Desertificação em Minas

Cadê o rio que estava aqui?

29 de janeiro de 2004

  Mais de 350 nascentes, rios e córregos secaram devido aos desmatamentos para a produção de carvão vegetal, queimadas, aumento da fronteira agropecuária e a retirada de areia   "Nestas regiões, este problema se agravou a partir da década de 60, mas teve o auge nas duas décadas seguintes. Pode-se dizer que os desmatamentos pela… Ver artigo

 


Mais de 350 nascentes, rios e córregos secaram
devido aos desmatamentos para a
produção de carvão vegetal, queimadas,
aumento da fronteira agropecuária
e a retirada de areia

 

"Nestas regiões, este problema se agravou a partir da década de 60, mas teve o auge nas duas décadas seguintes. Pode-se dizer que os desmatamentos pela atividade carvoeira, a expansão agropecuária desordenada e o plantio de monoculturas, como é o caso dos eucaliptos, foram os principais responsáveis pelos estragos hoje constatados", diz o geólogo Pedro Garcia Costa, membro do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais – Copam. Segundo ele, a maioria dos cursos d'água destas regiões já pode ser considerada intermitente – correm nas chuvas e minguam até a época da seca, a exemplo do rio Verde Grande, que nasce em Montes Claros e caminha em direção à divisa de Minas com a Bahia. As exceções são os rios São Francisco e o rio das Velhas. Muitos deles são efêmeros – só recebem água das chuvas, como os rios Piauí e Calhauzinho, em Araçuaí, e Riachão, entre Montes Claros e Mirabela. Os rios perenes – que correm o ano todo, são minoria, segundo Pedro Garcia, como o Pacuí, Pandeiros e das Velhas.

O levantamento realizado pelo geólogo levou em consideração observações feitas in loco nas duas regiões e informações colhidas junto a prefeitos, vereadores e moradores locais, além das discussões ocorridas durante as comissões Especial de Estudos sobre os Efeitos da Seca e Parlamentar de Inquérito das Pequenas Barragens do Norte de Minas – essa CPI foi realizada pela Assembléia Legislativa do estado, em 2000, da qual Garcia foi integrante, já que ocupa cargo de assessor de Meio Ambiente da Casa. Também foram levados em consideração levantamentos da Emater, do Ibama e Centro Tecnológico de Minas Gerais – Cetec.
"Nos leitos de muitos rios menores e córregos restam, atualmente, somente pequenos poços de água. Já os cursos d'água maiores, como o rio Verde Grande, sofrem os efeitos da retirada brutal de água pelos muitos grandes projetos de irrigação existentes", diz o geólogo. Segundo ele, os estragos atuais nessas regiões ocorrem em ritmo mais lento, devido à atuação de órgãos ambientais privados e de ações públicas de preservação.
"O Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha são o início de uma região de semi-árido, com pouca precipitação e baixa capacidade de armazenamento de água, devido à pequena espessura do solo. Este quadro se reflete nos cursos d'água e é agravado pelo alto grau de evapotranspiração", diz o presidente regional de Minas Gerais e Espírito Santo da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas – Abras, Celso de Oliveira Loureiro.

Evapotranspiração
A evapotranspiração – composta pela transpiração vegetal e evaporação física – pode chegar a 75% da precipitação de água de determinada região; a quantidade restante se infiltra no terreno e constitui a recarga dos aqüíferos e lençóis freáticos que sustentam os cursos d'água.
Pelo fato de o solo das duas regiões ter entre dez e 20 metros, contra 70 a 80 metros de áreas como a bacia da Pampulha, em Belo Horizonte, a exploração de atividades econômicas em locais semelhantes requer maiores cuidados, segundo Celso Oliveira, também professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. "Em solos mais rasos, como os do Norte e Jequitinhonha, deve-se evitar, por exemplo, o pisoteio excessivo da cobertura vegetal pelo gado, o que agravaria ainda mais o quadro de vulnerabilidade", diz ele.
Na opinião do presidente regional da Abras, diante de tais características, o que se vê nas duas regiões é um déficit natural de água que pode se agravar ainda mais, caso continue o uso indiscriminado do solo pelo homem em diversas atividades. "E este quadro pode chegar a um estágio de desertificação", diz Celso Loureiro.

Pesquisa
O trabalho "Diagnóstico das Áreas de Desertificação do Norte de Minas" foi iniciado em janeiro deste ano pelo professor do Departamento de Geo-Ciências da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, Expedito José Ferreira e buscará detectar exatamente os pontos passíveis de desertificação no Norte do estado e Vale do Jequitinhonha.
A primeira fase serviu para a análise de cinco fotografias feitas pelo satélite brasileiro Cbers e cedidas ao pesquisador pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, do Ministério de Ciência e Tecnologia. As imagens incluem as áreas de Três Marias, Catuni e Francisco Sá; Espinosa e Montalvânia, e Jequitinhonha. O grupo de quatro pesquisadores da Unimontes identificou os locais mais críticos através destas fotos, e, na primeira quinzena de maio, iniciou a avaliação nos próprios locais.
"Já sabemos de antemão que já existem áreas em estados bastante avançados de degradação, como na região de Catuni, onde corre o intermitente rio Gorutuba, afluente do rio Verde Grande", diz Expedito Ferreira. Segundo ele, esta região já apresenta áreas totalmente improdutivas com solo desestruturado, erosões avançadas e nascentes de água bastante degradadas.
Na opinião de Ferreira, a ação do homem, sem dúvida, é a que desempenha, a curto e médio prazos, o papel fundamental na degradação dos ambientes naturais. As características climáticas e do solo podem, também, segundo ele, conduzir ao processo. No entanto, estudos realizados em outras regiões comprovam que a desaceleração do fenômeno depende muito mais do uso inadequado e predatório dos recursos naturais pelo homem. E este quadro se mostra mais crítico em áreas como a região do semi-árido, mais propensas a esse processo de intervenção humana, do que o agravamento dos fatores climáticos.
O trabalho coordenado por Expedito Ferreira busca identificar o número de pontos degradados e se eles estão mesmo propensos a alcançar o estágio de desertificação. A proposta inclui, ainda, indicar soluções para interromper e corrigir a degradação destes locais. Num primeiro momento, de acordo com Expedito Ferreira, serão feitas sugestões para a conscientização ambiental da população do entorno dos pontos críticos, "o que é o ponto básico. Em seguida, se poderia propor medidas corretivas", concluiu o professor da Unimontes.
Para o geólogo Pedro Garcia, entre estas medidas se poderiam incluir a recuperação de matas ciliares para sombreamento de nascentes e córregos; a construção de pequenas barragens de cabeceira em pontos de grotas, em substituição aos grandes espelhos d'água, que resultam em uma grande evapotranspiração.

Thabo Mbeki: “Se quiser, o mundo pode erradicar a pobreza e o subdesenvolvimento

28 de janeiro de 2004

A década de 90 foi a das mega conferências. Essa agora tem que ser a década das megas ações




Secretário-geral da ONU Kofi Annan e o presidente Fernando Henrique Cardoso


Políticos que vieram discutir desenvolvimento sustentável, entre eles muitos chefes de governos de países em desenvolvimento e até mesmo de países desenvolvidos, disseram que os resultados da conferência não foram grandes coisas, e que aqui há espaço para se avaliar o valor real de encontros desse tipo. O presidente da Venezuela, Hugo Chavez, por exemplo, foi bastante aplaudido ao dizer que “nós temos que ter uma mudança radical no formato desses encontros. Não há debate, não há diálogo, parece ser um diálogo de surdos”, acrescentou, enfatizando que a retórica de chefes de estados não foi refletida no plano de ação.”
O primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen, cujo país mantém a presidência rotativa da Comunidade Européia, entra no rol dos muitos frustrados com o evento e deixou clara sua opinião: “Eu não acho que mais mega-conferências sejam o caminho para assegurar implementação efetiva das promessas de preservação do meio ambiente.”
A atenção do mundo foi mais centralizada na RIO}92 do que na RIO+10, em grande parte porque as pessoas começaram a perder a confiança na capacidade dos líderes em fazer algo de concreto acontecer. “A RIO}92 foi uma falha, podemos ver isso agora,” disse Tommy Remengesau, presidente da pequena Ilha de Palau, no pacífico. “Mas ainda não podemos julgar o resultado da RIO+10, nós vamos ter que ver o que acontece em dois, talvez quatro anos”, acrescentou com um tom de esperança.
Enquanto muitos dos que voltaram para casa desapontados culpam os países industrializados, as grandes corporações e os lobistas do petróleo, muitos outros dizem que a culpa foi do próprio processo. Alguns delegados foram mais enfáticos, como foi o caso do ministro de comércio da Rússia. “Os burocratas existem para manter-se nos seus empregos. Para eles, o processo é mais importante do que o resultado. É um gasto de dinheiro completamente sem sentido,” desabafa. Para ele, a década de 1990 foi a década das mega-conferências e que “nós deveríamos fazer dos próximos dez anos a década da ação”, concluiu.
Segundo Ricardo Navarro, diretor da ONG Friends of the Earth International, “nós nunca mais deveríamos ter encontros tão vergonhosos como este. Estamos chateados porque os líderes mundiais se venderam à Organização Mundial de Comércio. Eles não fizeram nada para os pobres”, acrecentou.
Em outras palavras, o sentimento comum das ONGs é de que a comunidade da indústria e comércio veio só com retórica e nenhum compromisso real em relação a um dos principais objetivos da conferência, que era o de fazer a economia mundial estabelecer metas concretas para combater a pobreza e proteger o planeta para futuras gerações.
O Fórum Brasileiro das ONGs, numa avaliação da conferência, feito no chão, ao ar livre, teve uma conclusão unânime: “Essa conferência ficou muitíssimo além do que se esperava.” Umas ONGs admitiram o erro. Erraram no processo, não trabalharam bem entre si, e houve até contudentes desabafos, como foi o caso da ONG de Brasília, o Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC, representada por Iara Pietricovsky: “Nós temos que reconhecer que temos limites. Que erramos e que não podemos ficar jogando as responsabilidades no mundo, nos filhos da … do sistema, quando não vemos que às vezes reproduzimos, entre nós, as mesmas m… são colocadas…”


“No More Summits!”
Meena Rama, do Forum do Terceiro Mundo : A ONU é o único fórum
que temos neste momento para enfrentarmos a OMC


Carlos Caju – Enviado especial
Para muitas ONGs, a conferência poderia ter acabado muito antes do dia 4 de setembro. Algumas até levavam no peito uns adesivos em inglês dizendo “No More Summits!”, mais o menos o equivalente em português a “chega de conferências!” No entanto, outras ONGs foram mais moderadas e não concordaram com essa chamada.
“A ONU é o único fórum que temos neste momento para enfrentarmos a OMC,” disse Meena Rama, representante do Forum do Terceiro Mundo. Para ela, embora altamente crítica sobre o que vivenciou como a falha de Johannesburgo em não ter conseguido resultados concretos para os pobres do mundo, a conferência não foi uma perda de tempo. “Ela foi importante para nós vermos a posição dos governos. Isso foi um teste, onde colocamos os governos na posição deles além retórica,” disse Meena. Se haverá ou não outra conferência desse porte, depende de como os países se comportam em relação as promessas que eles fizeram.


Povos Indígenas
Os povos indígenas estão entre os mais afetados pelos problemas ambientais, pelos danos ecológicos e os modelos insustentáveis de desenvolvimento dos tempos atuais. A pergunta é inevitável: não é um paradoxo sem tamanho, por exemplo, o fato de o presidente do Forum Permanente da ONU para os Povos Indígenas, um índio norueguês, não ser convidado, e não ter dinheiro para comprar uma passagem para participar de um evento como esse, de muitos milhões de dólares, onde povos indígenas têm um papel central na defesa de seu habitat?
Segundo a índia Rigoberta Menchú Tum, vencedora do Prêmio Nobel da Paz, “esse foi um erro muito grande da ONU. Um erro terrível em não colocar os povos indígenas no lugar que merecem, através do forum.
Eu creio que sempre há uma visão marginal dos povos indígenas, e não há vontade política da ONU e de outras instituições em sentar à mesa em iguais condições com os povos indígenas. Estão sempre tentando retroceder os avanços que os povos indígenas vêm conquistando com muita luta durante muitos anos, na busca de diálogos e negociações.
Esse forum é a única instância dos povos indígenas na ONU e estes não foram convidados oficialmente para participar dessa conferência. Só aqui você tem mais uma das razões porque as ONGs estão indo embora insatisfeitas. “O Secretário Geral da ONU, Koffi Annan admitiu e se desculpou pela grande falha e disse que “não sabia que isso tinha acontecido, num evento onde povos indígenas têm tanto a ensinar sobre meio ambiente.”


O lado positivo
O Secretário Geral da ONU, Koffi Annan, aproveitou para dar seu recado no final da conferência. “Aqui em Johannesburgo, houve esforços para não retrocedermos em relação às conquistas da RIO}92. Pobreza foi um assunto no topo da nossa agenda, e nós avançamos em alguns pontos, como acordos em parceria com governos sobre água potável, saneamento e energia para as populações mais carentes, além de acordo quanto a um padrão de consumo e desenvolvimento.
Nós não podemos continuar explorando os recursos naturais da maneira que estamos fazendo. Precisamos ser idealistas em relação às nossas expectativas, mas também precisamos ser práticos. E deixem-me repetir: isso é uma questão de parceria, governos não podem fazer tudo sozinho. As agências da ONU não podem fazer tudo sozinhas. E eu sinto muito, mas as ONGs também não podem fazer tudo sozinhas, nem o setor privado pode fazer tudo sozinho. Temos que trabalhar juntos”.
Representantes do setor privado, alguns delegados, inclusive do Brasil, e próprio presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, também têm uma visão positiva da conferência.
Para Thabo Mbeki, a RIO+10 foi um evento de sucesso. “O povo da África do Sul foi parte importante do sucesso desta conferência,” afirmou o presidente, aproveitando para dar um recado a todos, mas em particular às ONGs: “a comunidade das ONGs deve encontrar uma maneira de comunicar sua mensagem. As ONGs devem intensificar a pressão nos seus governos para conseguirem as mudanças que querem. Para se conseguir as metas desejadas, é preciso parceria com todos: governos, jovens, mulheres, sociedade civil em geral, sindicatos e setor privado. E aqui os jovens têm um papel importante. Devem se engajar, devem manter a pressão nos governos, pois é o futuro que está em questão”.


Exclusividade
Como correspondente da Folha do Meio Ambiente, perguntei ao presidente da África do Sul:
– Há algo positivo nessa conferência para se mostrar aos povos das favelas do Rio de Janeiro, de Soweto, de Bombay, aos povos indígenas e aos refugiados do mundo inteiro que esperam por alguma mudança?
A resposta foi longa, mais de 15 minutos. Mas podemos resumir assim a fala de Thabo Mbeki para a Folha do Meio Ambiente:
– O Brasil teve uma bela participação e o próprio o presidente Cardoso trouxe uma proposta interessante em relação à energia e também aos povos indígenas. Ambos os temas são importantes para o Brasil e para todo o resto do mundo.
É importante assinalar que a sociedade mundial, pelos conhecimentos que adquiriu, pelos recursos de que dispõe e pela premência do tempo, talvez pela primeira vez na história tem condições, se tiver vontade política, de erradicar a pobreza e o subdesenvolvimento”.


FHC: a sovinice dos países ricos é uma realidade
Logo após seu discurso, dia dois de setembro, o presidente Fernando Henrique Cardoso deu uma longa
entrevista à imprensa. Eis os principais destaques abaixo.


A RIO+10 apresentou resultados positivos, sendo o mais importante deles a manutenção dos compromissos firmados na Conferência do Rio de Janeiro em 1992.
Criticou a sovinice de países ricos e as dificuldades dos países em desenvolvimento de concordar com a proposta brasileira para que até 2010 fontes renováveis respondam por pelo menos 10% do consumo mundial energia.
Considerou naturais as resistências de países que participam do G-77 (grupo dos países em desenvolvimento) à proposta e fez uma analogia com a adolescência para explicar o período de transição do país: — “O Brasil é um adolescente quase chegando à idade madura. É aquele que não fica confortável com a roupa que usa”.
Cobrou investimentos dos países ricos em programas de desenvolvimento sustentável e de combate à pobreza. “O que existe é uma sovinice dos países ricos, o que é inaceitável. O Brasil, com todas as suas dificuldades, já perdoou dívidas de países como África do Sul e Moçambique”.
Ao falar da proposta do Brasil de redução do protecionismo como forma de combater a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável, disse que o Brasil usa a tática da insistência para tentar convencer a União Européia e os Estados Unidos a mudar a política de subsídios agrícolas.


Fernando Henrique caprichou!
Era a mais importante tribuna de FHC nos oito anos de governo e a oportunidade de fechar com chave de ouro sua constante e incansável participação na agenda internacional. Depois de pedir adesão total ao Protocolo de Kyoto, FHC chegou até a presidir por alguns minutos a RIO+10


O presidente Fernando Henrique Cardoso caprichou. Afinal de contas, essa foi uma das mais importantes tribunas de seus oito anos de governo e, vale destacar, era a última oportunidade para fechar com chave de ouro sua vitoriosa participação na agenda internacional.
FHC foi ouvido por países ricos, participou de reuniões exclusivas com chefes de Estado e de Governos, foi porta-voz de países em desenvolvimento, foi mediador de crises de fronteiras na América Latina e discursou na Assembléia Francesa para o mundo todo ouvir. Aliás, em homenagem ao Brasil, por ter sediado a RIO}92, o presidente Fernando Henrique Cardoso presidiu por alguns minutos a primeira grande reunião de cúpula deste século, realizada em Johannesburgo, na África do Sul.
Seu primeiro pronunciamento na reunião da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável foi dia dois de setembro. Durou apenas cinco minutos e pediu que o Protocolo de Kyoto fosse aprovado por todos os países. Ele defendeu a meta para que até 2010 pelo menos 10% da matriz energética mundial seja formada por fontes renováveis. Discursou em inglês e foi aplaudido após ter pedido a adesão total ao Protocolo – que fixa metas para controle da emissão de gases poluentes no mundo.
– Seria imoral assistir passivamente à destruição dos complexos ecossistemas dos quais depende a vida na terra – alertou o presidente Fernando Henrique.
Ao reiterar a importância da meta de energia, FHC reconheceu que a proposta enfrenta resistências, mas disse que esperava que todos os países a apoiassem. Criticou ainda o protecionismo e disse que sem a mudança do modelo de crescimento econômico baseado em medidas protecionistas não há como combater a pobreza e nem promover o desenvolvimento sustentável. – É preciso criar um novo paradigma de desenvolvimento – afirmou.
Nos cinco minutos de seu pronunciamento, Fernando Henrique citou ainda a criação do Parque Nacional do Tumucumaque como resultado do avanço do Brasil na preservação do meio ambiente. Ele afirmou que os países têm que ter coragem de promover mudanças. – Precisamos explorar os recursos naturais com racionalidade – apelou.
Fernando Henrique aproveitou a ocasião para anunciar a assinatura de uma declaração de intenções entre Brasil e Alemanha para produção de 100 mil carros a álcool no país, com financiamento do governo alemão de US$ 100 milhões. Esse acordo será feito com base num mecanismo de desenvolvimento limpo previsto pelo Protocolo de Kyoto.


Resultados de Johannesburgo
Teria sido possível conseguir melhores resultados em Johannesburgo, num momento em que o mundo desenvolvido é dominado pelos republicanos nos EUA e pela direita na Europa? As culpas estão sendo assumidas por quem de direito e este é um salto avante que não pode ser desprezado.


Vitor Gomes Pinto (*)
Ao retornar de Johannesburgo, lendo as notícias e interpretações sobre a Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável, surpreendi-me com a variedade de interpretações que incluíam desde análises serenas e bem fundamentadas até o elogio desbragado e a crítica mais acérrima e radical. Cuidado! Não embarque na primeira canoa que vir passando. Leia com alguma calma os textos de fato aprovados e procure entender o que aconteceu nesse megaevento, sem dúvida o mais importante já realizado fora da área econômica. Afinal, lá estiveram 193 países (105 com sua maior autoridade: o presidente, o vice, o 1ª ministro ou o rei) e 86 organizações internacionais, com 7.200 delegados oficiais e um total de cerca de 40 mil participantes, todos concentrados durante dez dias para discutir a erradicação da pobreza, o desenvolvimento social, a proteção do meio ambiente, fato por si só extraordinário num mundo preocupado com atentados e com o bombardeio ao Iraque.
A Declaração Política firmada pelos países promete estreitar as profundas fraturas que dividem a sociedade humana em ricos e pobres, destacando que se nada fizermos arriscamo-nos a criar um apartheid mundial com a perda de confiança dos pobres nos sistemas democráticos. No documento principal, sete temas são examinados com detalhe: erradicação da pobreza, mudança dos padrões de consumo e produção, recursos naturais, globalização, saúde, situação de pequenas ilhas (várias ameaçadas de desaparecimento) e desenvolvimento da África. Segue-se um capítulo sobre meios de implementação, ou seja, sobre como levar à prática o que foi decidido, e um último sobre o quadro institucional necessário para a ação de ora em diante.


Algumas grandes metas foram definidas ou reafirmadas:
Reduzir à metade até 2015 a proporção de pessoas com renda inferior a um dólar por dia, de pessoas com fome e sem acesso a água potável,
Estabelecer um fundo mundial para erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento social e humano nos países em desenvolvimento,
Melhorar significativamente o padrão de vida de 100 milhões de favelados,
Eliminar as piores formas de trabalho infantil,
Ratificar o Protocolo de Kyoto relativo a mudanças climáticas, colocando-o em vigência ainda este ano,
Alcançar uma redução significante do desflorestamento e das perdas de diversidade biológica,
Garantir o acesso eqüitativo a serviços de saúde e a medicamentos essenciais e seguros a preços acessíveis a todos,
Reduzir até 2015 em 2/3 os índices de mortalidade infantil e a mortalidade materna,
Diminuir em 25% o número de pessoas de 15 a 24 anos com o vírus HIV (nos países mais afetados até 2005 e em todos até 2010),
Destinar 0,7% do PIB dos países desenvolvidos para assistência oficial ao mundo em desenvolvimento,
Reduzir as dívidas externas insustentáveis inclusive pelo cancelamento quando indicado,
Assegurar que alimentos e medicamentos não sejam usados como ferramenta de pressão política.


É certo que avanços mais concretos principalmente em relação à efetiva transferência de recursos das nações mais ricas para as mais pobres não foram alcançados, mas a intensa pressão exercida pelo Grupo dos 77 (que na verdade reúne pelo menos 134 países em desenvolvimento) obrigou o Grupo dos 7, dos países mais ricos, a reconhecer sua culpa pela criação de um mundo com tanta miséria e tão pronunciadas diferenças. O princípio das “responsabilidades comuns mas diferenciadas”, arduamente defendido com sucesso pelo Itamaraty significa exatamente isto: os que mais degradam o ambiente devem contribuir mais para sua recuperação. Há omissões importantes no texto final que reflete a intensa resistência do G7 em assumir compromissos concretos, aproveitando-se do sistema vigente nas reuniões da ONU pelo qual as decisões devem ser tomadas por consenso.
Cabe perguntar: teria sido possível conseguir mais ou melhores resultados em Johannesburgo, num momento em que o mundo economicamente desenvolvido é dominado pelos republicanos nos Estados Unidos e pela direita, por vezes xenófoba, em países europeus como França, Alemanha, Áustria, Espanha, Inglaterra?
As culpas estão sendo assumidas por quem de direito e este é um salto avante que não pode ser desprezado.
(*) Vitor Gomes Pinto é escritor e coordenador de Saúde e Segurança
do Sesi/CNI)


Brasil é elogiado pelas ONGs


Modelo europeu para produção de energia renovável é criticado por defensores do meio ambiente e grupos ecológicos, que recomendam a proposta brasileira de pequenas hidrelétricas.
Um dos desafios da Segunda Cúpula da Terra foi propor formas de produção de energia que sejam menos poluidoras e não interfiram no desenvolvimento dos países. Para as ONGs de defesa do meio ambiente presentes ao encontro, o melhor projeto nesse sentido é o brasileiro, pois investe em hidrelétricas de pequeno porte.
A sugestão feita pela União Européia (UE), de elevar para 15% até 2010 a energia produzida de fontes renováveis, como a água, mas através de grandes hidrelétricas, foi criticada por essas organizações.
A União Européia – especialmente os países escandinavos, a França e a Áustria – pretende construir hidrelétricas de grande porte e potencial produtivo para cumprir essa meta daqui a oito anos.
Para os ecologistas, o impacto ambiental negativo dessas usinas seria tão grande quanto o das termelétricas, principal forma de geração de energia dos Estados Unidos, país considerado o maior responsável pelo aquecimento global.


Sugestão brasileira
Em documento distribuído em Johanesburgo, o Greenpeace e o WWF criticaram o modelo europeu, pois requer a devastação de amplas áreas, deslocamento de pessoas e pode comprometer a existência de espécies. As duas ONGs vão propor à UE que copie o sugestão brasileira de aproveitamento da energia renovável.
A maior parte das nações desenvolvidas depende atualmente em 67% de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão. Caso pouca coisa mude nos próximos 18 anos, um estudo da Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que as emissões de dióxido de carbono – responsáveis pelo aquecimento global – vão crescer 33% nos países ricos e 100% no resto do mundo.
Na Europa, os modelos mais elogiados são os da Alemanha e Dinamarca, países onde mais de 10% da energia é gerada usando apenas a energia eólica.
Para Fábio Feldmann, coordenador brasileiro da RIO+10, o Brasil tem muito a ensinar sobre a adoção de fontes renováveis por causa do grande uso de hidrelétricas e também da experiência do Proálcool.


Ministro Ewerton Vargas – Entrevista


Discurso ambiental parte para ação
A sustentabilidade tem diferentes dimensões: a dimensão ambiental, econômica e social


Carlos Caju – De Joahnnesburgo
O ministro Ewerton Vargas é Diretor-Geral do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty e é membro da Comissão da Agenda 21 brasileira. O diplomata falou à Folha do Meio Ambiente ainda em Johannesburgo.


FMA – Ministro, o conceito de sustentabilidade não parece ser tão claro. Para alguns até não parece ser tão simples. Qual a sua opinião?
Ewerton –
Não existe uma receita única de sustentabilidade. Isso depende muito das diferentes circunstâncias dos países. Sustentabilidade, num lugar onde você tem o problema de desertificação é diferente da sustentabilidade num lugar onde você tem a floresta tropical. No meio urbano, sustentabilidade é diferente do meio rural. Então você não tem uma única receita para isso. A importância da sustentabilidade é que você precisa levar em conta diferentes dimensões, como o caso da dimensão ambiental, da dimensão econômica, da dimensão social, pois só assim se poderá buscar uma solução resolvendo os problemas correlacionados.


FMA – Será que todos os países participantes desta conferência concordam com o conceito de sustentabilidade definido pela comissão de Brundtland, da ONU?
Ewerton –
Se eles não concordassem nós não teríamos tido esta conferência, nem a RIO}92 e muito menos uma participação tão ampla que se chama Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável.


FMA – Da RIO}92 para a RIO +10, o que o senhor acha que muda no discurso ambiental?
Ewerton –
Eu acho que o discurso ambiental começa a ficar mais orientado para a ação. Em 1992, a busca da sustentabilidade estava no começo. Ninguém sabia como isso ia se produzir. Eu acho que em 2002 as pessoas têm uma noção mais precisa das limitações que existem para você alcançar sustentabilidade e quais são as mudanças necessárias. Eu acho que há também uma consciência ambiental muito maior. Acho que hoje em dia, no Brasil, você tem uma consciência ambiental infinitamente mais importante do que tinha há dez ou 15 anos.


FMA – Então, na RIO}92 era um clima mais otimista e hoje aqui em Johannesburgo é um clima mais realista?
Ewerton –
Eu acho que na RIO}92 nós tínhamos um clima mais, digamos assim, de busca de um novo paradigma. E hoje nós temos um clima de tornar esse paradigma algo real, uma coisa concreta.


FMA – E o que realmente esta conferência traz de concreto?
Ewerton –
Ela traz essas metas, traz as decisões que foram tomadas, traz uma maior conscientização da população sobre isso. Um maior envolvimento da sociedade civil. E hoje eu acho que o movimento da sociedade civil é um movimento muito mais concreto do que éramos. Nas empresas hoje, por exemplo, o nível de investimento que elas têm, em matéria de sustentabilidade e de responsabilidade social é muito maior do que era há dez anos.


FMA – Por que, na sua opinião, muitos representantes de governos partem desta conferência com um certo clima de otimismo, enquanto todas ONGs vão embora decepcionadas com o resultado final?
Ewerton –
O que acontece é o seguinte: uma coisa é a questão daquilo que é desejado. As ONGs, obviamente, como elas estão, digamos assim, envolvidas diretamente no trabalho de campo e querem melhorar o mundo da maneira mais rápida possível, elas têm uma visão mais afirmativa, no sentido de realização de utopias. Os governos, por sua vez, têm que negociar. Nós temos que sentar aqui para negociar com pessoas que têm visões diferentes da nossa, diferentes das ONGs. Então temos que trabalhar.
A maior parte dos governos aqui em Johannesburgo são governos eleitos. As sociedades escolheram esses governos. êles têm plataformas políticas que os elegeram. Aí êles vêm aqui e resistem à quebra de subsídios, não dão ajuda financeira, etc. Eles não fazem isso de suas cabeças, eles fazem isso de uma plataforma que foi aprovada nas eleições. A questão é simples: as sociedades precisam se conscientizar.
As sociedades dos países industrializados não estão ainda plenamente conscientes de que elas têm que dar um passo maior em relação à cooperação internacional. Isso, sim, é um problema. Por isso que quando você consegue alguma coisa, um programa que você mobiliza todos os govenos, você fica satisfeito, você acha que é uma coisa satisfatória. Isso não impede que nós tenhamos uma avaliação realista sobre o que deixou de ser feito. Nós gostaríamos muito, eu disse no meu discurso, que tivéssimos aprovado a meta de 10% de energia, mas isso não aconteceu. Mas não podemos nos considerar derrotados, pois nesse tipo de conferência todas as decisões devem ser tomadas por consenso e, nesse caso, os Estados Unidos afirmaram que não aceitariam nenhum tipo de meta ou prazo.
A transferência de recursos e de tecnologia, que era uma coisa importante, também não avançou. Não foi possível! Agora nós, como governo, temos que trabalhar no possível. O Brasil, nem nenhuma outra nação, pode se dissociar de uma decisão dessas. Se não vai virar um país que não tem credibilidade. E isso faz parte de toda uma visão de política que nós temos sobre como opera o sistema internacional.


FMA – Para encerrar, o senhor diria que a grande diferença entre o governo e as ONGs é que enquanto o governo fala com racionalidade, as ONGs falam com o coração?
Ewerton –
Para quem conhece a situação com mais detalhes, quem vê um lado e outro, para quem está na mesa de negociação é mais ou menos isso. Mas para tudo existe exceção e tem também ONGs que falam com a razão, como tem governos que falam com o coração.


Energia revela o fracasso da conferência global
Rubens Born: a RIO+10 foi um grande passo. Para trás


Simone Silva Jardim
Na abertura da RIO+10, uma mesma retórica: chefes de governo presentes ou seus representantes faziam coro a respeito da urgência de compromissos em direção ao desenvolvimento sustentável. Quando da finalização do Plano de Implementação da Agenda 21, o documento-chave da
conferência, a verborragia era a mesma, mas faltava o essencial, os objetivos concretos, as tão esperadas metas e fontes de recursos para sua concretização. Rubens Born, coordenador executivo do Instituto Vitae Civilis e membro da delegação que o FBOMS – Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Desenvolvimento e Meio Ambiente, que participou da conferência, e foi categórico nesta entrevista exclusiva à Folha do Meio. “Da forma como foi escrita, a proposta que se refere à energia não compromete nenhum pais a fazer algo concreto no curto ou médio prazo. Contraria frontalmente a Agenda 21 e todo os esforços da Convenção de Clima e seu Protocolo de Kyoto. Assim, ficam sem solução os desafios do aquecimento global e mudanças climáticas, que demandam a diminuição do uso de combustíveis fósseis”. Vamos à entrevista de Born.


FMA – Como foi a conferência: faltou vontade política ou sobrou falta de coragem das lideranças mundiais?
Rubens Born –
Desde o inicio do processo da Cúpula de Johannesburgo, geraram-se inquietações sobre o possível sucesso ou fracasso da conferencia relativos à adoção de metas, a alocação de recursos financeiros, as questões de governança e controle do sistema internacional, de forma a torná-lo mais consistente com um sistema multilateral includente, solidário e adequado aos compromissos da sustentabilidade. O que ocorreu em Johannesburgo foi somente o reforço do papel da OMC – Organização Mundial do Comércio, fazendo referências às decisões acordadas na sua reunião de Doha, indicando como saída a maior abertura dos países em desenvolvimento para o comércio global, mais liberalização e menos regras etc. A declaração de Monterrey – da Conferência de Financiamento do Desenvolvimento, realizada no México, em março deste ano, também foi a outra referência consensualmente adotada por todos os países e blocos. A decisão sobre energia anula os sinais de esperança dados por pequenos “ganhos” em temas pontuais no plano de ações de Johannesburgo. Certamente, a declaração política – o segundo produto formal da RIO+10 – usou de frases de efeito e disse que se deu um grande passo. Faltará dizer – e lamentamos – que tenha sido para trás.


FMA – A questão energética, pelo impacto que tem nas economias, foi o tema emblemático da Rio+10?
Rubens Born –
A emblemática questão da energia e o seu desfecho por um acordo revoltante e contraditório aos acordos da RIO}92, decidido por países exportadores de petróleo, países industrializados tanto da União Européia como do JUSCANZ (bloco composto por Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), transformou a Cúpula de Johannesburgo em um fracasso anunciado. Fragiliza-se a ONU como espaço multilateral, potencialmente em abertura para a sociedade civil, em favor da OMC com regras fortes e sanções para aqueles que não seguirem a sua cartilha liberal de conduzir o mundo como uma mera feira de trocas.


FMA – Agora, quais são os desafios que temos pela frente?
Rubens Born –
São vários. No Brasil e na América Latina, caberá aos seus presidentes determinar aos seus ministros de energia, planejamento e finanças, que a meta para ter 10% de energia de fontes renováveis, adotada pelos seus ministros de meio ambiente, deve ser implementada, mesmo sem a adoção de uma meta global. Se isso não for feito, esses líderes, inclusive o Presidente Fernando Henrique, poderão ser severamente criticados por terem assumido compromissos sem a intenção de honrá-los. No mundo todo, uma forte mobilização da sociedade civil, especialmente de trabalhadores, movimentos sociais, ambientalistas, indígenas, etc., para resgatar as propostas e articulações em prol de um mundo solidário, justo e sustentável. Em escalas local a global, retomar as discussões e ações, especialmente de grupos da sociedade civil, para a reforma do sistema Nações Unidas, visando torná-lo mais democrático, eqüitativo, transparente e ágil.


Uma coisa é falar, outra é assumir compromissos


Washington Novaes (*)
Acabou a tão aguardada RIO+10. Mas o impasse permanece. Houve avanço na consciência dos negociadores, mas eles não conseguem transferir isso para a prática. Fala-se numa crise do sistema multilateral de decisões da ONU, que não obtém avanços porque requer o consenso, a concordância de todos. Mas todos têm interesses contraditórios e isso cria o impasse.
Um exemplo é a proposta brasileira para a energia renovável, que chegou à RIO+10 como grande promessa e foi sendo reduzida por causa das exigências de outros países.
Há quem sugira a criação da Organização Mundial do Meio Ambiente. Há quem defenda a transferência dessas negociações para a OMC. O fato é que é necessário criar regras mundiais. Sobretudo exigir seu cumprimento.
As questões ambientais são planetárias, sem fronteiras. Estamos no limite.
Um estudo indica que já ultrapassamos em 20% a capacidade de reposição da biosfera. São 800 milhões passando fome e 15% da população mundial controlando 80% da produção, consumo e renda. Não podemos esperar uma RIO+20.
A biodiversidade é a nossa possibilidade de futuro, pois proverá novos medicamentos, produtos e alimentos, além de assegurar serviços naturais como a fertilidade do solo e a qualidade do ar. Segundo um estudo da Universidade da Califórnia, caso os ecossistemas percam a capacidade de oferecer esses serviços naturais, será necessário três vezes o PIB mundial para que o homem possa buscar formas de substituí-los.
(*) Washington Novaes é jornalista, consultor e é do Conselho Editorial da Folha do Meio Ambiente


Uma agenda positiva
A história mostra o desfile de dois tipos de classes: a dos dominantes e a dos oprimidos. E hoje as nações substituem as classes, pois nações dominam, em bloco ou isoladamente, outras nações


Raymundo Garrido(*)
A imprensa, setores governamentais e não governamentais classificaram a RIO+10 como uma reunião de resultados muito aquém dos esperados. Alguns foram até mais longe, chamando-a de agenda de resultados pífios. Em grande medida, a ausência dos Estados Unidos explica esse fenômeno, eis que são estes os maiores poluidores e, ao mesmo tempo, a maior economia do planeta. Mas, uma análise do que representa uma reunião como a RIO+10, pode trazer algum fio de esperança. Nem tudo está irremediavelmente perdido quanto ao futuro ambiental da Terra.
Vamos contabilizar o que de positivo restou da conferência.


Biodiversidade – Assumiu-se o compromisso de uma significativa redução das perdas até o horizonte de 2010, o que reflete um ganho, ainda que parcial.
Pesca – Os avanços são um pouco mais robustos, dado estabelecerem a necessidade de acabar com a pesca destrutiva, de criar áreas marinhas protegidas e de preservarem-se os estoques pesqueiros para a captura em bases sustentáveis.
Recursos hídricos – Seu uso para o saneamento, a meta até o ano 2015 é a de reduzir-se à metade as 2,4 bilhões de pessoas sem acesso a água potável e a serviços adequados de saneamento. A vantagem dessa premissa é reduzir a mortalidade infantil.
Pobreza – Também de destaque são algumas metas relacionadas à pobreza e à qualidade ambiental.
Energia – A conferência realmente deixou a desejar no tema da energia, para o qual a proposta brasileira do uso de fontes renováveis, assaz criativa, não foi integralmente aproveitada por não fixar meta de prazo.


Mas, onde está o aspecto positivo da agenda de Johannesburgo? De que maneira é possível viabilizar as metas que ficaram à deriva na conferência? Que forças serão verdadeiramente capazes de fazer com que a agenda ecológica avance pari passu com a agenda econômica? Como implementar de modo concreto o conceito de eco-eco?
Em primeiro lugar, assinale-se que os aspectos ambientais se dispõem transversalmente a várias disciplinas do conhecimento. Com efeito, temas ambientais têm a ver com questões de natureza tecnológica, científica, da ordem jurídica, das ciências sociais e, sobretudo, da economia.
O mundo é mais econômico que ambiental ou qualquer outra caracterização que se lhe pretenda atribuir. Não há decisão tomada pelo ser humano, por menos significante que seja, que não passe pelo crivo do aspecto econômico. Isso é sempre verdade, independentemente de o agente econômico se comportar de forma racional ou não racional, o que é garantido pelo próprio princípio hedonístico da obtenção do máximo com o mínimo, intrinsecamente associado ao ser humano. Assim, metas ambientais não sobrevivem fora da dimensão econômica.


Dominantes e oprimidos
O estudo do pensamento econômico tem mostrado que diante da história sempre desfilaram dois tipos de classes: a dos dominantes e a dos oprimidos. Essa dualidade chegou aos nossos dias colocando nações em lugar de classes. Assim, nações dominam, em bloco ou isoladamente, outras nações. Nos grandes conclaves, essas unidades nacionais vão para o debate tendo, principalmente, seus requerimentos econômicos como ponto de partida para as decisões que irão tomar. Sendo assim, as metas ambientais devem, tanto quanto possível, harmonizar-se com esses requerimentos econômicos, pois a dissociação do ecológico do econômico pode levar ao desbalanceamento de uma parte ou do todo de um parque industrial de um desses países.
Desta forma, a agenda positiva de Johannesburgo situa-se no plano dos compromissos assumidos pelas economias ali presentes, alguns com metas genéricas, outros simplesmente sem nenhuma. Dos primeiros, deve-se buscar a definição dos custos, com o que podem ser identificadas fontes de recursos ou motivações para a criação destas, no seio das economias desenvolvidas. E, dos últimos, se deve manter o diálogo para que estes cheguem a metas claras, tão cedo quanto possível, sem que se tenha que aguardar pela RIO+20.
(*)Raymundo Garrido é secretário Nacional de Recursos Hídricos


A partir de Ubuntu Village


Por Graça Lara
Longe do Centro de Convenções de Sandton, participei da RIO+10, em Ubuntu Village, a aldeia global, palco dos mais importantes eventos paralelos da conferência. Como jornalista, fiz a cobertura dos acontecimentos no estande brasileiro “Brasil, Os Cinco Sentidos do Desenvolvimento Sustentável”. Durante dez dias participei da rotina diária em Ubuntu Village.


Em Ubuntu Village, ao contrário de Sandton que se tornou um local de referência para passeatas e confrontos entre ativistas e policiais, as manifestações eram apenas culturais. Como em Sandton, a segurança em Ubuntu, formada em todo o evento por cerca de 10 mil policiais, era presente e rígida no controle da entrada e saída dos visitantes. Mas, com certeza, em Ubuntu o trabalho dos policiais foi bem menor. Em uma única ocasião pude presenciar momentos de tensão. Na tarde do dia 2 de setembro, uma bolsa esquecida no corredor na saída dos estandes movimentou a polícia local. A área foi isolada. A suspeita era de que uma bomba estivesse dentro da bolsa abandonada. Foram necessários alguns minutos até os policiais descobrirem que a bolsa havia sido esquecida por uma criança.
Enquanto em Sandton um dos grandes assuntos para a nossa imprensa foi a derrota da proposta brasileira para o aumento do uso de energias renováveis, em Ubuntu a vitória do estande brasileiro, que recebeu o prêmio concedido pelos organizadores do evento como o melhor de grande porte da exposição, se tornou o assunto de maior destaque.
Analisando os dias passados em Ubuntu e comparando-os com a cobertura geral dos acontecimentos na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável, a idéia é de que vivemos, durante este período, num mundo à parte. Fora dos grandes embates ocorridos em Sandton, os dias em Ubuntu foram, com certeza, mais tranqüilos. Mas nem por isso menos importantes.
Ali, constatei que o Brasil é, sem dúvida, um dos países mais observados e carismáticos do planeta.
Pude observar também que o futebol é ainda a principal referência dos estrangeiros e principalmente dos sul-africanos em relação ao Brasil. Mas pude ver também que a biodiversidade brasileira e as iniciativas concretas de desenvolvimento sustentável apresentadas no estande encantaram o público, oferecendo uma nova perspectiva sobre o Brasil.
Conversando com um menino sul-africano, Moisés, descobri que ele, aos oito anos, só tinha escutado falar do Brasil por conta do futebol. “Minha professora não me falou que vocês têm também animais e florestas. Vou contar para ela”, disse. Acredito que precisaremos ainda de muitos meninos como o Moisés para divulgar aos quatro cantos do planeta que no Brasil os primeiros passos em busca do desenvolvimento sustentável já foram dados. E que, além do futebol, também precisamos ser pentacampeões na adoção de ações de conservação e preservação do meio ambiente. A natureza e os nossos filhos vão agradecer.


Os resultados da RIO+10


Por Simone Silva Jardim
O Plano de Implementação da Agenda 21 produzido em Johannesburgo, que traz os
objetivos a serem alcançados pelos cerca de 200 países signatários para a concretização do desenvolvimento economicamente sustentável, socialmente justo e ecologicamente
equilibrado nos próximos anos, é um documento de cerca de 70 páginas, composto de dez capítulos e 148 parágrafos. É verborrágico e anêmico no que se refere ao estabelecimento de metas quantificáveis e de onde sairiam os recursos para transformá-las realidade. Das cinco prioridades eleitas (água e saneamento, energia, saúde, agricultura e biodiversidade), os alvos e datas só foram garantidos em duas: saneamento e biodiversidade.


Biodiversidade
Sem adotar prazos ou metas, os países se comprometeram a “reduzir significativamente” as perdas de sua biodiversidade até 2010, criando um regime para fiscalizar seu cumprimento. Também houve acordo quanto à repartição de lucros entre as industrias e os detentores de recursos naturais e conhecimentos tradicionais. Foi proposto, ainda, restaurar os estoques pesqueiros em níveis sustentáveis até 2015 “onde for possível’. Há que se registrar que, em Johannesburgo, foi criado o Grupo de Ação dos Países Megadiversos, composto por 15 nações que abrigam a maior parcela de espécies da fauna e flora do planeta. São eles; Brasil, Bolívia, China. Colômbia, Costa Rica, Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, Quênia, Malásia, México, Peru, África do Sul e Venezuela. Os chefes desse novo grupo de países firmaram a Declaração sobre Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e anunciaram a criação de um fundo de US$ 750 mil, proveniente do GEF (Fundo Mundial para o Meio Ambiente), para projetos de proteção. O novo grupo promete apoiar-se em argumentos diferenciados para a discussão sobre patentes e propriedade industrial na Organização Mundial do Comércio.


Clima
O plano refere-se a “instar os países que ainda não ratificaram o Protocolo de Kyoto – que determina a redução da emissão global de gases de efeito estufa (GEE) em 5,2%, tendo por base os níveis de 1990 – a fazê-lo”. Rússia e Canadá acenaram com a possibilidade de ratificá-lo ainda este ano. Vale lembrar que para entrar em vigor, o protocolo precisa receber a adesão de países ricos responsáveis, em conjunto, por 55% das emissões mundiais, também com base no montante de 1990. A ratificação pela Rússia é fundamental, pois ela é responsável, isoladamente, por 17,4% das emissões de GEE, cota que somada a dos 87 países signatários faria entrar em vigor imediatamente as determinações de Kyoto, mesmo sem a adesão dos EUA. Finalmente, note-se que o protocolo prevê uma saída honrosa para os países ricos que não conseguirem – ou não quiserem – diminuir seus níveis de emissões – eles podem lançar mão do chamado comércio de créditos de carbono, vendidos por países como o Brasil.


Energia
O uso de fontes renováveis (que excluem petróleo e carvão e incluem eólica, biomassa e solar) é uma opção – e não obrigação – de países ou regiões que podem, a seu bel-prazer, estabelecer suas próprias metas levando em conta tão-somente a conveniência e oportunidade do momento. O documento da Rio+10 só explicita que deve ocorrer “urgentemente um significativo incremento das energias renováveis”, tendo sido derrotadas as propostas do Brasil e União Européia para fixar meta global de 10%-15% de fontes renováveis de energia entre 2010/2012.


Produção e consumo
Compromisso de estabelecer um plano para os próximos dez anos de mudança nos padrões de produção e consumo hoje vigentes.


Saneamento e saúde
Até 2015, reduzir à metade o número de pessoas sem acesso adequado a serviços básicos como água e tratamento de esgoto. Até 2020, produtos químicos devem ser usados de maneira a não prejudicar a saúde humana e o meio ambiente.
Garantia de que o acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre patentes não pode impedir países pobres de fornecerem remédios para todos.


Subsídios agrícolas e financiamento
O plano de ação menciona a necessidade de “apoiar a eliminação de qualquer subsídio à exportação” – para se ter uma idéia, países ricos subsidiam seus agricultores com cerca de US$ 1 bilhão/dia. Reafirma as metas de transferência de uma fatia mínima de 0,07% do PIB dos países ricos a título de ajuda oficial para as nações pobres (ou seria mais exato dizer empobrecidas?). Redução pela metade do número de analfabetos, pobres absolutos e mortalidade infantil até 2015. O GEF (Fundo Ambiental Global) irá considerar a possibilidade de oferecer financiamento a ações contra a desertificação.


Ajuda aos pobres
Reconhecimento da necessidade de aumentar a ajuda aos países pobres e reforço para que os países ricos destinem 0,7% de seu PIB às nações em desenvolvimento.


Responsabilidade comum
O princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, significa que todos os países precisam salvar o planeta. No entanto, quem polui mais precisa arcar com mais financiamento.


O cinismo do Primeiro Mundo


Antônio Ermírio de Moraes(*)
A imprensa brasileira deu pouca ênfase ao significado da proposta do Brasil na Cúpula do Desenvolvimento Sustentado, em Johannesburgo. O Brasil quis obter um compromisso dos demais países para que todos os esforços fossem dirigidos em favor da utilização de, pelo menos, 10% de energia renovável -hídrica, eólica, solar etc.-, que poluem pouco. Apesar de todo o empenho da representação brasileira e da presença do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, que negociou pessoalmente com os demais mandatários do planeta, a proposta foi rejeitada.


No meu entender, essa aparente derrota foi uma estrondosa vitória. Sim, porque, mesmo excluindo a energia produzida por álcool e bagaço de cana, o Brasil possui 50% de energia renovável. Vejam bem, os demais países não quiseram aceitar 10%!
E por que a derrota é vitória? Porque, com isso, caiu a máscara dos que ficam acusando o Brasil de grande poluidor do mundo. É uma interminável procissão de ONGs, de lobistas de toda a espécie e até mesmo de representantes oficiais dos países avançados, que vivem atirando pedras no Brasil como se este fosse um país, como o deles, que, para gerar energia, contamina o ar, a terra e as águas.
Com a proposta derrotada, deixamos os reis nus. Daqui para frente, para os que vierem nos atormentar com acusações infundadas, temos uma pergunta na ponta da língua: por que o seu país não aceitou a idéia de usar 10% de energia renovável? Responda isso primeiro para depois continuarmos a conversa. Do contrário, guarde as suas pedras e volte para o seu poluído terreno nacional. Atualmente, cerca de 85% da energia do mundo é de origem fóssil, altamente poluente.
A participação dos Estados Unidos na geração de gás carbônico no total mundial aumentou de 9,1% para 18,1% nos últimos dez anos. Isso é uma enormidade quando se compara com a participação brasileira, que é de apenas 0,41%.
Espero que o leitor entenda exatamente o que aconteceu em Johannesburgo: foi o exercício do cinismo dos países ricos em relação aos países pobres. Esse é um motivo para ficarmos ainda mais orgulhosos de nosso país. Além da imensidão territorial, Deus nos presenteou com muitos fatores favoráveis para transformarmos esta terra em uma grande nação: fertilidade do solo, abundância de água, sol o ano inteiro, bom regime climático e, sobretudo, extensas fontes de energia renovável. Incluindo a biomassa, 60% da nossa energia vem de fontes renováveis, enquanto os países que assinaram o Protocolo de Kyoto prometeram reduzir a poluição em 12% até 2010. Será que vão cumprir? É evidente que não. Basta ver o seu comportamento na reunião de Johannesburgo.


(*) O empresário Antônio Ermírio de Moraes é sinônimo de indústria. Está há mais de 50 anos à frente do grupo Votorantim, maior conglomerado industrial privado brasileiro, com faturamento anual na faixa de R$ 6 bilhões, atuando nos mercados de cimento, papel e celulose, metalurgia,
fabricação de suco, fazendas, reflorestamento, finanças, energia e internet.
Esse artigo foi publicado na sua coluna semanal da Folha de S. Paulo.



RIO+10: Ministro José Carlos Carvalho dá sua opinião


Sobre energia renovável
“A recusa da proposta brasileira para adoção da meta de 10% de energia de fontes renováveis até 2010, ao contrário do que muita gente pensa não foi uma derrota para o Brasil. Afinal, conseguimos que a proposta fosse incluída na Agenda Internacional e apesar de não termos consenso, a proposta foi alvo de discussão concreta e com certeza terá desdobramentos positivos num futuro muito próximo”


Sobre a Biodiversidade
“O Brasil foi favorável à redução das perdas de biodiversidade. Mas exigimos e conseguimos, como contrapartida, a repartição dos lucros obtidos com a exploração dos recursos naturais e também dos conhecimentos das populações tradicionais”.


Sobre a Cúpula da RIO+10
É hora de repensar os mecanismos decisórios adotados pela ONU nas mega-convenções. Como as resoluções são tomadas por consenso, muitas vezes boas idéias e boas propostas são rejeitadas por interesses imediatistas de alguns países”


“Os EUA são uma nação. A França é uma nação.
O Japão é uma nação. Todos debateram na Conferência como nações,
não como Humanidade e um só planeta”

José Carlos Carvalho



Corte ecológico
Jan Pronk(foto a direita), responsável da ONU pela Segunda Cúpula da Terra, testou com sucesso num dos delegados da conferência a máquina de cortar cabelo movida a energia solar. Pesquisas indicam que as reservas mundiais de combustíveis fósseis, como o petróleo e gás natural, devem acabar em 50 anos. A solução será outras formas de energia, como hidrelétrica, eólica e solar. Pronk defendeu que o encontro tenha duas agendas, uma só sobre meio ambiente e outra econômica, buscando formas de desenvolvimento sustentável para os países pobres. Ele lembrou que a quantidade de pessoas vivendo na miséria aumentou desde 1992. ”A década de 90 foi uma época de crescimento econômico sem precedentes, mas os benefícios se concentraram nos países ricos”, afirmou Pronk.