Renascer das Águas

Mais de 600 nascentes do Entorno do DF secaram

26 de fevereiro de 2004

Nasce em Brasília movimento para revitalizar mananciais, combatendo o desmatamento, a erosão e a ocupação em locais inadequados

O Brasil é dono (por enquanto) de 12% do estoque mundial de água doce. 
Mas é um dos que mais desperdiçam água no mundo.


 

 


Professor Jacy Guimarães ladeado pelo secretário de Educação
  de Santo Antônio do Descoberto, Adão Salmeirão, pelo Prefeito 
Moacyr Machado e pelo secretário de Meio Ambiente, Flávio Sena 

 

Cerca de 400 nascentes de rios simplesmente desapareceram nos últimos dois anos na região do entorno do município de Unaí, noroeste de Minas Gerais, a 168 quilômetros de Brasília. A denúncia foi feita pelo secretário municipal do Meio Ambiente de Santo Antônio do Descoberto (GO), Flávio Sena. O presidente da Associação Amigos da Cachoeirinha, professor Jacy Guimarães, informou que em apenas um ano, segundo estimativas preliminares de entidades ambientalistas, cerca de 200 fontes de regiões próximas a Santo Antônio também secaram. O Secretário Sena aponta como causas da crescente extinção de nascentes os métodos ainda coloniais empregados pela maioria dos proprietários de grandes áreas no manejo de suas terras e a falta de consciência das comunidades que vivem dos mananciais ou próximas deles. O professor Jacy Guimarães queixou-se do retardamento de políticas que direcionem mais recursos para a educação ambiental.

Por um fio – Para reverter essa situação, o professor Jacy resolveu liderar um movimento de recuperação de nascentes com, segundo afirmou, "a cara e a coragem", diante das dificuldades de obtenção de recursos para implementação dos projetos da entidade. O primeiro passo foi dado no início de fevereiro, com o lançamento da campanha de salvamento do córrego Antônio Braga, cuja nascente está por um fio. 

Tomada por uma gigantesca erosão de quase meio quilômetro de extensão, a área próxima à nascente exibe uma cratera que tem, nos pontos mais críticos, largura de cerca de 40 metros e em alguns trechos o assoreamento do riacho deixou um rastro de devastação. A razão principal pelo fim das nascentes é uma só: a substituição da vegetação nativa por pasto. Para se ter uma idéia das conseqüências dessa prática, um dos buracos formados pelas enxurradas nas cercanias da nascente do Antônio Braga chega a medir quase 8 metros de profundidade. 


O abraço da população significa uma tomada de consciência 
contra a erosão. De mãos dadas com as autoridades de Santo 
Antônio do Descoberto, a comunidade promete agir
  em defesa do meio ambiente

O professor Jacy Guimarães e seu grupo pretendem, entre outras atividades, conscientizar proprietários de terras, políticos e a comunidade em geral para a necessidade de preservação das nascentes dos rios, sob pena de, com a alteração do ecossistema, verem reduzidos os recursos econômicos e a própria qualidade de vida. O movimento, que tem nos Amigos da Cachoeirinha o órgão aglutinador do voluntariado, vai ensinar como manter as reservas de água sob a terra e orientar os usuários a preservar o ambiente ao longo das margens dos riachos desde suas nascentes.

Mil mudas

Com a participação de moradores, do Prefeito de Santo Antônio do Descoberto, Moacir Machado, e de secretários do Município, o grupo do professor Jacy, apoiado por entidades ambientalistas e de membros da Patrulha Ecológica, resolveu iniciar o "Projeto Renascer das Águas" com o plantio de mudas das árvores capazes de reter água sob a terra. O objetivo da campanha é o plantio de mil mudas de árvores nativas. 

Para começar, foram plantadas mudas de ingá, imbaúba, palmito doce, buriti, oiti e guapuruvu. Além disso, já estão sendo produzidas centenas de mudas de araticum, pau-terra e sangue-de-veado. A idéia é realizar, na época das chuvas, diversos mutirões que contarão com a participação das escolas locais, para tentar reverter o processo de desertificação em torno da mina do riacho Antônio Braga. 

Até a UNB entrou no mutirão para salvar nascentes


A nascente principal do riacho Antônio Braga secou. 
É apenas mais um buraco na rocha

Falta de apoio

O marco para o início da recuperação do riacho foi, além do plantio, o descerramento da placa com as inscrições "Protegendo a água para esta e para as futuras gerações". Na ocasião, o professor Jacy lamentou que nenhum dos cinco projetos que enviou para Brasília e Goiânia tenha sido aprovado sob a alegação de que não havia recursos para o financiamento das propostas da Associação. 

Entusiasmado com o projeto que está implantando "na marra" nas nascentes do Santo Antônio, Jacy Guimarães convidou dona Maria Pereira Braga, filha do descobridor da nascente, Antônio Braga, cujo nome batizou o riacho, e sua filha, Rachel, ela mesma incansável na produção de mudas para plantio visando a retenção de água nas proximidades das nascentes. Segundo dona Maria, o processo de degradação das nascentes no município vem ocorrendo nos últimos 80 anos. Mas há quem afirme que nos últimos 10 anos é que a situação vem se tornando crítica. 

Compromisso

O prefeito Moacir Machado comprometeu-se com a concessão das curvas de nível e a instalação de parte das cercas na área, que agora passa a ser preservada, e o arado para resgatar a configuração anterior do terreno em volta da nascente. Machado reconheceu que a situação é muito séria e admitiu que não é nenhum especialista no tema, mas esclareceu: "não estou aqui como curioso. Queremos fazer a nossa parte porque é a nossa obrigação". O prefeito alertou para a falta de recursos do município para um apoio maior, mas lembrou que a prefeitura tem interesse em acompanhar os trabalhos e promover orientação técnica. Para isso, colocou seu secretário de meio ambiente á disposição das entidades.

Para provar sua disposição, ele afirmou que, ao contrário do que ocorrera nas gestões anteriores, o município tem, pela primeira vez em sua história, uma Secretaria do Meio Ambiente. O Secretário Flávio Sena fez questão de salientar que o município já conseguiu o apoio da Universidade de Brasília (UnB) para a instalação e implementação de um laboratório de análise ambiental. Ele anunciou a elaboração de um projeto de auto-sustentabilidade das entidades ambientalistas como a Associação Amigos da Cachoeirinha. Sena garante que o início de um trabalho para a implantação de uma boa política para o setor é a educação ambiental junto aos proprietários de terras, entidades privadas e as escolas.

O secretário de educação de Santo Antônio, Adão Salmeirão, disse que irá colaborar na conscientização dos alunos das escolas locais e afirmou que não pode inserir o tema na grade curricular normal, como matéria específica, mas que vai seguir a política do MEC para esses casos, fazendo incluir o meio-ambiente no conjunto que compõe o "currículo transversal". Nesta hipótese, caberá aos professores de geografia a transmissão das informações sobre os problemas ambientais de Santo Antônio do Descoberto e seu entorno.

Mais informações:
(61) 361-1527