Os condomínios irregulares
26 de fevereiro de 2004Os assentamentos estão justamente nas áreas de recarga que abastecem os lençóis freáticos
De longe, o Lago Paranoá causa a impressão de fartura de água em Brasília. De perto, as muitas nascentes alimentam esta miragem. Olhando em volta, água desce morro, lagos se espalham, rios correm e as cachoeiras convidam ao mergulho. O fato, porém, é que aqui a água é pouca. Ela é boa, mas pouca. De acordo com a lei, as águas subterrâneas são de domínio da União. É preciso autorização do Governo para utilizá-las. Debaixo da terra a água fica em dois tipos de bolsões, ou lençóis. O mais profundo, o lençol subterrâneo, é também chamado de aqüífero. As águas do aqüífero podem ser captadas furando um poço profundo, o artesiano. No Distrito Federal, um poço artesiano pega esta água geralmente na faixa de 100 a 150 metros de profundidade. Esse grande balde d'água guarda mistérios. Por exemplo, quanto tempo demora uma gota d'água de chuva para cair na terra e chegar até ele? No DF não se sabe, mas na Arábia Saudita conseguiram descobrir que as águas de um determinado aqüífero tinham 300 anos. Mais perto da superfície fica outro bolsão de água, o lençol poroso, também chamado de freático. O que escapa do freático, 12%, vai para o aqüífero. O lençol freático, que se encontra, em média, a 3 metros de profundidade, chega a aflorar em alguns pontos do DF (são as nascentes), principalmente na época das chuvas. Cacimbas ou cisternas pegam água dele. A fossa e a cacimba Água muita, neste caso, pode ser problema. Em São Sebastião, uma das cidades do DF, o lençol freático está praticamente aflorando na superfície. Ali se constataram casos de cisternas contaminadas por coliformes fecais por terem sido construídas próximas de fossas. Nem sempre o morador consegue escapar deste problema. Às vezes o terreno é tão pequeno que não há como fazer o espaçamento entre a fossa e a cacimba. A farra dos poços artesianos Governo de Brasília só tem controle sobre 10% dos poços artesianos existentes no DF Tanto o aqüífero quanto o lençol freático são duas grandes panelas que estão sempre acumulando e liberando água. Mas tudo tem limites. A panela tem um tamanho, e se for tirada mais água que sua capacidade de acumulação, uma hora vai faltar. O problema passa pelos condomínios rurais de muitas cidades brasileiras e também pelo Distrito Federal. Estima-se que existam 500 condomínios no DF, com uma população em torno de 200 mil pessoas. São lotes urbanos, todos atendidos com água subterrânea. De acordo com Rodrigo Dolabella, diretor de outorga, cobrança, licenciamento e fiscalização de recursos hídricos da Secretária de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Semarh, este é um dos graves problemas do DF. "Nosso aqüífero é pequeno", diz Rodrigo, "e já estamos localizando problemas". Rodrigo informa que, conforme monitoramento da Semarh, nos últimos anos alguns poços têm reduzido sua vazão. Tal fato foi constatado nos condomínios localizados na Chapada da Contagem, em Sobradinho, onde se concentra 80% dos condomínios do DF, e nas proximidades da Escola Fazendária. Alguns poços reduziram sua produção à metade. Pouco controle A Semarh considera que existam 6 mil poços artesianos em todo DF, e afirma que só tem controle sobre 10% deste total. O número de poços irregulares, porém, deve ser bem maior – basta observar o centro da cidade. No Lago Sul e Lago Norte, por exemplo, há centenas de poços artesianos nas residências, hotéis e comércio. A solução encontrada pelo Governo Roriz foi a legalização dos poços irregulares. Nos próximos dias o Governo publica decreto de regulamentação, mas só daqueles que não se destinam ao uso doméstico. Hotéis e restaurantes continuarão sem poder furar seus poços, mas o comércio de veículos ou plantas, está liberado. Certamente tal medida não irá resolver o problema; pelo contrário vários comerciantes se sentirão animados a furar poços sabendo que pagarão menos pela água. Sem contar a multiplicação dos "gatos", as ligações clandestinas vão proliferar. Conforme a legislação, onde há serviço de água da Caesb é proibido furar poço. Mas em Brasília pouca gente obedece. E falta gente para fiscalizar – a equipe se resume a três pessoas, incluindo o próprio Rodrigo. O fato é que, numa terra onde as grilagens são escancaradas e os condomínios aparecem da noite para o dia, é interessante para alguns que a fiscalização seja ineficiente. Aquífero do DF O grande lençol aqüífero do DF, por motivos geológicos, se encontra num círculo que passa, pelo Posto Colorado (nas proximidades de Sobradinho), Chapada da Contagem, segue até a Escola Fazendária, continua no Gama, depois Santo Antonio Descoberto, Núcleo Rural Lago Oeste (ao lado do Parque Nacional de Brasília), e o Colorado novamente. São terras onde ocorre muito quartzito, rocha que facilita o acúmulo de água. A área de recarga A Chapada da Contagem, onde estão a maioria dos condomínios requer cuidados especiais porque, diz Rodrigo, "é uma área de recarga, onde se abastecem os lençóis aqüíferos". Muitos condomínios fazem a impermeabilização do solo (com construções, estradas de asfalto) impedindo que a água se infiltre no solo. A água escorre sobre a superfície e acaba provocando erosões mais adiante. Em alguns condomínios, onde falta conscientização ambiental dos moradores, o problema também é de desperdício: como o morador paga uma taxa que independente da quantidade que usa, a tendência é abusar, desperdiçando muita água. Poços artesianos A concentração dos condomínios leva a concentração dos poços e isto também é problema. Porque pode ocorrer, naturalmente a super-explotação (o mesmo que "superexploração"). Isto é, tira-se mais água do que o aqüífero pode repor em sua panela. Resultado: a vazão diminui. O gerente de fiscalização da Semarh, José Aquiles Leal, informa que muitos condomínios têm procurado o órgão para regularizar seus poços. Uma parte por conscientização, mas a maioria porque é uma forma também de se legitimarem junto ao Governo do Distrito Federal. A Semarh cobra taxas mensais, e instala hidrômetros. Os moradores têm seus hidrômetros individuais e pagarão taxas conforme a quantidade de água que utilizam. O lençol aqüífero do DF é pequeno se comparado aos de regiões no Nordeste ou no Sul. Um poço artesiano no DF tem a vazão média de 5 mil litros por hora.
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