Aqüíferos: o mar invisível de água doce
29 de janeiro de 2004A natureza é tão magnânima que ainda guarda muita água pura no subsolo
O ciclo hidrológico é constituído das fases da evaporação, condensação, precipitação, infiltração, percolação e escoamento, daí voltando a água a evaporar-se, fechando um gigantesco percurso entre a Terra e as camadas mais próximas da atmosfera. A fase de infiltração da água no solo abre um capítulo inteiramente novo no contexto da gestão dos recursos hídricos, que é o das águas subterrâneas. São as águas invisíveis. Hoje elas são bem visíveis nos trabalhos dos hidrogeólogos, já que, por muito tempo, elas eram pouco – ou até mesmo ignoradas – na gestão dos recursos hídricos. Apenas as águas superficiais eram consideradas. Superada a dicotomia entre as duas fases do ciclo hidrológico, a gestão dos recursos hídricos mostrou ser mais ampla. E, segundo o professor Raymundo Garrido, “é uma gestão una, integrando vertical e horizontalmente as diversas circunstâncias sob as quais a água se apresenta e se mostra nos seus usos múltiplos, bem como se relaciona com os diferentes níveis de governo e segmentos da sociedade civil”. Nesta entrevista com o professor Raymundo Garrido vamos conhecer essa nova riqueza brasileira e também os sérios perigos da degradação que sofrem as águas subterrâneas.
FMA – O Brasil é rico em águas superficiais. E é também em águas subterrâneas?
Garrido – É sim. As reservas estimadas de águas subterrâneas do território brasileiro são de cerca de cento e doze mil quilômetros cúbicos, o suficiente para abastecer a população brasileira durante 9.150 anos, isto considerando um consumo médio diário de duzentos litros por pessoa.
É verdade que essa água toda não é de qualidade uniforme, pois a qualidade e a quantidade da água de subsolo depende da natureza da formação hidrogeológica além de outros fatores. No entanto, podemos afirmar que uma expressiva parte desse colossal volume encontra-se em formações ditas porosas, que são os aqüíferos granulares, capazes de armazenar e depurar a água infiltrada e/ou em fluxo. Isso confere às águas desse tipo de formação. Gostaria de ainda salientar que a água subterrânea é uma preciosa dádiva que Deus guardou muito bem guardado.
FMA – E quais os tipos de formações hidrogeológicas do nosso território?
Garrido – Basicamente ocorrem águas subterrâneas no Brasil em formações de três tipos: os aqüíferos porosos, conhecidos também por intersticiais, que são as bacias sedimentares; os aqüíferos fissurais, constituídos por rochas cristalinas fraturadas ou fissuradas – de onde vem o nome – por esforços tectônicos regionais ou por alívio de pressão em processo erosivo(5); e os aqüíferos cársticos, compreendidos pelas rochas carbonatadas, cujas aberturas subterrâneas são alargadas por processos de dissolução pela água.
Os aqüíferos porosos ocupam cerca de 45% da projeção do território nacional, cabendo cerca de 50% aos fissurais (habitualmente chamados de cristalinos) e, o restante, de formações cársticas.
FMA – É certo que o Nordeste tem muita água subterrânea?
Garrido – Bem, para começar, no Nordeste brasileiro encontram-se os três tipos de fomações, ou seja, os aqüíferos porosos, os fissurais e os cársticos. É costume classificar os sistemas aqüíferos em províncias hidrogeológicas. No Nordeste há quatro dessas províncias: Parnaíba, São Francisco, Escudo Oriental e Costeira. As duas últimas são subdivididas em sub-províncias. O total das reservas permanentes do Nordeste é de cerca de três trilhões de metros cúbicos, capazes de alimentar a população nordestina por 862 anos. Mas o volume que importa considerar é o das reservas explotáveis que alcança o nível de 610 metros cúbicos por segundo, ou seja, capaz de alimentar uma cidade onze vezes maior do que a Grande São Paulo, que tem 17 milhões de habitantes.
Mas é bom salientar que esse volume não é tão grande quando considerado o patrimônio total das águas subterrâneas brasileiras, imensamente superior aos estoques que podem ser encontrados no Nordeste. O aqüífero Guarany, por exemplo, reúne uma quantidade muito maior de águas armazenadas e bem protegidas naturalmente.
Vale considerar que, da mesma forma que as águas superficiais, as águas de sub-superfície também estão mal distribuídas pelo território nordestino, havendo excesso em certas áreas e escassez em outras. Mais um motivo para se fazer uma eficiente administração desses recursos.
FMA – Por que se fala tanto atualmente no aqüífero Guarany?
Garrido – Primeiro porque se trata do maior aqüífero do mundo. Segundo porque ele se distribui por quatro países, o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Aliás, foram esses países que iniciaram um grande programa de estudo, conhecimento e gestão de suas águas. No Brasil, país que detém a maior parcela do Guarany, os responsáveis por esse programa são a Secretaria de Recursos Hídricos do MMA, que o iniciou, a Agência Nacional de Águas – ANA, que herdou grande parte dos trabalhos da SRH, e os seis estados servidos pelo aqüífero, que são Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo os estudos, esse aqüífero tem uma vazão renovável da ordem de 160km3/ano, o que corresponde a 5.144m3/seg, ou seja, mais de duas vezes e meia a vazão regularizada do rio São Francisco a partir da barragem de Sobradinho. A área do Guarany em território brasileiro é de aproximadamente 840.000 km2, cerca de 70% de todo o aqüífero.
A importância do aquífero Guarany
A porção brasileira do aquífero Guarany é mais extensa e o Brasil está a montante dos demais países no que se refere ao fluxo geral das águas, que é de norte para sul. Em relação ao Guarany, o que de bom ou de ruim for feito na porção brasileira do aqüífero resultará em benefício ou malefício para o próprio Brasil, mas também para os demais países
FMA – As águas dos aqüíferos têm um fluxo definido?
Garrido – Têm sim. Aliás, é também por isso que o Guarany é tão importante para o Brasil, e o Brasil tão importante para o aqüífero Guarany. Veja que, além da porção brasileira do Guarany ser a mais extensa, nosso país também está a montante dos demais países no que se refere ao fluxo geral das águas do Guarany que é de norte para sul. Em outras palavras, o que de bom ou de ruim for feito na porção brasileira do aqüífero resultará em benefício ou malefício para o próprio Brasil, mas também para os demais países. Por fim, o Guarany, que no Brasil antigamente era chamado de aqüífero Botucatu, tem suas águas bem protegidas pelo meio natural, diferentemente do que sucede com inúmeros outras acumulações de águas subterrâneas no Brasil.
FMA – E como é essa proteção natural?
Garrido – A ciência mostra que as águas do aqüífero Guarany são protegidas por uma camada de basalto(2), fruto de um derramamento havido há cerca de 250 milhões de anos. Essa camada tem uma espessura variável, alcançando cerca de 1.800 metros em uma vasta porção do aqüífero. Há áreas onde a espessura dessa camada é mínima, chegando a quase zero. Tais áreas correspondem às zonas de recarga do aqüífero, ou seja, são pontos por onde as águas de chuva se infiltram no solo, dando a sua contribuição para a recarga.
É importante salientar que o basalto é um manto que, apesar de conter fraturas, por onde aliás a água, às vezes contaminada, pode percolar rapidamente, funciona como capa protetora, ainda que não chegue a ser impermeável, mas protege as águas do Guarany. Isto confere nobreza a essas águas. Além de serem dotadas de elevado grau de pureza, têm essa pureza protegida pela cobertura basáltica.
FMA – O que são os aqüíferos cársticos?
Garrido – São os aqüíferos armazenados e fluentes em terrenos cársticos, ou seja, que têm solos constituídos por rochas compactas e solúveis, fundamentalmente carbonatadas, diferenciando-se de outras formações em conseqüência dos processos de dissolução. É a carstificação. A origem e evolução dessas formas dependem de vários fatores: geológicos, tectônicos(11), hidráulicos, físico-químicos, biológicos etc.
Da atuação desses fatores, com o tempo, resulta uma ampla variedade de tipos de formações cársticas. De fato, no “carst”, os processos de recarga e descarga, relação entre águas superficiais e subterrâneas, dissolução, qualidade da água são dinâmicos e se modificam ao longo do tempo, o que realça a importância do contexto temporal na maior parte, senão em todos os estudos de formações cársticas.
FMA – Por que para obter a outorga de águas subterrâneas o usuário deve apresentar o ensaio de bombeio de poços?
Garrido – Bem, para falar a verdade, quem deveria dispor e realizar estes estudos são os órgãos ou entidades investidos do poder de outorga de direito de uso da água. Em geral, as águas subterrâneas são pouco conhecidas em seu comportamento devido ao fato de serem “invisíveis” e os estudos sobre as mesmas custarem caro.
Diferentemente das águas superficiais, cuja hidrologia é praticamente toda conhecida em detalhes nas bacias brasileiras, as províncias hidrogeológicas, embora também conhecidas, não têm, em todos os casos, o aprofundamento desse conhecimento que se tem em relação aos rios e lagos. Ora, o setor de gerenciamento de recursos hídricos ainda é muito pouco capitalizado. Sua principal e perene fonte de recursos financeiros, que é a cobrança, ainda se encontra em um nível muito embrionário de implementação. Vai daí, o poder outorgante, não tendo outra saída na busca de meios para uma consistente decisão sobre outorga de águas subterrâneas, acaba por solicitar aos requerentes, futuros administrados, que apresentem os necessários, e onerosos, ensaios de bombeio na área que pretendem explotar(6).
FMA – Quais as formas mais comuns de contaminação das águas subterrâneas?
Garrido – São muitas. Vamos mostrar algumas, pois é muito importante que toda a sociedade tome consciência deste sérios problema. É bom lembrar que a despoluição de um aqüífero de grandes proporções é tarefa para vários séculos.
As fossas sépticas – As fossas sépticas costumam apresentar ameaça de contaminação das águas subterrâneas por descarregarem uma variedade de componentes orgânicos e inorgânicos, como sólidos totais, coliformes fecais, amônia e fósforo, nitratos e nitritos, além de exercerem demanda bioquímica de oxigênio, de descartar demanda química de oxigênio e outros materiais degradantes.
Tanques subterrâneos – Há por toda parte. Normalmente estão associados a postos de gasolina, a instalações industriais (tancagem industrial), a instalações de armazenamento de óleos e materiais perigosos. No caso dos postos de serviços existentes no Brasil, incrivelmente ainda há, da forma como foram construídos originalmente, tanques instalados nos anos sessenta do século passado, a maioria dos quais comprometendo as camadas subjacentes do solo. É só ler a matéria da Folha do Meio Ambiente da edição passada sobre o caso dos postos de gasolina e o meio ambiente.
Resíduos da atividade agrícola – Os efeitos do uso indiscriminado de pesticidas já é percebido em muitos relatórios de monitoramento de aqüíferos no Brasil. Há uma quantidade imensa, muito grande mesmo, de pesticidas sendo produzida em todo o mundo, com mais de 600 ingredientes ativos. O uso na agricultura, de sequeiro ou irrigada, em campos de golfe, jardins e parques públicos, tem feito a água de infiltração lixiviá-los para camadas profundas do solo. Isso causa uma contaminação de difícil controle.
Lagoas de estabilização – As lagoas de estabilização recebem resíduos líquidos ou misturas destes com cargas sólidas. Tais resíduos podem ser perigosos ou não perigosos, mas em qualquer dos dois casos, são contaminantes do subsolo, comprometendo portanto a qualidade das águas subterrâneas. As possibilidades de poluição são diretamente proporcionais ao tempo de residência dos efluentes nas lagoas, o que confere importância à atividade de operação destas.
Poços de produção – Os poços de produção de água são, também, fonte de contaminação de aqüíferos. Por quê? Simples, porque não se costuma tomar os cuidados necessários nem na realização de suas obras e nem na sua operação. Em rigor, o poço bem projetado e bem operado não polui o subsolo. Mas ainda há, em nosso País, a filosofia da obra rápida, do caminho fácil. Alguns executores de poços fazem uma simples “escavação de um buraco”.
Poços de injeção – Os poços de injeção podem ameaçar as águas subterrâneas quando os resíduos líquidos perigosos que são injetados nos mesmos penetram em aqüíferos produtivos, mal dimensionados ou construídos em falhas geológicas. Em geral recebem borras oleosas, água de recarga de aqüíferos, além de fluidos utilizados na atividade da mineração, entre outros.
FMA – E os aterros sanitários causam algum tipo de poluição?
Garrido – Bem lembrado, pois além das intervenções citadas, há riscos nos aterros sanitários cuja impermeabilização do fundo não seja adequada e/ou insuficientemente monitorado. Há também os riscos de se poluir através da mineração, em construções e escavações, tubulações diversas, sítios com depósitos radioativos, fenômenos naturais como a intrusão salina(7) e a lixiviação(8) natural.
FMA – O Brasil resolveu, de certa forma, a questão dos rios e lagos em relação às unidades federativas. E quanto às águas subterrâneas, há alguma controvérsia sobre seus domínios?
Garrido – Sim. E muita! A simples leitura dos dispositivos constitucionais leva-nos a entendê-las como águas de domínio dos estados. Mas numa avaliação mais profunda dos termos do inciso III do artigo 20, combinada com os termos do inciso I do artigo 26 da Constituição Federal e, tomando em conta que o significado da expressão “banhar um estado federado”, inaplicável às águas subterrâneas, aí pode estar a fonte principal da controvérsia em relação a essas águas, permitindo que se dê uma outra interpretação, entendendo essas águas como sendo também de domínio da União.
E tem outra coisa. Os estados já “contabilizaram ambientalmente” todas as águas subterrâneas, exceto as minerais, potáveis de mesa, termais e as destinadas à balneabilidade, cuja exploração é outorgada pela União, através do DNPM(3). Assim sendo, o debate em torno dessa dominialidade, que já começou por meio de um Projeto de Emenda à Constituição Federal – PEC, ora em tramitação no Congresso Nacional, poderá encontrar dificuldades políticas. Pelo jeito os estados vão opor resistência a essa modificação.
FMA – Dá para enumerar algumas vantagens do uso das águas subterrâneas sobre o uso das águas superficiais?
Garrido – Dá e de fato elas existem. Preliminarmente, a questão da qualidade: há uma nítida tendência de as águas subterrâneas preponderarem sobre as de superfície. E isto ocorre porque a percolação das águas no subsolo, sobretudo em aqüíferos porosos, é capaz de depurá-las, a custo zero, a um grau de purificação superior ao que se obtém mediante o tratamento industrial, que é muito caro. É que os processos bio-físico-geoquímicos que ocorrem durante a percolação das águas no subsolo são capazes de purificá-las a ponto de, em muitos casos, serem utilizadas diretamente para o consumo humano.
Além da questão da qualidade, as águas subterrâneas podem ser abstraídas em pontos próximos do local de utilização, evitando a construção de adutoras, como ocorre com as águas superficiais. Por exemplo, as águas para regar jardins públicos podem ser obtidas por abstração(1) em poços no próprio jardim.
Outra vantagem das águas subterrâneas reside em seu índice menor de perdas por evaporação, dado estarem armazenadas no subsolo, bem menos expostas à ação do sol.
FMA – Vamos falar sobre a gestão de águas subterrâneas. É simplesmente operar poços?
Garrido – Isto foi no começo. A gestão das águas subterrâneas evoluiu da operação dos poços para a unidade aqüífero, procurando-se observar os conjuntos de poços e sua ação sobre o comportamento do aqüífero. Mais recentemente, essa gestão avançou para o estudo do comportamento dos fluxos subterrâneos, incorporando ao processo a dinâmica dos aqüíferos. Vale observar que os aqüíferos também têm a função de transportar água de um ponto a outro.
E tem mais: a gestão do uso das águas de subsuperfície é um trabalho de integração. Essa integração se dá de diversas formas. A integração com as águas superficiais, a integração entre os usos distintos da água, entre os diversos níveis hierárquicos atuantes no sistema de gestão. Em outras palavras, não se deve falar de gestão de águas subterrâneas de modo isolado. Por igual, este conceito estende-se às águas superficiais, pois a gestão a que temos que nos referir – e praticar – é a dos recursos hídricos como um todo.
FMA – Então, quais as funções dos aqüíferos?
Garrido – Os aqúíferos cumprem várias funções: primeiro a função de armazenamento, por constituírem reservatórios subterrâneos dos quais a água é abstraída por bombeio. Segundo, a função filtro, por purificarem naturalmente as águas ao longo do seu trajeto. Terceiro, a função transporte por conduzirem a água de um ponto a outro do território. Quarto, a função de regularização de vazões, por contribuírem para regularizar vazões de uso dos recursos hídricos, combinadas ou não com vazões obtidas a partir das águas superficiais. E, por fim, a função de produção de energia, no caso de águas termais, de cujo gradiente térmico se pode produzir energia, em função das características termodinâmicas dos volumes d’água, medidas em entalpias(4).
FMA – Estando a gestão das águas subterrâneas orientada para os fluxos dessas águas, pode-se dizer que o poço perdeu a importância?
Garrido – Absolutamente, não. Os poços continuam sendo a unidade operacional da exploração das águas subterrâneas. Mas esse aproveitamento econômico das águas não deve descartar a noção de conjunto. E esta é dada tomando-se o aqüífero como unidade de planejamento e tendo-se em conta, sobretudo, o fluxo de suas águas. Portanto, o poço não perdeu importância nenhuma, apenas tornou-se parte de um processo mais complexo. No passado distante, ele era o todo, ele constituía o processo em si.
FMA – Existem cuidados especiais para abertura de poços?
Garrido – Existem e isso é muito importante. Há cuidados que devem ser muito bem observados. Esses cuidados envolvem a locação (escolha do local), o projeto (desenho e especificações técnicas acompanhados de um relatório), o método de perfuração (tipo de equipamento), a completação do poço (colocação da tubulação e do cascalho que é o pré-filtro), a cimentação entre o tubo e as paredes do solo, e o desenvolvimento (remoção do material fino) e, finalmente o bombeio, que é a operação propriamente dita do poço.
FMA – O que é um poço artesiano?
Garrido – É um poço com a característica de ter a pressão hidrostática(10) em nível mais elevado do que o nível do terreno, o que força a explosão das águas do aqüífero contra a gravidade, formando um repuxo d’água.
FMA – O que é uma barragem subterrânea?
Garrido – Como qualquer outro tipo de barragem, a subterrânea apenas difere por ser construída no subsolo, barrando algum fluxo de águas. Esse fluxo que é barrado é o escoamento de subsuperfície que ocorre no depósito aluvial quando o rio deixa de escoar na superfície. Essas barragens funcionam como um septo impermeável que impede que a água prossiga escoando subsuperficialmente durante a estiagem.
FMA – Mas existe alguma barragem subterrânea no Brasil?
Garrido – Como as barragens subterrâneas são, em geral, de porte pequeno, há muitas dessas obras construídas pelo Brasil afora. Deve-se dar destaque, no entanto, ao programa de barragens subterrâneas construído pelo governo de Pernambuco, iniciado em 1995 pelo secretário José Almir Cirillo, entusiasta deste tipo de intervenção e que confiou todo o projeto ao geólogo Waldir Duarte. Essas barragens têm funcionado satisfatoriamente como soluções localizadas, contribuindo para o abastecimento de água e para a pequena lavoura do semi-árido.
FMA – Quais suas vantagens e quando elas devem ser feitas?
Garrido – As barragens subterrâneas são altamente vantajosas. Em primeiro lugar porque não inundam áreas de terras como as barragens convencionais de rios, servindo a calha umidificada para o plantio. Em segundo lugar, as perdas por evaporação são menores, pois a água está acumulada sob o solo. E, também, como não estão na superfície, as águas barradas estão melhor protegidas contra a ação de agentes agressivos. Há inúmeros requisitos para que a solução indicada de acumulação de água seja por meio de barragens subterrâneas. O primeiro deles refere-se à espessura do depósito aluvial, que não deve ser inferior a um metro e meio, pois o fenômeno da evaporação é significativo até meio metro de profundidade.
O segundo requisito está relacionado com a constituição do aluvião que deve ser predominantemente arenosa, uma vez que os solos argilosos não facilitam a liberação da água nos mesmos acumulada. Ainda como requisito, a declividade do terreno deve ser a menor possível, para que o armazenamento da água se estenda por um comprimento maior, o que não ocorreria com terrenos íngremes. Por fim, o teor de sais da água do rio ou riacho não deve ser impróprio para o consumo.
Glossário
ABSTRAÇÃO(1) – Operação pela qual a água é extraída do subsolo, normalmente por meio do funcionamento de poços.
BASALTO(2) – Vulgarmente conhecido como pedra-ferro, o basalto é uma rocha vulcânica constituída essencialmente de plagioclásio básico (mineral do grupo dos feldspatos) e augita (metassilicato de cálcio, magnésio, ferro e alumínio) com ou sem olivina, que é uma mistura do silicato de magnésio com o silicato de ferro.
DNPM(3) – Deapartamento Nacional de Produção Mineral, entidade vinculada ao Ministério das Minas e Energia.
ENTALPIA(4) – Soma da energia interna de um corpo, resultante da função termodinâmica de estado, com o valor obtido através da multiplicação da pressão pelo volume do corpo.
EROSÃO, PROCESSO EROSIVO, ERODIR(5) – Trabalho mecânico de arraste e de desorganização de um meio pela ação da água, dos ventos (erosão eólica) e mesmo dos oceanos e mares. O processo erosivo é o desgaste progressivo produzido pelo agente que erode, que corrói.
EXPLOTAR, EXPLOTAÇÃO(6) – Fazer uso econômico de algum recurso ou de alguma circunstância. O verbo e o substantivo são corriqueiramente utilizados em geologia.
INTRUSÃO SALINA(7) – Invasão subterrânea de águas marinhas, tomando o espaço que antes era ocupado por águas doces ou salobres. Ocorre em geral em regiões costeiras e em ilhas de pequenas dimensões, quando se abstrai água de poços acima dos limites definidos pelo planejamento da explotação de águas subterrâneas.
LIXIVIAÇÃO(8) – O significado original de lixiviação é o de uma operação de separação entre sais contidos em algumas substâncias e essas substâncias por meio de lavagem. Na prática, a lixiviação passou a incluir o transporte de substâncias por meio da água. As substâncias transportadas juntamente com a água são chamadas lixiviados.
PERCOLAÇÃO(9) – Passagem de um líquido por um meio físico, podendo dar-se a filtragem desse líquido ou o arraste de substância desse meio pelo líquido.
PRESSÃO HIDROSTÁTICA(10) – Pressão exercida por um fluido em repouso. O seu valor depende fundamentalmente da altura da massa líquida contínua.
TECTÔNICA(11) – Estudo das deformações da crosta terrestre em razão das pressões internas exercidas entre seus elementos integrantes. A tectônica de placas explica a maior parte dos fenômenos sísmicos (terremotos).