasileira. A questão grave da fome estava inerte, acomodada, distante da elite brasileira. Com o chamamento do Presidente, atravessou fronteiras e virou programa de governo em países vizinhos e distantes. Virou moda! Fez a cabeça de muitos empresários.
Porém, a marca mais acentuada do movimento foi a mudança na vida das empresas e no seu relacionamento com as comunidades onde atuam. Em recente encontro em São Paulo, O Ministro Grazziano deparou-se com mais de 500 representantes das maiores empresas do país, sequiosos por apresentar os seus projetos comunitários e de alguma forma incluí-los no Fome Zero. Afinal, a elite empresarial é espertíssima. Quem não quer ficar bem com Lula? E quem não quer parecer bonzinho com sua comunidade?
Ao ler na edição de maio da Folha do Meio Ambiente a extensa e detalhada matéria sobre o relacionamento da Nestlé com a comunidade de São Lourenço-MG, pus-me a raciocinar sobre a incoerência da multinacional que insiste em cerrar os ouvidos para os milhares de apelos dos moradores da região. Apelos que já atravessaram o Atlântico e chegam, em forma de solidariedade, de vários países do mundo. Inclusive da Suíça, sede mundial da Nestlé.
De que valem os milhões de reais gastos com marketing que a Nestlé derrama nos programas do Faustão e do Gugu, nos merchandising das novelas da Globo, se, no nascedouro de sua riqueza – a água mineral de São Lourenço – a Nestlé suja seu nome, sua reputação e sua imagem de empresa com responsabilidade social e ambiental?
Aprendi na faculdade duas coisas fundamentais para a vida: primeiro, mais vale um bom acordo do que uma má demanda; segundo, mais vale ter um bom nome na praça que muito dinheiro na taça.
É tão fácil dialogar com as comunidades! As centenas de projetos espalhados pelo Brasil podem facilmente servir de “benchmark” para a Nestlé que não pode ser tão cega assim diante de uma crise que a levou a uma audiência pública promovida pela Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais; que levou a Nestlé a fazer parte da Lista Suja da Amda em 2002, justamente no Dia Mundial do Meio Ambiente; que levou a Nestlé a bater de frente com centenas de ONGs de Minas, do Brasil e do Mundo.
Uma coisa não dá para entender. A Nestlé é muito grande e tem seguramente gente competente para administrar situações de crise. O caso pontual de São Lourenço ou está entregue a um diretor ranzinza ou ainda não chegou ao conhecimento do Senior Management da companhia.
Em qualquer um dos casos, a insensibilidade da empresa perante a comunidade sanlourenciana, perante os ambientalistas e perante seus próprios clientes não se explica. Nem por um lucro fantasticamente grande. A Comissão do Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Minorias da Câmara Federal deveria checar, em audiência pública, até onde vai a teimosia, a arrogância ou a ganância da Nestlé. A cidade de São Lourenço luta agora pela retomada de sua auto-estima. Quer sentir-se uma grande produtora da melhor água mineral do mundo, quer manter os empregos, mas quer também se orgulhar de poder hospedar uma empresa que tenha responsabilidade social, que esteja engajada nos projetos de cidadania da região e que, ela própria, seja um orgulho e não um estorvo para São Lourenço.
(*) Arthur Gurgulino é advogado
e membro do Movimento
Viva São Lourenço Viva