Gestão & Saneamento

Saneamento: todo o poder aos municípios

26 de fevereiro de 2004

Já está no Congresso projeto que institui diretrizes nacionais para o saneamento

70 milhões de brasileiros não dispõem de serviço de água
87 milhões não têm serviço de esgoto sanitário e 75 milhões não têm coleta de lixo


     Enviado pelo Presidente da República, com a determinação de tramitar em regime de urgência, já está no Congresso o projeto nª 4.147, de 2001, que institui diretrizes nacionais para o saneamento básico.

O objetivo do projeto, segundo informa o Governo, é criar instrumentos efetivos para a universalização dos serviços, meta que deve ser buscada por todos os níveis de governo e pelos prestadores de serviços.

Como o art. 30 da Constituição define que o município é titular dos serviços de interesse local, 5.100 municípios serão os titulares dos serviços de saneamento. Em apenas 400 municípios, especialmente em aglomerações urbanas, o respectivo Estado será o titular. 

Poder concedente

Como os serviços de interesse local são aqueles em que todos os componentes da infra-estrutura do serviço de saneamento – estações de tratamento, adutoras, redes de distribuição de água e de coleta de esgoto – atendem exclusivamente a um município, estes é que explorarão o serviço.

No caso em que haja pelo menos um componente da infra-estrutura servindo a mais de um município, esclarece o projeto que o respectivo serviço passa a ser de interesse comum. Neste caso, o serviço de saneamento será administrado pelo Estado.

No entanto, nos casos em que predominar o interesse comum, não se anula o interesse local, ou municipal. Por isso, o exercício da titularidade estadual estará condicionado à efetiva participação dos municípios envolvidos em conselho deliberativo que conduzirá o processo decisório relacionado à forma de prestação dos serviços, às metas, tarifas e subsídios.

O projeto estabelece também que, sempre que possível, a prestação de serviços deve ser organizada por bacia hidrográfica, levando em consideração a estrutura da rede urbana.

Para isso, os titulares poderão instituir a gestão associada dos serviços, por meio de consórcios ou associações. Tal gestão ocorrerá por decisão dos titulares dos serviços, cabendo à União dar prioridade à cooperação onde ela for estabelecida.

Regulação e fiscalização

Segundo o projeto, por se tratarem de serviços prestados em regime de monopólio natural, os prestadores dos serviços devem ser regulados e fiscalizados pelo poder público, visando a adequada proteção dos usuários.

Além disso, por envolver investimentos elevados e com largos prazos para amortização, a lei assegurará aos prestadores de serviços a garantia da recuperação dos investimentos realizados, feita principalmente através das tarifas.

Face à natureza específica dos serviços de saneamento, especialmente seu caráter essencial e os impactos desses serviços na saúde pública e no meio ambiente, o projeto define regras complementares à legislação federal de concessões e de licitações para a delegação dos serviços de saneamento básico.

De acordo com o projeto, a regulação e a fiscalização dos serviços serão aplicadas a todos os prestadores de serviços, sejam eles públicos ou privados.

Há a obrigação do estabelecimento de entidade reguladora, dotada de capacidade técnica, autonomia administrativa e financeira, independência decisória e transparência de procedimentos.

São estabelecidas regras gerais para as tarifas, que deverão garantir a sustentabilidade dos serviços e induzir à eficiência. Os reajustes tarifários, no entanto, serão limitados às variações de preços ao consumidor, pelo IPCA, o mesmo índice que mede a inflação oficial.

Concessão

Como o objetivo é a universalização dos serviços, a definição do futuro concessionário em uma licitação não se dará pela maior oferta pela concessão. Ao contrário, o projeto veda a concessão onerosa, de modo que todos os recursos do setor sejam canalizados para a universalização, no menor período de tempo possível.

Segundo o projeto, ganhará a licitação aquele que apresentar a melhor combinação entre antecipação de metas de expansão dos serviços nos primeiros dez anos da concessão e menor tarifa.

Proteção aos usuários

O projeto contém diversos dispositivos que asseguram proteção e concedem direitos aos usuários, entre eles, o direito de obter informações sobre os serviços e de participar na regulação e fiscalização dos mesmos.

Destacam-se duas normas de proteção aos usuários: requerimentos e prazos mínimos para a suspensão dos serviços, em caso do não pagamento de tarifas, e pagamento, pelo prestador dos serviços, de compensação a usuários não atendidos, por falhas nos serviços ou pela não implementação dos mesmos em áreas e prazos previstos.

E o mais importante: fica estabelecida a obrigatoriedade da garantia do atendimento aos mais pobres, inclusive a fixação de metas específicas.

Arma-se uma oposição ao projeto do saneamento

Integrantes da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental, formada por parlamentares e representantes de entidades voltadas à preservação do meio-ambiente, querem que o governo retire a urgência pedida ao Congresso para a tramitação do projeto que institui diretrizes nacionais para o saneamento básico.

O regime de urgência significa que o projeto deverá ser votado em 45 dias corridos, contados a partir de seu envio ao Congresso, que ocorreu no dia 21 de fevereiro último, significando que a matéria, em tramitação na Câmara, teria de ser votada pelos deputados até o dia 7 de abril próximo.

A principal crítica ao projeto é que ele transfere para os Estados a responsabilidade pelo saneamento básico dos municípios de regiões metropolitanas e aglomerados urbanos.

Os parlamentares suspeitam que a intenção do governo é facilitar a privatização das empresas de tratamento de água e coleta de esgotos.

Debate

A intenção dos integrantes da Frente é promover um amplo debate sobre o projeto. Eles pretendem convidar os Ministros Pedro Malan, da Fazenda, José Serra, da Saúde e Ovídio de Angelis, secretário especial de Desenvolvimento Urbano, para debaterem aspectos do projeto relativos à política tarifária, à universalização dos serviços de saneamento e, especialmente, à privatização das empresas públicas, assunto não mencionado no projeto.

Os deputados acham que, privatizadas as empresas de saneamento, o usuário terá de arcar com aumentos abusivos nos preços dos serviços.

Segundo os cálculos do deputado Sérgio Novais, do PSB do Ceará e um dos integrantes da Frente, "o processo de privatização vai elevar para US$ 6 o metro cúbico de água, ou seja, dez mil litros de água poderão custar até R$ 120". 


 


ANA será também a Agência do Saneamento

Além de regular os serviços de saneamento, a ANA vai elaborar manuais, guias e avaliar atendimentos

O projeto institui a Política Nacional de Saneamento, que prevê a definição de metas nacionais e os instrumentos para cooperação da União com os Estados e Municípios, visando a melhoria das condições do saneamento básico.

Segundo os ditames dessa política, a União desenvolverá ações compensatórias e redistributivas, visando a eqüidade na provisão dos serviços, por meio de financiamento de investimentos e de assistência técnica.

A cooperação federal fica, no entanto, condicionada ao cumprimento das diretrizes nacionais, sendo que, para a aplicação de recursos fiscais não onerosos, serão priorizados investimentos que atendem os segmentos de baixa renda, em especial nos municípios mais pobres do país, e o tratamento de esgotos, onde esta ausência cause maior impacto ambiental.

O projeto prevê a criação de um Conselho Nacional de Saneamento, com a participação dos Estados, Municípios, usuários e de agentes representativos da prestação dos serviços.

As ações da ANA

1- Segundo o art. 41 do projeto, a ANA exercerá atividades de coordenação nacional no tocante à regulação dos serviços de saneamento, desenvolvendo um conjunto de atribuições, das quais se destaca a edição de normas e diretrizes nacionais relativas à prestação, delegação e regulação dos serviços de saneamento básico.

2- Outra atribuição da ANA é elaborar guias e manuais para a adequada regulação dos serviços de saneamento básico em todo o país, além de avaliar a prestação dos serviços em nível nacional, com base no Sistema Nacional de Informações em Saneamento.

3- Também é tarefa da ANA avaliar o atendimento das normas contidas na lei pelos titulares e prestadores de serviços, como condição para o desenvolvimento de ações de saneamento básico da União junto aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

4- A ANA poderá ainda oferecer ação mediadora ou arbitral aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos conflitos entre estes ou entre eles e os respectivos concessionários dos serviços de saneamento básico. Essa oferta se dará em caráter voluntário e sujeita à concordância das partes.

Glossário

Saneamento básico: os serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário, que abrangem as atividades e respectivas infra-estruturas e instalações operacionais de captação, adução e tratamento de água bruta, adução, reserva e distribuição de água tratada, coleta, transporte, tratamento e disposição final de esgotos sanitários.

Serviço de saneamento básico de interesse local: aquele cujas atividades, infra-estrutura e instalações operacionais se destinem exclusivamente ao atendimento de um município, integrante ou não de região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião.

Serviço de saneamento básico de interesse comum: aquele em que pelo menos uma das atividades, infra-estruturas ou instalações operacionais se destine ao atendimento de dois ou mais municípios, integrantes ou não de região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, exceto quando decorrentes de gestão associada.

Gestão associada: a associação entre entes federados (União, Estados e Municípios) titulares dos serviços, mediante convênios de cooperação ou consórcios públicos, disciplinados por lei, voltada à prestação dos serviços ou à sua regulação, na forma do Art. 241 da Constituição.

Serviços universalizados: ocorrem quando é assegurado o direito de acesso a toda pessoa, independente de sua condição sócio-econômica, e instituição, qualquer que seja a sua finalidade, aos serviços de saneamento básico, prestados adequadamente em localidades, mediante o pagamento de tarifas.

Localidades: sedes municipais e distritais, vilas, povoados e zonas rurais de expansão urbana, assim definidos pelo IBGE.