Água Mineral, um bem explorado até a exaustão

12 de fevereiro de 2004

Sociedade civil do Sul de Minas pressiona e governo muda edital da exploração de fontes de água mineral de Caxambu, Lambari e Cambuquira

 







Grupo Cidade cidadã – Os integrantes do Grupo Cidade Cidadã – GCC, com sede em Caxambu, entraram com representação junto ao Ministério Público local contra uma licitação que consideram ilegal, devido à falta do estudo ambiental que deve ser aprovado pelo Conselho de Política Ambiental – Copam, ligado a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, outro órgão do governo do estado, a exemplo da Comig.


“A sociedade deve participar da discussão de uma licitação que poderá comprometer definitivamente as fontes, o principal atrativo turístico do Circuito das Águas. Sem elas, nossas cidades acabarão, pois dependemos do turismo atraído pelas águas minerais. Nós conseguimos que a Comig realizasse audiências públicas nos três municípios do sul do estado, pois eles não pode fazer nada à revelia da população”, diz a presidente da GCC, Nádia Maria Correia Gonçalves.


“Depois da leitura do edital, de vários estudos e entrevistas com pessoas envolvidas no processo, cheguei à conclusão de que o edital inicial da Comig dava espaço à superexploração das fontes, pois incentivava uma mudança na filosofia de exploração das águas, ao estipular a redução dos valores de royalties, à medida que se aumentasse a exploração”, diz o juiz Bergson Cardoso Guimarães do Ministério Público de Caxambu, responsável pela instauração de processo civil público em 11 de novembro.


A liminar obtida dia 16 de novembro, pela ação movida pelo GCC suspendeu o processo licitatório até o dia 23, quando foi derrubada pelo desembargador Pinheiro Lago, do Tribunal de Justiça, em Belo Horizonte – anteriormente, no dia 18, o Ministério Público Estadual, por meio dos promotores de Cambuquira e Lambari, assinaram um termo de ajustamento de conduta com a Comig que permitiu a continuidade do processo – os promotores de Caxambu e Araxá não assinaram o documento por discordarem de seu teor e de pontos como dar poder de fiscalização à sociedade quanto a qualquer risco de superexploração. “Este poder de fiscalização cabe ao estado e não à população”, diz o promotor de Caxambu, para quem o edital está na contramão de estudos técnicos realizados em 1993 pela CRPM – órgão vinculado ao Ministério das Minas e Energia.


Na opinião do biólogo e ex-secretário de Meio Ambiente do município, Reynaldo Guedes Neto, a licitação ignorou os pareceres técnicos da CPRM, feitos, segundo ele, a pedido do então prefeito de Caxambu, Rossini Jayme de Almeida. “Os estudos permitiram calcular um balanço hídrico microregional com vazão média de 30 litros/segundo/km2, contra apenas 17 litros em Caxambu. Estes números nos causaram preocupação depois de constarem no relatório do CPRM como possibilidade de superexploração pela Superáguas”, diz Reynaldo Guedes.






“A sociedade deve participar da discussão de uma licitação que poderá comprometer definitivamente as fontes, o principal atrativo turístico do Circuito das Águas. Sem elas, nossas cidades acabarão, pois dependemos do turismo atraído pelas águas minerais”
Nádia Maria Correia Gonçalves, Presidente da GCC


Já o superintendente da CPRM em Minas Gerais, Oswaldo Castanheira, afirma que “apesar de os estudos preliminares terem chegado a estes números, eles devem ser entendidos dentro da metodologia utilizada no trabalho e não de forma isolada. A pesquisa detectou períodos úmidos em Caxambu de janeiro a março e de setembro a dezembro, contra períodos mais secos de abril a agosto, o que resultou numa média anual equilibrada”, diz Castanheira.


Em sua opinião, a preocupação de Reynaldo Guedes Neto é irrelevante para o caso, pois os valores regionais de vazão têm maior validade do que os específicos encontrados em Caxambu, município que pode ter consumo excessivo de água mineral, não por causa exclusiva da fonte de envazamento industrial, mas devido a outras fontes locais, como, por exemplo, aquelas exploradas pelos diversos hotéis da cidade.


De acordo com o superintendente da CPRM, o estudo realizado no Sul de Minas concluiu que, até aquele momento, não havia impacto ambiental significativo que pudesse comprometer as fontes de água mineral. “No entanto, salientamos riscos como ocupação desordenada do solo e contaminação industrial e rural e fizemos recomendações básicas como se evitar ocupações à montante das fontes e não se perfurar poços sem estudos técnicos adequados”, disse ele.


Desistência – No dia 26, data final da entrega de propostas, a Comig recebeu proposta somente da Construtora Wantec Ltda. Mas outras empresas adquiriram o edital – RM Projetos, Wantec, Nestlé, Superáguas, Coca-Cola, Arcon Serviços e várias entraram com pedido de impugnação do edital. Motivo: questionaram pontos como a exigência para a empresa vencedora também explorar serviços de termas, como hidrocinesioterápicos e fisioterápicos e a crenoterapia dentro do Parque das Águas de Cambuquira, distintos da exploração das fontes para envazamento.


O caso chegou ao Ministério Público Federal – MPF, por meio de uma representação civil pública da ONG Nova Cambuquira. O procurador da República de Minas Gerais, José Adércio Leite Sampaio, em decisão datada de 28 de dezembro, recomendou ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, órgão federal responsável pela fiscalização sobre o controle ambiental, que não efetivasse o registro de contrato resultante da licitação, antes do licenciamento ambiental corretivo das atividades de envazamento de águas e exploração turística, já realizadas nos parques das quatro cidades sob licitação.






Se permanecer como está hoje (se classificada como bem mineral) a água poderá ser explorada legalmente até a exaustão da fonte. Como recurso hídrico, há limitações para exploração


O procurador também recomendou que a realização do licenciamento ambiental prévio das atividades pertinentes ao edital, com a aprovação anterior do devido Estudo de Impacto Ambiental.


Surpresas – De acordo com o biólogo Reynaldo Guedes Neto, integrantes de diversas ONGs do Sul de Minas, a exemplo do GCC e da Nova Cambuquira, ficaram surpresos e preocupados quando conheceram o perfil da Construtora Wantec, pois a atividade principal da empresa é serviços de terraplanagem, incorporação e venda de imóveis, transporte rodoviário de cargas e obras viárias. Portanto, não possui experiência na área de engarrafamento de bebidas. Uma de suas proprietárias, Ana Cristina Penna Wanderley Mendonça é filha de Walduck Wanderley, dono da Construtora Cowan, que, entre seus clientes, atende ao DNER-MG e a Copasa.


Discussão – Para discutir as linhas do novo edital, foi realizada no dia 29 de janeiro, na sede da Comig, em Belo Horizonte, uma reunião convocada pelo presidente do órgão, Henrique Hargreaves. O encontro contou com a participação de representantes das ONG do Sul de Minas, integrantes da Focas.


No encontro, Hargreaves afirmou que a suspensão da licitação partiu de avaliação sua de falta de competitividade do processo, diante da participação de somente uma empresa, a Wantec, já que as demais desistiram. “O assunto foi levado por mim ao governador Itamar Franco e a decisão foi tomada sobre um processo idôneo, mas marcado pela ausência de concorrência”, disse ele. Esta decisão do governo do estado anulou todas as ações que corriam na Justiça contra o edital.


Audiências públicas – Durante a reunião, representantes das ONGs do Sul de Minas exigiram a realização de audiências públicas nos três municípios da região, que deverão ocorrer entre os dias 3 e 5 de março, cujas decisões serão levadas para o encontro final de 8 de março, na Comig, para a definição da redação final do novo edital.


Os representantes das ONGs exigiram ainda a inclusão da exigência ambiental prévia à licitação e da obrigatoriedade de os nomes das cidades sob exploração das fontes serem estampados como marcas nas garrafas das águas vendidas no mercado – o objetivo é se obter uma maior divulgação turística de cada município.


De acordo com o presidente da Comig, estes limites serão aqueles definidos em estudos realizados pela Fundação Gouerceix, da Universidade Federal de Ouro Preto, que indicam que as fontes de engarrafamento de Araxá possuem vazão de 20 mil litros de água/hora; Caxambu, 12.611 litros, Cambuquira, 2.138 litros e, Lambari, 3.600 litros/hora. A recomendação da Fundação Gouerceix à Comig é que seja permitido o envazamento máximo de 80% destes volumes, a fim de garantir uma sobra de água para os turistas freqüentadores dos parques.


No encontro de Belo Horizonte ficou decidido ainda que o edital passará a ter a proibição de bombeamento das fontes para aumento de envazamento, de adição de sais nas águas, da abertura de poços tubulares para engarrafamento, da suspensão imediata do envazamento, em caso de redução da vazão das fontes e do monitoramento periódico do processo de exploração. Estes pontos foram incluídos, inicialmente, no termo de ajustamento de conduta, assinado pela Comig e pelo Ministério Público Estadual.


Esgotamento – Integrantes da Focas ressaltam que as reivindicações visam a evitar acontecer em Caxambu, Lambari, Cambuquira e Araxá, o mesmo problema que já preocupa a população de São Lourenço: o esgotamento de fontes de água mineral. A Empresa de Águas São Lourenço, da Nestlé e Perrier, aumentou a extração de água do subsolo de 580.000 litros/dia para 1.000.000 litros/dia, o que teria resultado no esgotamento da fonte magnesiana Oriente e na redução de vazão de outras duas. De forma ilegal, segundo eles, a empresa desmineraliza a água do poço Primavera, de água ferruginosa, para a produção da “Pure Life”.


“Queremos que o envazamento seja feito dentro do limite da quantidade espontânea de água que sai da natureza para não comprometer as fontes”, diz a presidente do GCC de Caxambu, município responsável por 80% de toda a água engarrafada no Sul de Minas.


De acordo com o diretor administrativo da Comig, Marco Aurélio Vasconcelos, a proposta é que o envazamento seja permitido até o limite de vazão das fontes sob arrendamento, nunca acima da fluidez natural.






?Nenhuma empresa possui licença ambiental para explorar as fontes. Elas são, portanto, ilegais”
René Vilela, do COPAM-MG


Vício antigo – O membro do Copam de Minas Gerais, René Vilela, presente à reunião, denunciou à Comig, que todas as empresas que exploram industrialmente fontes de água mineral do Sul de Minas não possuem estudos de impacto ambiental e, portanto, não podem ter autorização legal para funcionar. “Além deste edital, é preciso se questionar também a estrutura exploratória atual, porque nenhuma empresa possui licença ambiental para explorar as fontes. Elas são, portanto, ilegais”, disse ele.


O presidente da Comig solicitou que o Instituto das Águas de Minas Gerais – IGAM, apurasse a denúncia de René Vilela, que acusou a Superáguas, de, somente no final de 2001, após o término dos 20 anos de exploração das fontes da região, deu entrada no Copam com pedido de licença ambiental.


Câmara Federal – René Vilela afirmou ainda que a mudança da classificação legal da água de “bem mineral” para “recurso hídrico” será um dos temas centrais do Fórum Estadual de Comitês de Bacias Hidrográficas, marcado para março, em Belo Horizonte. “A nossa intenção é a elaboração de um esboço de projeto de lei para ser encaminhado a Câmara Federal e, assim, tentar evitar que ocorra em muitos municípios o que presenciamos hoje em São Lourenço, quando uma empresa, como a Nestlé, se sente no direito de esgotar fontes de água mineral, essencial para a sobrevivência do município, simplesmente dentro de uma ótica empresarial”, disse ele.


Se permanecer como está hoje, classificada como bem mineral, a água poderá ser explorada até a exaustão da fonte, dentro da lei; caso seja definida como um recurso hídrico, haverá limitações exploratórias, justamente pelo entendimento de que a água é um bem social, necessário à sobrevivência do homem.







Acima, Parque de São Lourenço. Abaixo, o lago Guanabara, e o antigo Cassino de Lambari


O crescimento do grau de insatisfação da sociedade de São Lourenço com a Nestlé-Perrier pela superexploração das fontes de água mineral é diretamente proporcional ao aumento do envazamento do produto para fins comerciais.


No município e em todo o Sul de Minas, já começa a tomar contornos claros uma movimentação espontânea da população. É a reação de quem se vê ameaçado no que existe de mais precioso na terra da região – uma água de alto valor medicinal e necessária à sobrevivência tanto do homem, quanto de um município que depende do turismo atraído justamente pelas fontes naturais.


Uma Comissão das Águas, criada pela Câmara Municipal de São Lourenço, já recorreu à Justiça para esclarecer e investigar a atual situação do processo de exploração industrial das águas de São Lourenço. No dia 17 de novembro, uma manifestação pública contou com mais de 300 pessoas, entre representantes de ONGs, estudantes, políticos e população em geral.


Os ativistas buscam mobilizar o maior número de pessoas para exigir alterações estruturais na forma de exploração das fontes. A preocupação é evitar que outras tenham o mesmo fim daquela de água magnesiana, que já não jorra mais, ou do idêntico futuro previsto para a ferrruginosa, sob alta exploração, e que, por este motivo, sofre uma forte descaracterização mineral por ter sais adicionada à sua água, tornando-se assim a “Pure Life”.


A defesa da Empresa de Águas São Lourenço, do grupo Perrier /Nestlè, é que a água ferruginosa, devido à sua facilidade de oxidação, é imprópria para o engarrafamento; assim, necessitaria de desmineralização para fins comerciais. Neste caso, a empresa aumentou a área de capacitação e o total de engarrafamento para a exportação da “Pure Life”.


O que a população de São Lourenço pergunta é o que acontecerá depois que as fontes de São Lourenço secarem. Como um bem “mineral” que se esgota, depois de anos de uma exploração predatória, certamente, a empresa “fará as malas”, procurará a próxima vítima, e deixará para trás um rastro de destruição e uma população órfã de um bem que lhe foi dada pela natureza, mas esgotado pela ambição desenfreada do homem pelo lucro a qualquer custo. Só que este custo é social.


Dia Mundial da Água - III Fórum das Águas

Declaração de Kyoto evita controvérsias

5 de fevereiro de 2004

Solução de compromisso contorna disputas entre ONGs e países industrializados


A Declaração reitera o compromisso dos dez mil participantes de lutar para alcançar o objetivo das Nações Unidas de reduzir à metade o número de pessoas sem acesso à água potável até 2015. Hoje, cerca de 1,4 bilhão de pessoas em todo o mundo enfrentam problemas de abastecimento de água limpa para beber. Se nada for feito para mudar essa situação, em 2020, quando a população mundial for de oito bilhões, o drama será ainda maior, pois o crescimento populacional é mais intenso justamente nos países mais pobres.

A invasão dos Estados Unidos ao Iraque comprometeu parte do êxito do Fórum. O presidente da França, Jacques Chirac, não pôde comparecer, enviando uma mensagem em vídeo.
O documento final foi apresentado por um funcionário do Ministério das Relações Exteriores do Japão, em nome do chanceler Yoriko Kawaguchi.

Delicado balanço
Kawagchi afirmou que a Declaração de Kyoto representou um "delicado balanço entre os diferentes pontos de vista expressos pelos diversos participantes". Isso ficou claro no texto referente à privatização dos serviços de água. As ONGs insistiram até o fim na rejeição de qualquer referência a essa possibilidade, argumentando que se o serviço cair em mãos de multinacionais do setor, os pobres jamais terão acesso à água potável.

Contudo, a declaração afirmou que "serão exploradas todas as possibilidades de financiamento (de projetos de provisão de água) inclusive com a participação do setor privado, atendidas as políticas e as prioridades nacionais". O texto continua afirmando que "serão identificados e desenvolvidos novos mecanismos de parceria entre os setores público e privado, garantindo-se, ao mesmo tempo, a proteção dos interesses dos consumidores, com uma particular ênfase aos mais pobres".

As ONGs também insistiram até o fim para que fosse incluída na Declaração de Kyoto um texto afirmando que a água é um dos direitos humanos dos cidadãos. Depois de muita negociação, o texto aprovado afirma que "a água é um elemento essencial ao desenvolvimento sustentável, à integridade ambiental, à erradicação da pobreza e da fome, indispensável para a saúde o o bem-estar das pessoas".
Os representantes de vários países centro-americanos e sul-americanos também reivindicaram que a Declaração incluísse em seu texto uma referência específica à necessidade de resolver o problema de abastecimento de água das populações indígenas. O documento, porém, limitou-se a defender "soluções inovadoras, a busca de melhores práticas, conhecimento e experiência relevantes para as condições locais", com a participação de todos os interessados.

Protesto do WWF
O Fundo Mundial para a Natureza – WWF – liderou os protestos das organizações não-governamentais contra o que classificou de excessiva preocupação do documento de não encarar de frente os temas cruciais, tais como a proteção das fontes de água, o saneamento e a cooperação internacional no manejo dos rios internacionais e investimentos na defesa e recuperação dos ecossistemas.

Nesse sentido, a WWF considera que a Declaração de Kyoto foi mais moderada do que as firmadas no primeiro encontro (Marrakesh-1997) e no segundo em Haia, na Holanda, em 2000.
Para as ONGs, a Declaração usou mais "nós faríamos" (we should) do que "nós faremos" (we will) significando uma tentativa de evitar uma clara deliberação sobre as questões cruciais.

Finalmente, denunciaram as ONGs que a Declaração de Kyoto desconsiderou os debates realizados pelos cinco sub-grupos de discussão organizados no âmbito da conferência ministerial, que se reuniram até às vésperas do encerramento da conferência, apresentando propostas que acabaram sendo relacionadas em outro documento paralelo, sem nenhuma recomendação quanto à sua aceitação.
Somente as ONGs japonesas apresentaram 91 sugestões. Ao todo foram apresentadas 422 propostas a cargo de 40 países.

Brasil: não à Convenção da Água
No III Fórum Mundial da Água, realizado em Kyoto, o Brasil uniu-se aos demais países em desenvolvimento para recusar qualquer tentativa dos países industrializados no sentido de vincular a oferta de água a algum acordo internacional.

O Brasil recusou qualquer mecanismo internacional de controle da água, especialmente a idéia da criação de uma espécie de conselho mundial que, entre outras atribuições, exigiria dos países em desenvolvimento e dos países pobres, investimentos não só no suprimento direto de água potável, como na gestão dos recursos hídricos e no saneamento.

A delegação brasileira considerou que o Brasil e outros países em desenvolvimento já desenvolvem tais políticas, sem necessidade de nenhum estímulo de uma organização internacional. Para muitos representantes latino-americanos presentes em Kyoto, por trás da idéia da regulamentação internacional dos usos da água há uma tentativa de afetar a soberania nacional sobre os recursos naturais de cada país.

Para evitar de todo a frustração, o governo japonês anunciou, ao final da conferência, que o Japão destinará , no orçamento do corrente ano, cerca de 16 bilhões de yens (150 milhões de dólares) para financiar projetos de melhoria da qualidade da água nos países mais pobres.

A vez das crianças
Paralelamente aos trabalhos do III Fórum Mundial da Água, 109 crianças e adolescentes, vindos de 32 países, se reuniram e divulgaram um manifesto conclamando os governos a cumprirem sua obrigação de fornecer água potável e serviços sanitários adequados às populações.

O Manifesto das Crianças para a Água afirma também que os governos devem envolver as crianças e os adolescentes na definição e na execução das políticas públicas para a água, começando por um planejamento que considere uma avaliação do quadro de abastecimento de água e dos programas de fornecimento disponíveis.

Muitos discursos e poucos avanços
O IV Fórum será em 2006 e tem quatro candidaturas para sede: México, Brasil, Turquia e Canadá

*Por Raymundo Garrido (Especial para a Folha do Meio Ambiente)
(Kyoto – 24/março) O III Fórum Mundial da Água realizado aqui em Kyoto teve o objetivo
de promover a discussão e buscar soluções para a crescente crise dos recursos hídricos.
Realizado em três cidades Kyoto (sede), Shiga e Osaka, o Fórum representava uma oportunidade
ímpar para se avançar nas metas definidas hà três anos no Segundo Fórum, que teve lugar em Haia,
e na RIO+10, realizada no final de agosto de 2002, em Johannersburgo. Infelizmente, mais uma vez,
o encontro foi de muitas discussões teóricas e poucas ações práticas, apesar de terem sido gastos
na sua realização cerca de 26 milhões de dólares. A cerimônia de abertura, no Salão Internacional de Conferências de Kyoto, foi prestigiada com a presença do Príncipe Naruhito e da Princesa Masako,
assim como pelo Príncipe marroquino Moulay Rashid e o Príncipe da Coroa dos
Países Baixos, Willem Alexander.

Na abertura, o ex-Primeiro Ministro japonês, Ryutaro Hashimoto, que preside o Comitê Nacional do Fórum, lembrou a decisão tomada em Johannesburgo de reduzir-se à metade, até 2015, as populações sem acesso a água de boa qualidade e a condições sanitárias adequadas. Esta é a principal meta quantitativa. "Discutir como alcançá-la é o objetivo central deste Fórum", salientou Hashimoto.
Também buscando direcionar os debates, o Ministro de Recursos Hídricos e Irrigação do Egito, Mahmoud Abu-Zeid, afirmou que o Fórum deveria perseguir quatro objetivos principais.

1) Desenvolver uma nova ética voltada para o trato do problema da água;
2) Estabelecer um fundo mundial para a água, repisando palavras de Hashimoto;
3) Situar o tema da água como instrumento para a promoção da paz e da segurança;
4) Dar ênfase, no contexto das discussões, à gestão hídrica nos países em desenvolvimento.

O Príncipe Naruito, além de alertar a todos para o fato de que a escassez e a poluição dos recursos hídricos podem chegar a um estado de crise, referiu-se a questões locais, destacando a beleza do lago Biwa, cenário do encontro. Da realeza, ainda ouviram-se comentários do Príncipe marroquino Moulay Rashid, que enfatizou a importância de se pressionarem os governos e organismos internacionais para que dêem uma maior prioridade ao tema da água, além do Príncipe Willem, da Coroa dos Países Baixos, que afirmou que temas como água e clima, meio ambiente e alimento entraram na agenda de Kyoto em continuação ao que se discutiu em Haia.
O Presidente da França, Jacques Chirac, que cancelou sua vinda no último momento em razão da guerra no Iraque, enviou uma mensagem em vídeo, destacando que o acesso à água deveria ser reconhecido como um direito fundamental, acrescentando que todos os países participantes deveriam adotar planos de ação agressivos em relação à gestão dos recursos hídricos.

Aquém do desejável
Apesar de todas as expectativas que Kyoto despertou, os resultados do Fórum, refletidos na Declaração, ficaram muito aquém do mínimo desejável, tal foi o grau de generalidade do texto final aprovado. Para começar, a única meta relativa à água decidida em Johannesburgo em nada avançou, pois Kyoto deveria ser o momento de definições sobre as possíveis fontes de recursos para fazer reduzir à metade, até 2015, a quantidade de pessoas sem acesso a água de boa qualidade e a condições sanitárias aceitáveis. Entretanto, a Declaração Ministerial jogou a tarefa para cada país, apenas dizendo que os esforços coletivos serão redobrados para mobilizar recursos.

Em um texto de 29 tópicos, a Declaração de Kyoto se limita aos chavões que se costumam proclamar em eventos dessa natureza como, por exemplo, afirmar-se que a água é um elemento importante para o desenvolvimento sustentável e que as questões a ela relativas devem ser priorizadas; que a boa governabilidade dos recursos hídricos, associada ao treinamento e capacitação e a princípios de gestão integrada e participativa são absolutamente essenciais no trato desse bem da natureza.

Recursos financeiros
Quando chega na parte mais esperada, a de como obterem-se recursos financeiros para os projetos e programas, a Declaração se contém a dizer apenas que a solução para as necessidades financeiras deve ser um desafio a ser enfrentado por todos, que devem atuar de sorte a criar um ambiente propício aos investimentos; que os bancos de desenvolvimento regional devem atuar em apoio às iniciativas. Refere-se à redução da pobreza se cingindo a afirmar que devem ser levantados fundos para resolver os mais diversos problemas que afetam a vida das classes menos favorecidas, sem indicar, no entanto, sequer pistas sobre tais fundos.
E por aí o texto segue com outras obviedades como a de conclamar a ONU a seu papel de líder na cooperação, hoje aliás questionado com o episódio da guerra do Iraque que eclodiu durante o Fórum.

É ainda o texto da Declaração que reconhece a importância da energia hidroelétrica, mas sem se arriscar a propor uma meta, ainda que de longo prazo, de predominância dessa modalidade de energia onde as condições forem propícias à sua geração. A Declaração de Kyoto vai adiante para abordar de modo genérico o tema da irrigação, sugerindo que deve haver progresso no uso da água para fins da agricultura, além de lembrar o tema da pesca, do combate à poluição das águas, ao desflorestamento, às inundações e às secas e outras questões mais.

É o que restou de um evento de 26 milhões de dólares, o custo de umas cinco pequenas adutoras no Nordeste, que muito serviriam para mitigar a sede e combater a pobreza.
O IV Fórum será em 2006. Há quatro candidaturas para sede: México, o Brasil, a Turquia e o Canadá. A decisão será tomada em junho próximo, pelo Conselho Mundial da Água, em Marselha.

Espera-se que, até lá, os coordenadores responsáveis sejam mais objetivos, para que não se dê razão à Ministra de Meio Ambiente da Holanda que, sob aplausos, declarou não haver necessidade de um quarto fórum, pois o essencial agora é discutir menos e trabalhar mais!
(*) Raymundo Garrido é engenheiro civil, professor, ex-Secretário Nacional de Recursos Hídricos
e participou do III Fórum das Águas em Kyoto.

Forum Social das Águas debate a ANA

Tal qual o Fórum Econômico Mundial de Davos que tem o seu contraponto no Fórum Social, realizado ultimamente em Porto Alegre, também o Fórum Mundial da Água tem o seu genérico: o Fórum Social da Água. Um deles foi realizado em Cotia (São Paulo).

As discussões durante o quarto dia do Fórum Social das Águas, em Cotia, São Paulo, foram bastante acaloradas com a realização de uma "roda viva" entre ambientalistas e o diretor da Agência Nacional de Águas, Marcos Freitas.

O tema foi "O Papel das Agências Reguladoras na Proteção Ambiental". Os ambientalistas pressionaram o diretor da ANA, Marcos Freitas, e questionaram sobre o papel da ANA. Eles queriam saber se as agências reguladoras devem ou não definir políticas para o setor ou simplesmente implantá-las. Ativistas e pesquisadores do Brasil, Bolívia e Canadá, reforçaram principalmente a falta de relacionamento da Agência com a sociedade civil organizada nos momentos decisórios. Marcos Freitas reconheceu que a ANA tem atuado com limitações, mas garantiu que ela não formula políticas de gestão das águas e que a missão é a de implantar as políticas formuladas pelo governo. Freitas tirou, assim, a responsabilidade da ANA em relação aos acordos internacionais, que sistematicamente prejudicam os países periféricos.

Lembrou que a direção da Agência, que existe somente há dois anos, é sabedora dos amplos e variados problemas das águas no Brasil. "Não é possível em dois anos querer resolver tudo. Mas estamos atuando com firmeza na implantação das políticas do governo", frisou Freitas.
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Água e o direito das futuras gerações


OS PRINCÍPIOS
A Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda é o exemplo mais
contemporâneo da preocupação da sociedade com o meio onde vive. A sinopse da Declaração Universal, elaborada pelo falecido oceanógrafo e ecologista francês Jacques Costeau, tendo como base contribuições enviadas por crianças de vários países, consolida a preocupação de todas em cinco princípios básicos:

1 – As futuras gerações têm o direito a uma Terra livre da contaminação e da devastação, para que todos possam desfrutá-la como cenário fértil da História da Humanidade, da sua cultura e dos laços sociais que fazem de cada geração e indivíduo um membro da família humana;

2 – Cada geração, participando da herança e da propriedade da Terra, tem o dever, como administradora das futuras gerações, de evitar danos irreparáveis e irreversíveis à vida na Terra e à liberdade e dignidades humanas;

3 – É, portanto, responsabilidade imprescindível de cada geração manter uma vigilância constante e uma avaliação prudente dos distúrbios tecnológicos e das manifestações que afetam adversamente a vida na Terra, o equilíbrio da natureza e a evolução da humanidade, para proteger os direitos das futuras gerações;

4 – Serão tomadas todas as medidas apropriadas, incluindo educação, pesquisa e legislação, para garantir esses direitos e assegurar que não sejam sacrificados por conveniências presentes;

5 – Para tanto, governos, ONGs e indivíduos deverão utilizar os seus recursos e imaginação para implementar esses princípios como se estivessem na presença dessas futuras gerações, cujos direitos procuramos estabelecer e perpetuar.

Relatório da ONU mostra que qualidade de vida
cai à medida que a agressão ambiental aumenta

Márcia Turcato, de Brasília
[email protected]
Para termos qualidade de vida é necessário que o meio ambiente seja saudável. Mais uma vez, relatório das Nações Unidas, divulgado no início de março, revela que a qualidade de vida das populações cai à medida que a agressão ao ambiente natural aumenta.
De acordo com o documento, um bilhão de pessoas em toda a Terra não têm água potável. Desse total, 2,2 milhões morrem anualmente em conseqüência da escassez de água tratada e cerca de 80% das enfermidades registradas nos países pobres têm origem na água para consumo. Isto ocorre em decorrência da falta ou inadequação de saneamento básico, o que provoca a contaminação dos mananciais com dejetos humanos e produtos químicos, os primeiros ocasionam as chamadas doenças de veiculação hídrica e os segundos, envenenamento da flora e da fauna.

Sabe-se também, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), que de cada um dólar investido em saneamento economizam-se três dólares em saúde. O Brasil detém aproximadamente 15% das águas doces do planeta, a maior parte, 70%, está concentrada na Bacia Amazônica, onde vivem apenas 7% da população do país. À maior parte da população, concentrada nos centros urbanos, cabe os 30% de água restantes. É também nessa região que a água é explorada de maneira mais diversificada, desde a irrigação da lavoura, às lavanderias industrias e os lava-jatos.

Como a água de superfície já não é suficiente nas grandes regiões urbanizadas, passou-se à exploração dos mananciais subterrâneos. O Aquífero Guarani é o maior manancial de água doce subterrânea do mundo, ocupando uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados no Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina.

No Brasil, onde estão 840 mil Km2 do Aquífero Guarani, a água está no subsolo de oito estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. Mas o aquífero brasileiro de onde se extrai mais água é o da Serra Geral, na Bacia do Paranoá. É este que possui o maior número de poços clandestinos perfurados, principalmente no Distrito Federal, por conta da ocupação irregular do solo, comprometendo a vida das gerações futuras.

Ainda de acordo com o documento da ONU, quatro bilhões de pessoas não terão água potável e mais de seis bilhões viverão sem serviços de saneamento básico em 2015. Apresentado no III Fórum Mundial da Água, em Kyoto, Japão, o documento indica que os investimentos internacionais para preservação, recuperação dos recursos hídricos e obras de saneamento básico deveriam passar de U$ 80 bilhões para U$ 180 bilhões por ano.

O reuso de águas
Campina Grande, PB, terá primeiro pólo de reuso de água do Nordeste

Da redação
O primeiro Pólo de Reúso de Águas do Nordeste está em fase final de implantação, no Distrito Industrial de Campina Grande-PB. O projeto, com financiamento do Banco Mundial, é coordenado pela Embrapa, em parceria com Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e a Agencia Nacional de Águas (ANA). Ele prevê a implantação de um sistema com capacidade de tratamento de 20 metros cúbicos por hora, captando exclusivamente a água coletada pelo emissário de esgotos da cidade.

A idéia do projeto é de que a água regenerada deverá ser destinada para uso industrial e para a irrigação de três hectares de lavouras de olerícolas, frutíferas, culturas de grãos, espécies florestais, pastagens e plantas ornamentais, que deverão consumir cerca de 480 metros cúbicos por dia ou 20 metros cúbicos por hora, dependendo das condições meteorológicas, das culturas plantadas e da técnica de irrigação aplicada.

"Hoje, em torno de 60% do esgoto sanitário urbano produzido na cidade de Campina Grande é lançado diretamente na rede pluvial, sem passar por qualquer tipo de tratamento", estima o pesquisador José Americo Bordini do Amaral, especialista em Agrometeorologia. A principal vítima desse processo acaba sendo o riacho Bodocongó, o mais importante córrego da cidade, que depois de absorver toda essa descarga sanitária, segue seu curso em direção à barragem de Acauã. "O consumo urbano de água tratada de Campina Grande, em produção normal, é de 1.250 litros por segundo, podendo-se estimar um retorno médio de 60% das águas residuais, com uma vazão aproximada de 750 litros por segundo", informa Bordini, lembrando também que mais de 95% da composição dos esgotos é de água.

Esgoto a céu aberto
Poluído dessa forma, o riacho Bodocongó viu surgir em suas margens, principalmente na periferia da cidade, diversos plantios irrigados, uma atividade com absorção expressiva de mão-de-obra e geração de alimentos para a população campinense, que, por conta do racionamento, deixou de usar as margens do açude do Boqueirão, passando a utilizar água de péssima qualidade higiênica, inclusive para cultivo de hortaliças. "Teoricamente, esse seria um caso de reúso indireto, pois essa água utilizada para irrigação provém de corpo receptor de águas residuais. Entretanto, em épocas de estiagem, esse receptor transforma-se em um esgoto a céu aberto, configurando, na prática, o reúso direto para irrigação, inclusive de hortaliças, impondo um problema sério de saúde pública", avalia o pesquisador da Embrapa.

Reutilização de efluentes
A poluição dos rios de Campina Grande agrava ainda mais o problema de escassez de água da região, que acabou se transformando no principal fator limitante de desenvolvimento local. Um exemplo dessa realidade viveu a Embratex, obrigada a transferir parte de sua linha de produção para o Rio Grande do Norte exatamente devido a limitação hídrica em Campina Grande.

O grupo de trabalho que conduz a implantação do Pólo de Reúso de Águas, conta com a participação dos professores da UFCG, Vera Lúcia Antunes de Lima e Adrianus Cornelius van Haandel, além do pesquisador Aderaldo Souza, da Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna-SP). Os técnicos trabalham com o conceito de "substituição de fontes", como forma de liberar as águas de melhor qualidade para usos mais nobres, como o abastecimento doméstico, o que justifica a promoção de estudos voltados para a reutilização dos efluentes na indústria e na agricultura.

"Além de uma alternativa viável para aumentar a disponibilidade hídrica, a reutilização de efluentes, principalmente os de origem urbana, é uma forma efetiva de controle de poluição e preservação do meio ambiente, cujos benefícios estão associados aos aspectos econômicos, ambientais e de saúde pública", comenta Américo Bordini.
O pólo, um projeto-piloto nessa área, terá potencial para reciclar 500 metros cúbicos de água por dia, o que daria para tratar esgotos produzidos por cerca de 5.000 pessoas. "A qualidade da água a ser utilizada e o objeto específico do reúso, é que irão estabelecer os níveis de tratamento a serem recomendados. Essa água deverá ser tratada adequadamente, de maneira a eliminar elementos indesejáveis, principalmente os materiais orgânicos biodegradáveis e os organismos patogênicos", destaca o pesquisador. Para recomendar o uso dos efluentes na agricultura, inicialmente, os pesquisadores devem comparar a qualidade da água recuperada com a água de superfície disponível.

Impacto de uso
Outra precaução será identificar parâmetros prejudiciais na qualidade da água recuperada e, eventualmente, projetar e implementar sistemas de correção da qualidade dessa água. Será realizada também uma avaliação do custo do tratamento, levando-se em conta todos os processos necessários e o tamanho da planta de tratamento. Será medido o impacto do uso de água recuperada de esgoto no solo, nas culturas e nas águas subterrâneas, assim como do uso do lodo biológico gerado no tratamento, no solo, nas culturas e nas águas subterrâneas. O projeto vai mensurar, por fim, o valor de lodo biológico gerado no tratamento como insumo agrícola.

Qualidade e custo
Com relação ao reuso da água para as indústrias, será feita comparação da qualidade da água recuperada e da água disponível na rede pública. Devem ser identificados e, se necessário for, projetados e implementados sistemas de tratamento de água que possam adequar a qualidade da água recuperada à qualidade necessária na indústria. O projeto também deve avaliar o custo do tratamento, levando-se em conta todos os processos necessários e o tamanho da planta de tratamento.
A ANA anunciou o financiamento de R$ 6 milhões para o projeto. A primeira fase do projeto foi custeado com recursos da Embrapa e UFCG. "Essa iniciativa resultou no Subprograma de Desenvolvimento Sustentável de Recursos Hídricos para o Semi-Árido, cujo objetivo geral é garantir a ampliação da oferta de água de boa qualidade para a região nordestina, com a promoção do uso racional desse recurso. A escassez de água não pode ser o fator que impeça o desenvolvimento sustentável”, finaliza Bordini.

Como funciona o processo
O esgoto é interceptado num ponto da rede sanitária. Numa caixa de concreto ele passa pela primeiro tratamento: peneiragem. Em seguida a água atravessa uma canaleta, onde retentores de metal fazem a barragem. Nesse percurso, os componentes sólidos mais pesados do esgoto vão ficando assentados no fundo dos canais de concreto. Alternadamente, duas caneletas vão sendo bloqueadas para que um funcionário faça o serviço de retirada dos resíduos pesados. Depois dessa etapa a água é coletada num segundo tanque de concreto, de maior capacidade e bombeada para quatro recipientes gigantes (reatores), onde vai ocorrer o processo de degradação da matéria orgânica.
Nos reatores, agentes biológicos (biota), como algumas espécies de bactérias, encontradas na água, fazem o trabalho de descontaminação, eliminando microorganismos nocivos, como ovos de helmintos e coliformes fecais. O tempo de retenção da água nos recipientes é de aproximadamente um mês, para a purificação da água em níveis próximos ao da potabilidade. O processo também produz gás metano, que será armazenado e poderá ser utilizado para geração da energia necessária para o funcionamento de parte do sistema.

Mananciais de Palmas estão sendo monitorados
No Tocantins, todos os projetos que utilizam a água passam por avaliação criteriosa e precisam ser aprovados pelo Naturatins

Wanja Nóbrega, Palmas (TO)
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Mesmo sem comemoração oficial referente ao Dia Mundial da Água, o Tocantins tem motivos de sobra para lembrar a data. O Estado mais novo da Federação é privilegiado no que se refere a recursos hídricos. Além de dois grandes rios federais, Araguaia e Tocantins, que banham seu território, dezenas de córregos, lagos, ribeirões, lagoas, rios estaduais e cachoeiras fazem dos recursos hídricos um dos maiores patrimônios do Tocantins. Nenhuma programação foi elaborada para discutir sobre os recursos hídricos. Entretanto, o coordenador de Cadastro e Outorga de Uso da Água do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), Rubens Pereira Brito, informa que várias ações estão sendo planejadas e – outras já em execução -, no sentido de garantir que o Estado continue tendo suficiência de água potável para consumo e para utilização em projetos, principalmente na setor agropecuário.

Uma das ações, iniciadas no começo deste ano, está centrada na capital do Estado – Palmas – e tem como finalidade fazer um levantamento minucioso das bacias que circundam a cidade. Duas estações de monitoramento fluviométrico foram instaladas próximas ao ribeirão Taquaruçu e ao córrego São João. Duas vezes por dia técnicos contratados pelo Naturatins especialmente para esta missão fazem aferição da vazão dos dois mananciais. O Taquaruçu sozinho é responsável por 60% do abastecimento de água da Capital.

Rubens Brito explica que além do abastecimento doméstico, os dois mananciais são utilizados para vários projetos de irrigação, de piscicultura e outros do setor rural. Todos os projetos que utilizam a água precisam ser aprovados pelo Naturatins, que faz uma avaliação criteriosa sobre o que está sendo proposto, se o volume de água a ser utilizado no projeto é necessário e se a fonte de origem da água solicitada comporta o projeto sem prejuízo ambiental.

"Este monitoramento será fundamental para que nosso trabalho de avaliação dos processos de pedido de outorga de água seja mais preciso", avalia Rubens. Ele informou também que alguns problemas já estão ocorrendo em bacias adjacentes ao Taquaruçu e São João. Para resolver tais problemas, o Naturatins pretende elaborar um primeiro relatório dos resultados do monitoramento para em seguida formar os comitês de bacias, para discussão dos problemas e sugestão de resultados. Os comitês serão formados por representantes dos órgãos públicos, empresas privadas interessadas no uso da água e ONGs.

Rubens disse ainda que, mesmo sem os comitês estarem formados, já existe uma primeira sugestão a ser feita: transformar as microbacias do entorno da capital numa bacia maior, facilitando assim seu monitoramento. “As bacias do Lajeado, Água Fria, Taquaruçu e São João são adjacentes, mas independentes. Nossa proposta é juntarmos as quatro, formando uma única bacia, facilitando assim a análise dos processos de pedido para uso dessas água na agropecuária”, ilustra. O trabalho de monitoramento deverá ser estendido para outras cidades.

O coordenador não precisou quando será divulgado o primeiro relatório oficial sobre o monitoramento iniciado no início deste ano. Ele acredita que para se conseguir dados precisos sobre a vazão, o nível de poluição, os meses de cheia e de seca e todos os dados necessários para perfilar as duas bacias será necessário pelo menos um ano de monitoramento contínuo.

“Quando estamos trabalhando com recursos naturais temos que ter paciência para não tirarmos conclusões precipitadas, pois podemos ter uma base dados errada”, disse Rubens, lembrando que a natureza tem seu próprio ritmo, seu próprio tempo e se o homem de fato quiser contribuir para sua preservação deve promover ações contínuas, cujos frutos serão colhidos pelas gerações seguintes.
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As mulheres na gestão da água
Projeto pioneiro capacita mulheres pernambucanas para promover o bom uso e a preservação das águas

Da redação
Vale a pena conhecer o projeto "Agentes da Cidadania das Águas" que forma lideranças femininas no combate a seca e a desertificação no Nordeste do Brasil. O projeto foi desenvolvido pela Ong REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano – que tem a missão de promover o desenvolvimento sustentável, em parceria com a Secretaria de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco.

As mulheres e as meninas ainda são as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e, por conseqüência, as que mais lidam com a água. O processo de desertificação tem sido crescente na região afetando a agricultura e a possibilidade da geração de renda. Com isso muitos homens migram para os grandes centros urbanos em busca de melhores oportunidades deixando para trás a esposa e os filhos. As mulheres agricultoras, de todas as idades, nos períodos de estiagem e até mesmo de chuva (quem não tem onde captar e armazenar a água), chegam a andar de 3 a 6 km por dia carregando latas de 16 a 18 litros de água na cabeça e, nos períodos de seca, mais de 10 km por dia, afetando a saúde emocional e física. Apesar de todo este esforço, a água é de pouca qualidade. Geralmente com excessiva turbidez, ou como falam na região, muito barrenta, devido à introdução de pigmentos ou partículas insolúveis do solo, matéria orgânica e microorganismos, que provocam a redução da penetração da luz solar, essencial para a fotossíntese das algas.

Para conviver com a seca, a SECTMA tem desenvolvido vários tipos de ações: construção de cisternas para armazenamento da água da chuva, instalação de vasos sanitários com fossas secas, geração de renda com o incentivo à criação de galinhas e abelhas e capacitação.

As cisternas construídas a menos de três metros de casa favorecem a saúde das mulheres, aumenta a disponibilidade do tempo delas para dedicarem a si mesmas, à auto-estima, aos estudos, à afetividade, à família, ao seu trabalho preferencial, às organizações locais que desejam participar, enfim, muito contribui para a melhoria da qualidade de vida. Em períodos de estiagem, a criação de galinhas permite que as mulheres complementem a renda familiar com a venda dos ovos, dos frangos (capões), além de contribuir para a alimentação da família.

Para realizar o projeto, a REDEH elaborou uma cartilha com uma estória bem humorada exemplificando possibilidades de convivência com a seca. A linguagem e os símbolos utilizados no material são próprios da cultura local. O projeto "Agentes da Cidadania das Águas" foi realizado em cinco municípios do sertão de Pernambuco: Iguaracy, Solidão, Parnamirim, Serrita e Verdejante. Foram capacitadas cento e setenta e cinco líderes comunitárias, sindicalistas e professoras.

O projeto "Cidadania das Águas" ficou entre as 150 organizações finalistas do "Water Action Contest" que acontece durante o III Fórum Mundial da Água, a ser realizado em Kyoto, no Japão, entre os dias 16 e 23 de março de 2003.

DF tem patrulha para defender nascentes
Brasília tem organização de voluntários que realiza atividades em defesa da água e promove a limpeza de rios

Marcelo Nantes, de Brasília
Recuperação e preservação de nascentes, limpeza de rios, combate aos incêndios floretais, conscientização de crianças e adolescentes e prestação de serviços comunitários. A associação Patrulha Ecológica é mais um belo exemplo de que é possível promover a proteção do meio ambiente a partir do simples desejo de colaborar com a continuidade da vida em nosso planeta. Aproximadamente 60 pessoas, imbuídas única e exclusivamente do sentimento humanista, realizam há 23 anos, em Brasília e no entorno do Distrito Federal, atividades ambientalistas voluntariamente.

A Patrulha Ecológica foi germinada por um "adolescente idealista" no início dos anos 80. Luiz Eduardo Alves Carvalho não gostava de ver terrenos de Brasília ou o próprio Parque Nacional arder em brasas. "Ele tinha uma preocupação incomum com incêndios. Era capaz de combater o fogo antes mesmo dos bombeiros chegarem. Com o tempo ele conseguiu reunir um grupo considerável de gente em torno do seu engajamento. Fomos fazendo cursos e aumentando a aproximação com as brigadas do Corpo de Bombeiro até aprendermos", conta o vice-presidente da ONG, Valdeir Pereira da Silva.
Ele, a esposa e mais dois irmãos estão entre os patrulheiros pioneiros do grupo, que se manteve firme no propósito mesmo após a morte de Luiz Eduardo, vítima de um assalto em setembro de 1996. Três dos 15 brigadistas da Patrulha Ecológica fazem parte da brigada de incêndio Pró-arco/Ibama, cuja atuação se dá na região da Amazônia Legal. "Saímos de um amadorismo total e hoje prestamos assessoria para outras ONGs também", garante Valdeir.
Além da brigada de incêndio, a ONG brasiliense formou uma patrulha mirim. Crianças e adolescentes, a maioria filhos dos associados, participam da programação e recebem noções de educação ambiental e de sensibilização. Enquanto a seca e os focos de incêndios não vêm, os patrulheiros promovem reuniões semanais na sede da entidade, uma pequena sala alugada.

Recuperação de nascentes
A internet é atualmente um dos canais de comunicação, muito utilizado para divulgar atividades, como as saídas de campo realizadas mensalmente. A última delas ocorreu no terceiro final de semana de fevereiro. Seis pessoas se deslocaram cerca de 80km de Brasília para plantarem mudas. No local escolhido, a Reserva Ecológica Cachoeirinha, são semeadas entre 15 e 20 mil sementes por ano. "Só em 2003 já plantamos umas 700 de Barus e Jatobá da Mata. Desde que começamos este trabalho recuperamos quase todas as nascentes ameaçadas", comemora o proprietário da área e professor aposentado da Universidade Federal de Uberlândia, Jacy Pereira Guimarães.

Jacy conta que o terreno "estava degradado" até 30 anos. Das seis nascentes originais, quatro permanecem jorrando. O plantio foi a forma encontrada para restabelecer o abastecimento do lençol freático em Cachoeirinha, terreno com 131 hectares sendo 58,5 RPPN. A fauna também tem sido favorecida pela atuação dos patrulheiros. São 38 espécies identificadas, onde se incluem lobos, raposas, paca, lontra e macacos, por exemplo. "Dos três tipos de macacos, só vemos um. Tatu, mutum e ema desapareceram. Mas percebemos que os animais estão se multiplicando", constata Jacy.

A recuperação de nascentes inclui também um antigo brejo localizado à beira do Lago Paranoá e de uma ponte com tráfego intenso. Conhecida como Ponta Verde, a área esteve perto de ser tornar um grande gramado em meados da década de 80. Graças à atuação da ONG ainda hoje mantém intacta duas nascente que abastecem um parque próximo, o Olhos D'água, e possui mais de 200 espécies nativas, como Ingá, Buriti, Quaresmeira, Pata de Vaca e Guapuruvu.

"Depois que concluíram a ponte restou um pedaço de brejo. Quiseram aterrar, mas a Patrulha não deixou. Estamos cuidando dele, um rico ecossistema bastante recuperado e totalmente preservado. Ali tem até Buriti, uma espécie muito complicada para se reproduzir naquelas condições", destaca o consultor técnico Kunze Bastos, 53 anos. Em março, Kunze ministrou um curso sobre animais peçonhentos do Cerrado para membros da Patrulha e não associados.

"Sabemos que a limpeza de um rio resolverá momentaneamente um problema. Ela em si é secundária, mas são em atividades como estas, que podemos reunir pessoas e torná-las multiplicadoras. Estamos incutindo princípios em novas e futuras gerações. A divulgação deste trabalho é tão importante quanto sua execução", considera Kunze.

A ONG sobrevive por meio de doações dos voluntários associados. Pouco mais de 40 deles tem contribuído mensalmente com valores variando em média entre R$10 e R$ 15, enquanto o restante colabora durante as atividades de limpeza de rios, proteção de nascentes, combate a incêndios e produção de artesanatos com material reciclável. O valor das contribuições é utilizado na manutenção e nas despesas administrativas (contas, aluguel, equipamentos).

"Foi um patrulheiro que me convidou a participar. Sempre defendi o meio ambiente, uma preocupação nata. Vejo que há muita coisa para ser feita pela natureza, seja ela animal, vegetal ou mineral. Gosto de me envolver com as tarefas e ajudar a organizar a programação. Sinto apenas que muitos que gostam e podem ajudar não percebem que o pouco que têm a oferecer pode repercutir positivamente na vida de todos", declara Beatriz Agostín, 57 anos, uma dedicada e apaixonada patrulheira.
Mais informações: www.patrulhaecológica.org.br – fone (61) 4476625

MIñGAU ecológico
Esse MIñGAU não vai acabar em pizza
O Movimento Infantil Guardiões das Águas do Universo completa três anos e
congrega mais de cem crianças em torno de iniciativas para preservar a vida na Terra

Por Márcia Turcato, de Brasília
[email protected]
Diante da possibilidade iminente de um futuro sem água potável no planeta,
a pequena Maria Lívia Cabral, então com 8 anos de idade, criou o que podemos chamar de um prato cheio: o MIñGAU, assim mesmo, com um acento til transgressor. Trata-se de uma organização não governamental (Ong), formada só por crianças, com a missão de incentivá-las a cobrar dos adultos as garantias com as quais deverão contar as novas gerações para evitar que a água acabe. O MIñGAU – Movimento Infantil Guardiães das Águas do Universo, nasceu em janeiro de 2000 em São José dos Campos, em São Paulo, mês do aniversário de Maria Lívia, regida pelo signo da Terra. A menina resolveu criar a onguinha, como é chamado o MIñGAU, depois de participar de uma reunião em uma organização ecológica com os pais, Carlos e Rose, que são do Instituto Águas do Prata (IAP). "Fui um mês na reunião e eles falavam sobre um monte de coisas que iriam fazer e quando voltavam no outro mês não tinham feito nada. Foi aí que vi que os adultos só prometem e não cumprem, por isso resolvi criar o MIñGAU e chamar as crianças para trabalharem", revela a ambientalista mirim. Pelo trabalho realizado e pela disposição da criançada, dá para sentir que esse Miñgau não vai acabar em pizza.

No ano de sua fundação, o MIñGAU foi o porta-voz das crianças em um debate sobre o futuro da água em Brasília, e não parou mais. Com o apoio da família, de professores e da comunidade, Maria Lívia foi atrás de crianças como ela para construir uma agenda de atividades para a ong: realizou oficinas para o aproveitamento de resíduos, conseguiu espaço na Nova Rádio Campos do Jordão, 1.340 Khz, aos sábados, das 11h às 12h, e com reprise às quartas-feiras, para o programa Criança Feliz, que estreou em fevereiro com a novela ecológica “O Olho D'Água Chorou”, e realiza campanhas para arrecadação e distribuição de alimentos.

A novela “O Olho D'Água Chorou” é uma fábula ambientada na própria cidade de Campos do Jordão, tendo o rio Capivari como cenário e uma truta como personagem principal. Acidentalmente, a truta escapa do viveiro onde é criada e acaba presa nas águas rasas e poluídas do rio. Para saber como a história termina, sintonize nos 1.340 Khz da Nova Rádio Campos do Jordão.

Tanta dedicação fez com seu nome fosse sugerido por um grupo de ambientalistas para receber homenagem em cerimônia no Palácio do Planalto, em 07 de abril, quando se comemora o Dia Mundial da Saúde, que este ano tem como tema "O futuro da vida: ambientes saudáveis para as crianças". Outras cinco instituições mirins, incluindo a Patrulha Ecológica, também receberão homenagem em Brasília e a medalha pelos 100 anos da Organização Pan-Americana de Saúde.

Em 2001, em parceria com a professora Sílvia Patto, Maria Lívia ampliou sua atuação na área da educação, estruturada em ferramentas ambientais aperfeiçoadas para o público infantil, na forma de fábulas ecológicas, e criando um projeto para explorar simultaneamente a alfabetização e a consciência ecológica. Dessa iniciativa surgiram os primeiros agentes multiplicadores infantis, que levavam o conhecimento adquirido às suas famílias.

Em 2002, participou do "SOS Águas do Brasil", realizado às margens do Riacho do Ipiranga, um símbolo nacional. Na ocasião, Maria Lívia atraiu a atenção dos presentes ao perguntar: “Onde estão as margens plácidas?”. Continuando com a busca por um meio ambiente em equilíbrio, também participou do projeto institucional “Círio de Amor às Águas”, desafiando os adultos presentes e conscientizando a platéia com relação a fundamentos de biodinâmica essenciais para a obtenção de um meio ambiente ecologicamente saudável.

ENTREVISTA – Maria Lívia Cabral
Folha do Meio – Qual o seu signo?
Maria Lívia –
Nasci em 5 de janeiro. Sou Capricórnio, o signo da Terra.

FMA- Você acredita que o seu signo possa ter influência no seu comportamento?
Maria Lívia –
Claro! É o signo da Terra, a influência é grande.

FMA- Você tem algum ídolo na luta ambiental?
Maria Lívia –
Tem muita gente que me inspira e me ajuda, principalmente aqui em Campos do Jordão. Prefiro não mencionar.

FMA- Por que você resolveu criar a ONG?
Maria Lívia –
Era hora de tomar uma decisão. Eu ouvia os adultos só prometerem e não cumprirem com nada.

FMA- De onde você tirou essa idéia original da sigla MIñGAU?
Maria Lívia –
Por lembrar criança, papinha, coisas gostosas. Só depois de criarmos a ong é que fomos ver qual poderia ser a sigla, e deu certo: são as iniciais do nome do Movimento.

FMA – Como você consegue ser ativista e conciliar os estudos?
Maria Lívia –
É dureza. Quando tenho entrevistas ou outros compromissos, meus pais agendam em horários que não prejudiquem a escola.

FMA – Você é boa aluna, qual a média de suas notas?
Maria Lívia –
Eu acho que sou boa sim. As médias variam de 8,5 a 9,0.

FMA – Qual a matéria que você mais gosta?
Maria Lívia – Geografia e Ciências, tem tudo a ver com meio ambiente.

FMA – Você já sabe qual faculdade vai cursar?
Maria Lívia –
Ainda tenho dúvidas. Já pensei em Biologia, para desenvolver trabalhos ligados a natureza; Geologia, para estudar a origem do universo, mas também penso em Arqueologia, para conhecer a história das civilizações.

FMA – O que você acha da sua família, é uma família ecológica?
Maria Lívia –
É uma família muito louca, diferente das outras e muito ecológica. Comigo somos em quatro: papai, mamãe e o mano. Temos um cachorro, o Simba.

FMA – O que você pensa sobre a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque?
Maria Lívia –
Eu acho muito ruim. Eu sou da paz, o MIñGAU é da paz. Sinto que no futuro eles poderão guerrear também pela nossa água.

Estudantes de São Lourenço adotam rio Verde
Alunos do Centro Educacional e da Faculdade de Turismo Santa Marta implantam
projeto para limpar o rio Verde e integrá-lo às alternativas de turismo da região

Valéria Fernandes, de São Lourenço
O mundo se prepara para, em 2003, comemorar o Ano Internacional da Água Doce. No sul de Minas Gerais, onde as montanhas que formam a serra da Mantiqueira abrigam inúmeras nascentes, população, ambientalistas e
autoridades intensificam debates e campanhas que visam a preservação e a recuperação dos rios que correm pela região. Em São Lourenço, local de muitas fontes de águas minerais naturalmente gasosas, entre elas a considerada, em pesquisa recente realizada pela revista VIP, a melhor do mundo, a comunidade se mobiliza para a recuperação do rio Verde, que banha e abastece o município.

Não tão poluído como o Tietê e o Pinheiros, em São Paulo, ou como o ribeirão Arruda, em Belo Horizonte, o rio Verde corria esquecido por dentro da cidade, recebendo esgoto e tendo as margens agredidas com desmatamentos e invasões.
Há dois anos ele reagiu e transbordou como nunca, inundando todas as cidades da região. A sociedade sanlourenciana, assustada com a enchente e com a possibilidade de infiltração do esgoto para as fontes de água, se uniu em campanhas diversas para preservar a maior riqueza da região: as águas minerais.

Conscientização
O Centro Educacional Santa Marta-Objetivo, adotou um trecho de 3 mil metros quadrados na margem direita do rio, dentro da cidade e em frente de um dos principais pontos turísticos, o teleférico. A área vem sendo limpa, cercada e revegetada com árvores ornamentais e frutíferas, de acordo com projeto do engenheiro agrônomo Roberto Carneiro. Um grupo de 24 alunos já fez um mutirão de limpeza no local. Recolheram papéis, embalagens de plásticos, maços e bingas de cigarro das margens. Na água, encontraram sofá, fogão, pedaços de telhas e também plásticos, latas e garrafas.
O trabalho deixou todos impressionados, revoltados e decididos a desenvolver, no início do ano que vem, um trabalho de conscientização. "Não adianta falar em salvar a Amazônia se a gente não salva nem o rio da cidade da gente", disse o estudante Flávio Campos.

Impressionado e com um saco cheio de entulho que recolheu, Danilo Ribeiro Peixoto, era um dos mais animados a dar continuidade ao projeto: "É preciso conscientizar as pessoas, falar com elas. Não se pode sujar e maltratar o rio desse jeito".
A adoção da área de 3 mil metros quadrados é resultado do projeto “Rio que te quero Verde”, que levou os alunos do ensino médio da escola a navegarem pelo rio Verde e a fazerem uma expedição por terra até bem próximo a nascente do rio, em Passa Quatro, estudando as margens e colhendo amostras da água.

A idéia inicial previa uma caminhada pela trilha que corta o Parque da Floresta Nacional, em Passa Quatro, até a nascente, na divisa com o município de Itanhandu, a cerca de 2.600 metros de altitude. Mas, da mesma forma que o leito do rio sofreu com o assoreamento e a queda de árvores, a enchente do ano 2000 também deixou suas marcas na trilha. Diante dos limites impostos pela natureza, a expedição por terra foi até a represa de uma antiga usina hidrelétrica – palco de guerrilhas na revolução de 1930 – que abastecia de água e energia pequenas comunidades agrícolas, onde destacava-se o cultivo da batata. Na represa a água é limpa e convidativa. O rio chega rolando pelas pedras, encachoeirado, oferecendo-se para matar a sede e para refrescar.

No caminho até a represa, no entanto, a expedição cruzou vales e várzeas. Um conjunto de relevo que resulta em lindas paisagens mas que abriga grande número de granjas. E esses empreendimentos, mais próximos das cidades, já alteram a cor verde e clara do rio, com esgoto e restos de ração.
À medida que o grupo se afasta em direção ao alto da serra e da área de preservação, o rio fica livre dos resíduos. No alto da serra da Mantiqueira, entre os municípios de Itanhandu e Passa Quatro, a água é limpa e o rio corre verde até encontrar os primeiros dos 31 municípios que banha, antes de desaguar no Rio Grande, que abastece a a represa de Furnas.

O rio Verde
O rio Verde tem 220 quilômetros de extensão, da nascente, a 2.600 metros de altitude na divisa de Itanhandu com Passa Quatro, até o rio Grande, perto de Varginha. Suas águas vão, com o Grande, para a represa de Furnas. Nesse percurso passa por 31 municípios e suas águas se tornam mais poluídas depois que sai de São Lourenço. Até a estância hidromineral dá para perceber que ele está mal tratado, mas também que é perfeitamente recuperável. A entidade SOS Rio Verde existe desde o início da década de 90. Já promoveu 13 barqueatas ecológicas, soltando milhares de alevinos, conscientizando a população da cidade para a necessidade de preservar o rio, tanto para garantir a qualidade da água consumida como para explorá-lo turisticamente. Segundo o fundador e presidente da ONG, Luiz Antônio Tavares, a SOS Rio Verde também já promoveu mutirões para recolher lixo e plantar mudas de árvores na mata ciliar. "A situação está ruim, mas já foi bem pior", informou o ambientalista.

Rio Verde despoluído aumenta potencial turístico da região
A barqueata de alunos e professores descobre belezas e tristeza às margens do rio Verde

A descida em barqueata pelo leito do rio Verde foi feita no trecho de 33 quilômetros entre o município de São Sebastião do Rio Verde e São Lourenço. O percurso durou quase cinco horas e os alunos tiveram a companhia de ambientalistas da SOS Rio Verde, Defesa Civil, Polícia do Meio Ambiente e técnicos do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE).
Em São Sebastião, o rio Verde corre quase todo coberto por grandes árvores que se debruçam sobre o leito, formando um túnel. A água, verde intensa, por causa do reflexo das árvores, parece limpa e pouco se vê de lixo retido nas margens. Mas em toda a extensão do rio, lixo é praticamente sinônimo de garrafas PET. Elas sempre aparecem em alguma curva.

Pontos de areia
A medida que se afasta de Pouso Alto, as árvores vão ficando escassas e começam a aparecer os portos de areia. Pelo menos seis dragas operam, retirando areia do fundo do rio, no trecho entre São Sebastião e São Lourenço.

Vinte quilômetros abaixo de São Sebastião, o rio já é outro. O verde da água não é tão intenso. O leito parece mais largo, porque as margens foram desmatadas. Segundo o professor José Roberto, de Geografia, deram lugar as pastagens. Ali, a enxurrada passou, alargando o leito, derrubando as margens desprotegidas. No trecho entre Pouso Alto e São Lourenço, quatro afluentes desaguam no rio Verde. O acúmulo de lixo preso aos galhos e retido pelas curvas aumenta. Ainda assim ele é bonito. Garças, anús, falcões e outras tantas espécies de pássaros coloridos sobrevoam o rio. Não se vê peixe,

Água Mineral

Minas discute exploração de água mineral

2 de fevereiro de 2004

Técnicos e ambientalistas continuam na luta para fazer da água mineral um recurso hídrico nobre e não um minério qualquer

 


O Brasil comercializa anualmente 3,5 bilhões de litros de água mineral e a projeção é encerrar 2002 com quase 5 bilhões de litros. O consumo de água mineral no Brasil é de 20,7 litros per capita, enquanto na Itália é de 108,6, na França é de 105,3 e nos Estados Unidos de 42,1. O avanço na exploração da água mineral e, sobretudo a superexploração, como acontece em São Lourenço, tem preocupado o governo, ambientalistas e os habitantes da região. Considerada como minério, a água mineral continua sendo concessão de lavra, regulada e fiscalizada pelo Ministério das Minas e Energia, sob a responsabilidade do DNPM. A reivindicação é questão de bom senso: que ela seja recurso hídrico e fique sob a responsabilidade
da Agência Nacional de Águas.


Foi realizado em Caxambu, MG, o II Simpósio de Águas Minerais, organizado pelas regionais mineiras das Associações Brasileiras de Águas Subterrâneas (Abas-MG) e de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-MG), com a participação de autoridades governamentais, empresários, ambientalistas e movimentos de cidadania. Após o encontro foi divulgado um documento com 11 sugestões para exploração adequada águas minerais e preservação das fontes brasileiras, chamado A Carta de Caxambu.


A questão que mais gerou polêmica, como sempre, foi o tratamento dado à água mineral pela legislação brasileira. Ela é considerada como bem ambiental e mineral, mas ainda não é reconhecida como recurso hídrico. A exploração é autorizada e fiscalizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). A maior parte dos participantes, incluindo os representantes a Agência Nacional de Águas (ANA), Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), defende uma mudança no paradigma para que a água mineral possa ser incluída dentro da Política Nacional de Recursos Hídricos.


Presente no simpósio, o Movimento Cidadania pelas Águas de São Lourenço defendeu controle na exploração de águas minerais, para garantir a preservação dos mananciais. “É preciso resgatar e valorizar o modelo da água de grife, destinada a abastecer um mercado mais seleto e não a exploração de massa que coloca em risco nossas fontes”, justificou o vereador da cidade e membro do movimento, Cássio Mendes.


Outra grande polêmica que ocupou muitos dos debates foi a exploração que a Nestlé faz do Poço Primavera, em São Lourenço. A empresa faz a exploração da água, retira todos os seus minerais naturais e injeta sais para produzir a água Pure Life. O representante da empresa, Marcelo Marques, foi duramente questionado sobre o assunto. A empresa enfrenta uma ação civil impetrada pelo Ministério Público da cidade.


CARTA DO II SIMPÓSIO DE ÁGUAS MINERAIS


Para que a exploração das águas minerais seja efetuada
de forma sustentável, o II Simpósio de Águas Minerais recomenda:


1) Seja elaborado estudo hidrogelógico detalhado na área de ocorrência de água mineral e em seu entorno, que deverá ser conduzido de modo a permitir o conhecimento do modelo conceitual do sistema hidromineral (zonas de recarga, mecanismos de circulação e descarga), as interações com outros aquíferos ou corpos de água superficial lóticos ou lênticos, recursos qualitativos e quantitativos e a vulnerabilidade e riscos de contaminação e poluição


2) O estabelecimento do volume passível de ser captado, sem que haja o comprometimento do aqüífero, seja estabelecido a partir da quantificação dos recursos renováveis com base em monitoramentos de níveis piezométricos, de vazões de cursos d}água, na determinação da dinâmica de fluxo e no tempo de residência das águas


3) A determinação da vazão ideal de explotação e da extensão da área de influência seja feita a partir de ensaios de vazão escalonados e de longa duração, mantendo os níveis dinâmicos estabilizados e em regime de fluxo laminar. É importante o controle da influência da extração de água e do rebaixamento na temperatura nas características químicas, na qualidade bacteriológica da água e da presença de gases


4) Sejam estabelecidos programas sistemáticos e contínuos de monitoramento da qualidade da água, das vazões das captações (poços tubulares e nascentes) e dos níveis estático e dinâmico


5) Sejam desenvolvidos programas para a proteção e conservação do sistema hídrico mineral


6) Devem ser realizados estudos quantitativos dos recursos dos sistemas aqüíferos visando definir limites de explotação


7) Deve ser evitado o bombeamento contínuo das captações


8) Devem ser criados mecanismos legais de penalidades para os proprietários de obras de captação que vierem a ser abandonadas em desacordo com as normas para a proteção dos aqüíferos quanto à poluição


9) Sejam promovidos programas de educação ambiental junto à sociedade civil organizada, contemplando aspectos dos recursos hídricos subterrâneos e dos sistemas hidrogeológicos em que se inserem as águas minerais


10) Sejam promovidos debates/estudos que abordem aspectos estratégicos e geopolíticos do mercado de águas minerais


11) Sejam exigidas audiências públicas para licenciamento ambiental de captação de águas minerais nas estâncias hidrominerais