Coleta de lixo-pneu acaba com dengue
28 de janeiro de 2004A chamada guerra dos pneus recomeçou e com força total do lobby tanto no Congresso Nacional como na própria mídia. A questão é bem complexa e merece cautela
O prefeito de Curitiba, Cássio Taniguchi, em entrevista à Folha do Meio Ambiente, resumiu os resultados do projeto para a saúde pública da capital paranaense: em 2001 os casos de dengue em Curitiba foram reduzidos em 90%. Em 2002, foram notificados 149 casos, todos de pessoas que foram infectadas pelo mosquito da dengue fora de Curitiba. No primeiro trimestre deste ano os casos de dengue caíram para 15, todos vindos de fora.
A parceria
O programa Curitiba Rodando Limpo foi lançado em 21 de novembro de 2001 pelo então ministro da Saúde, José Serra, o então governador do Paraná, Jaime Lerner, o prefeito de Curitiba, Cássio Tanigushi e representantes da Petrobras e da Colway.
Entre novembro de 2001 e abril de 2002 foram coletados mais de um milhão de pneus inservíveis, retirados de lixões, riachos, alagados e terrenos baldios da capital paranaense por coletadores, chamados de agentes de saúde e do meio ambiente.
Recolhidos, os pneus são adquiridos pela Colway a 45 centavos de real a unidade. Como é uma empresa importadora de carcaças de pneus usados e vendedora de pneus remoldados, para cada pneu comercializado tem de dar um fim adequado para um pneu inservível, conforme determinação do Conama, através da Resolução 258, de 26/08/1999. Uma vez na fábrica, os pneus são fragmentados para posterior incorporação no processo de beneficiamento de xisto pela unidade da Petrobras na usina de São Mateus do Sul-PR.Os pneus inservíveis são cortados por um picador em tamanhos de até 10cm².
Subprodutos
Os produtos gerados pelo processamento de xisto com adição de pneus picados, desenvolvidos pela Petrobras, são óleo, gás combustível e enxofre. Para cada tonelada de pneus picados, extrai-se 500 quilos de óleo, 40 de gás, 300 de negro de fumo e 100 quilos de aço.
Mas além de óleo de xisto, os pneus inservíveis retirados dos lixões de Curitiba são utilizados na produção de asfalto, numa técnica considerada a única no mundo.
A empresa Greca Distribuidora de Alfalto Ltda., sediada em Araucária-PR, utiliza raspas de borracha oriundas de pneus usados fornecidos pela Colway para melhorar o desempenho do ligante asfáltico nas misturas betuminosas, proporcionando uma maior durabilidade, maior resistência à fadiga, redução do nível de ruídos e maior aderência para os veículos, permitindo uma melhor frenagem.
Segundo a Greca, para cada dez metros quadrados de massa asfáltica com cinco centímetros de espessura são utilizados três quilos de pó de borracha. Isso quer dizer que um pneu é reciclado a cada dez metros quadrados de asfalto.
A Concessionária Rodonorte, que cuida da rodovia PR-090 implantou seis km de Ecoflex, que é o asfalto com raspas de borracha de pneus.
Outro trecho foi implantado no Rio Grande do Sul, na BR-116, gerenciado pelo Consórcio Univias.
Os resultados obtidos demonstram que o Ecoflex possui uma maior elasticidade evitando a propagação de trincas e a conseqüente deterioração do asfalto, por tolerar mais as diferenças de temperatura e tráfego.
Coleta de pneus mantém programa Bom Aluno
Animados com os resultados em Curitiba, o governo
do Paraná, a Itaipu Binacional, a Associação dos Municípios do Paraná e a Federação das Associações Comerciais, Industriais e Agropecuárias se uniram à BS Colway e lançaram em Foz de Iguaçu o programa Mutirão Contra a Dengue, abrangendo todo o território paranaense.
Em Londrina, o programa Rodando Limpo foi implantado por meio de um convênio com a prefeitura, entidades empresariais e a BS Colway.
A Federação das Indústrias do Paraná doou 50 carrinhos de mão para a coleta de pneus inservíveis, garantindo, em poucos dias, a coleta de 150 mil pneus inservíveis, dos quais 40 mil em um só dia. O Rodando Limpo de Londrina conta também com a participação de 35 organizações não-governamentais, ONGs.
Para o empresário Francisco Simeão, presidente da Colway, não há dúvida de que, em pouco tempo, o Rodando Limpo Paraná terá eliminado a dengue em todo o território paranaense e na região fronteiriça com o Paraguai.
Para Simeão, tão importante quanto erradicar a dengue é oferecer cidadania aos catadores de lixo, permitindo que eles se sintam verdadeiros agentes de saúde e protetores do meio ambiente, além de obterem uma fonte de renda, o que é essencial nesses tempos de crise.
Indagado sobre o que acontecerá com esses catadores quando todos os pneus inservíveis tiverem sido recolhidos nos 399 municípios do Paraná, Simeão diz que outras etapas de coleta virão, com outros tipos de resíduos sólidos que também poluem o meio ambiente, como os plásticos.
Otimista, Simeão garante que outros estados, como Santa Catarina e São Paulo, e até países, como os da América Central, estão procurando informações sobre o Rodando Limpo, dispondo-se a implantar o programa paranaense em seu território. (ML)
O Bom Aluno e a responsabilidade social
O programa Brava Gente exibido em abril último pelo Canal Futura contou a história do estudante Nelson Fonseca, que estudou da 5º série do ensino fundamental até à universidade sem gastar um centavo. Fonseca, que hoje cursa Engenharia Química na Universidade Federal do Paraná, foi um dos selecionados para receber uma bolsa do projeto Bom Aluno, um programa criado em 1993, pelos empresários paranaenses Francisco Simeão e Luiz Bonacin, sócios e controladores da BS Colway, uma empresa que fabrica pneus remoldados.
Segundo Simeão, os estudantes, oriundos de famílias de baixa renda são selecionados em função da sua dedicação e do seu desempenho escolar. Boa parte desses alunos abandonaria os estudos ao concluir o ensino fundamental, poucos deles terminariam o ensino médio e raros seriam graduados numa universidade. O Bom Aluno tem o propósito de evitar o que Simeão considera “um verdadeiro desperdício de talentos.”
A determinação dos estudantes selecionados é que definirá até onde eles podem chegar nos estudos. Cada um tem a oportunidade de escolher a formação acadêmica de sua preferência, optando por cursos profissionalizantes ou por cursos universitários, com possibilidade ainda, para 10% dos formandos, de freqüentarem cursos de pós-graduação, inclusive no exterior, nas melhores universidades do mundo.
Para ingressar no programa Bom Aluno, os estudantes terão de preencher, cumulativamente, as seguintes condições: pertencer a uma família de baixa renda; ter evidente interesse pelos estudos e comprometimento da família; notas mínimas de sete em todas as matérias e pelo menos 90% de freqüência escolar. Somente essas condições são suficientes para que a seleção aponte os melhores.
Atendendo atualmente a cerca de 400 crianças, o Bom Aluno planeja expandir-se de Curitiba para todo o Paraná e para o Brasil inteiro. Simeão acredita que, por franquias sociais – empresas que se responsabilizam pela adoção de alunos do programa – serão abertas oportunidades para pelo menos cinco mil jovens estudantes.
No Paraná, desde que os integrantes do Bom Aluno começaram a prestar exames ao curso superior, em 1998, vêm obtendo 100% de aprovação, culminando com a conquista, em 2000, do 1ª lugar geral da Universidade Federal do Paraná, entre mais de 49 mil candidatos, além de cinco primeiros lugares e quatro segundos lugares.
Em 200, coube a uma aluna do Programa Bom Aluno conquistar o 1ª lugar geral da PUC, ano em que foram aprovados outros seis integrantes em 1ª lugar e mais cinco em 2ª lugar, em seus respectivos cursos, desempenho repetido no ano passado.
Os bons alunos assumem um compromisso perante o programa: indicar outros dois bons alunos, os quais, por sua vez, terão de indicar quatro, e assim sucessivamente. Para consolidar o programa nacionalmente e promover sua expansão, os empresários Francisco Simeão e Luiz Bonacin criaram o Instituto Bom Aluno do Brasil – Ibad – uma ONG sediada em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba.
Além de Curitiba, o Bom Aluno opera em Londrina-PR, em Nova Prata-RS, em Petrópolis-RJ e em Belo Horizonte-MG, por meio de iniciativas patrocinadas por outros empresários preocupados com a educação e a responsabilidade social de suas empresas. (ML)
Lixo-pneus vira viveiro de peixes
Em Fortaleza, onde foram registrados este ano, durante a estação das chuvas, milhares de casos de dengue, os pneus inservíveis, depositados nos lixões, nos alagados, nos rios e riachos, nos terrenos baldios e mesmo nas ruas e quintais, serviram de habitat ideal para o mosquito da dengue, o Aedes Aegypti.
Porém as autoridades ambientais cearenses foram buscar em Cuba uma experiência que poderá contribuir para erradicar os pneus inservíveis: os pneus são lançados em conjunto, amarrados, no fundo do mar, em grandes quantidades, transformando-se, tempos depois, em viveiros de peixes.
Em torno do monte de pneus forma-se uma barreira de algas, planctons e outros alimentos que atraem os peixes, criando, para os pescadores, mais uma alternativa para a pesca.
A experiência, inédita no Brasil, ainda não foi registrada junto às autoridades ambientais, pois há dúvidas sobre a capacidade de resistência da borracha no fundo do mar, assim como o deslocamento dos pneus face ao movimento das marés.
A utilização de objetos lançados no fundo do mar para a criação de peixes, tem sido prática sobretudo no Nordeste, criando alternativas para a pesca. Blocos de cimento e até barcos inservíveis já foram transformados em viveiros de peixes.
Guerra dos pneus recomeça
Produtores nacionais enfrentam poderoso lobby no Congresso Nacional
Milano Lopes, de Brasília
Dois projetos apresentados no Congresso – um no Senado e outro na Câmara – esquentou a guerra dos pneus, como ficou conhecida a disputa entre empresas nacionais e
multinacionais fabricantes e importadoras de pneus, que teve seu auge em 1995. O projeto de autoria do deputado José Borba (PMDB-PR) proíbe a importação de pneus usados, para venda ao consumidor final, excetuando-se a importação de carcaças de pneus usados, para uso exclusivo como insumo na indústria de reconstrução de pneumáticos.
No Senado, o senador Flávio Arns (PT-PR) apresentou projeto liberando as importações tanto de pneus usados como de remoldados, porém estabeleceu que, para cada pneu usado importado, o importador deverá destruir, de forma ambientalmente adequada, dez pneus inservíveis.
As importações de pneus remoldados somente serão autorizadas se as importadoras comprovarem que coletaram e destruíram três pneus inservíveis para cada remoldado. No caso das exportações de pneus remoldados, as empresas fabricantes terão o direito de importar uma carcaça de pneu usado, para cada pneu remoldado exportado. Em relação aos pneus novos, o projeto Arns obriga o descarte, de forma ambientalmente adequada, de um pneu inservível para cada pneu novo importado ou fabricado no Brasil.
Usados e remoldados
Para entender o objetivo dos dois projetos, que têm o propósito de por um ponto final nesta crise, é preciso conhecer a diferença entre pneu usado e remoldado.
O que é pneu usado
É o chamado “pneu meia vida”, cuja utilização é limitada tanto em relação à velocidade do veículo, como à sua durabilidade e à capacidade de carga do veículo. Em geral, o “pneu meia vida” não consegue rodar mais do que 30 mil km, a uma velocidade inferior a 100 km horários.
O que é pneu remoldado
É uma tecnologia de última geração que permite a reconstrução de carcaças de pneus usados, de talão a talão, restituindo as características de pneu novo. Essa tecnologia poupa recursos naturais não renováveis e, em relação ao pneu novo, economiza cerca de 20 litros de petróleo.
O empresário Francisco Simeão garante tratar-se de “um produto ecológico, que supre o mercado consumidor, sem agredir o meio ambiente, poupando recursos naturais não renováveis. “Uma tecnologia aprovada pela ONU e pelo Inmetro, no Brasil” garante.
Por essa razão – diz Simeão – o pneu remoldado é considerado um pneu novo, tanto que paga os mesmos tributos pagos por um pneu novo.“É por essa razão que os fabricantes nacionais de pneus remoldados enfrentam campanha de descrédito patrocinada, pela ANIP”, desabafa o empresário.
Tommasini, da ANIP, responde
O presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos – ANIP, Gerardo Tommasini, é contrário à importação de pneus usados dos países do Mercosul. Em recente audiência pública na Comissão de Economia da Câmara, Tommasini reclamou da concorrência desleal dos pneus importados, afirmando que além das empresas, também perde a economia do País. Segundo Tommasini, as 21 fábricas de pneus instaladas no Brasil empregam 20 mil pessoas e, no ano passado, pagaram R$ 1,5 bilhão de impostos.
Ainda em 2002, as fábricas produziram 12,9 milhões de pneus, dos quais 34% foram exportados para mais de cem países, gerando uma receita cambial de US$ 500 milhões.
Durante a audiência, convocada pelo deputado Bismarck Maia (PSDB-CE), para discutir o decreto presidencial 4592/2003, que autorizou a importação de pneus reformados do Mercosul, o presidente da ANIP fez um apelo aos parlamentares para que impeçam a entrada de pneus usados no Brasil, inclusive para prevenir problemas ambientais insolúveis.
Também participaram da audiência o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário – Geral do Itamaraty, e o presidente do Instituto para o Desenvolvimento Ambiental – IDA, Luiz Ernesto Mourão. O embaixador justificou a importação, afirmando que ela representa muito para a economia uruguaia e pouco para o Brasil, mas o presidente do IDA condenou o que classificou de “brechas abertas pela diplomacia” que acabaram causando prejuízos à indústria e ao ambiente.
Segundo Mourão, enquanto o Conama exige dos fabricantes de pneus novos a reciclagem e a destinação final aos pneus inservíveis, nada exige dos importadores de pneus usados.
Briga antiga e forte
O lance mais recente da disputa envolvendo as empresas nacionais fabricantes de pneus remoldados e as multinacionais dos pneumáticos começou em setembro de 2000, quando a Secretaria de Comércio Exterior divulgou portaria proibindo a importação de pneus recauchutados e usados.
Em janeiro do ano passado, a Câmara Arbitral do Mercosul deu ganho de causa a uma reclamação do Uruguai, obrigando a Secex a editar nova portaria, autorizando a importação de pneus remoldados procedentes da Argentina, Paraguai e Uruguai.
Em setembro de 2001, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto 3.919, introduzindo o art. 47-A ao decreto 3.179, de setembro de 1999, que regulamentou a lei ambiental (lei nº 9.605/98), impondo uma multa de R$ 400 por unidade, a quem importasse pneu “usado ou reformado.”
Diante da reação do Uruguai, o presidente Lula assinou outro decreto (4.592, de março deste ano), voltando atrás e isentando de multa os pneus usados ou reformados importados dos países do Mercosul.
A indústria nacional de pneus remoldados, que importa carcaças amparada em decisões judiciais, defende a pura e simples revogação do decreto 3.919 e a regulamentação da atividade da indústria brasileira de pneus remoldados.
O presidente da BS Colway, Francisco Simeão, considera ilegal o decreto 3.919, que alterou o decreto 3.179, que por sua vez regulamentou a lei ambiental, alegando que nem a lei 9.605/98, nem seu decreto regulamentador fazem qualquer referência a pneus usados ou remoldados, ou mesmo à palavra pneu. “O decreto 3.919 regulamentou algo que não está previsto na lei objeto da regulamentação”, diz o empresário.
Sobre o decreto 4.592, assinado por Lula, observa Simeão que ele não liberou as importações de pneus usados do Mercosul. Apenas dispensou da multa de R$ 400,00 os pneus remoldados fabricados nos países do Mercosul e importados para o Brasil.
Solução definitiva
Para a indústria nacional de remoldados, melhor seria que as importações dessa categoria continuassem proibidas, já que os pneus remoldados importados concorrem com os fabricados no Brasil.
O empresário paranaense defende uma solução definitiva para essa disputa com as multinacionais, apoiando os dois projetos que estão em tramitação no Congresso, embora manifeste sua preferência pelo projeto de autoria do senador Flávio Arns.
Simeão diz que, mantida essa situação de pendência, haverá um desestímulo à indústria nacional de pneus remoldados, que poderá inclusive transferir-se para países vizinhos, não só contribuindo para aumentar o desemprego no Brasil, como diminuindo as ações de combate à poluição, por meio da eliminação ambientalmente adequada dos pneus inservíveis.
Ele acusa as agências ambientais de fazerem o jogo das multinacionais fabricantes e importadoras de pneus, alertando para o fato de que, foi por pressão da indústria nacional que surgiu a Resolução 258/99 do Conama, graças à qual começou no Brasil a eliminação sistemática e obrigatória de pneus inservíveis.
Summary
Joint work of public company and private initiative extends program of tire
collection throughout Paraná state countryside
The city of Curitiba, capital of Paraná state, which became well known everywhere in Brazil for being the ground zero for the introduction of renovating ideas in various aspects of the urban activity, has just given to the remaining portion of the Country another example: in a little more than one year it eradicated dengue thanks to an apparently simple step, which was the collection of all existing old tires, every single one really, in the trash dumps of the city.
The achievement was the result of a well established partnership between the public power and the private initiative, involving the City Hall of Curitiba, Petrobras oil company and BS Colway Tires, a Paraná state company that produces remolded tires. The project, that has already removed from circulation 4,8 million useless tires, has an important characteristic: zero expenses for the public state treasury. In 2001, the dengue cases in Curitiba had been reduced in 90%. In 2002, 149 cases were notified, all of people who had been infected by the dengue mosquito outside Curitiba.