O comércio e manejo de animais da fauna brasileira

13 de fevereiro de 2004

O consumo da fauna silvestre é ou não opção para o desenvolvimento sustentável?





Fotos: Fernando Dal’Ava



Capivara, jacaré, tartaruga, cateto, paca, perdizes, codornas e cobras: animais que estão tendo sucesso nos criatórios comerciais


Há outros ganhos que o uso sustentável de espécies da nossa fauna pode proporcionar ao País. Desde 1967, com o Código de Caça, está previsto o estímulo governamental à formação de criadouros de animais silvestres “para fins econômicos e industriais”. A partir de 1990, o Ibama passou a regulamentar o manejo de espécies, para instruírem o cidadão no modo de proceder.





Onde estão os criadouros
O número total de registros de criadouros no Brasil, incluindo os de fins conservacionista e científico, chega a 859, quantidade que vem crescendo principalmente nos últimos três anos. Somente no Piauí e em Sergipe não há sequer um criadouro, para qualquer finalidade que seja. São Paulo (133), Rio Grande do Sul (68) e Mato Grosso (52) são os estados onde existem mais criadouros comerciais. São 495 em todo o país. Os dados, de dezembro de 2000, são da Coordenadoria de Fauna e Flora Silvestre do Ibama, e apontam 89 criadouros de pessoa jurídica e 406 de pessoa física. No Maranhão e no Rio Grande do Norte não há criadouros comerciais registrados.

Grupos de animais criados comercialmente, e a quantidade de criadouros no Brasil
Antas (3), borboletas (2), capivaras (123), catetos/queixadas (23), cervídeos (5), cutias (5), emas (68), jabutis/tigres-d’água (4), jacarés-do-papo-amarelo (3), jacarés-do-pantanal (70), jacarés-tinga (6), pacas (19), passeriformes canoros (12), perdizes e codornas (5), psitacídeos (17), ratões-do-banhado (5), serpentes (veneno) (2), serpentes (animais de estimação) (15), tartarugas-da-amazônia e tracajás (53).


Por meio de portarias específicas (para borboletas, jacaré-do-pantanal, tartaruga e tracajá-da-amazônia, por exemplos) ou, de forma ampla, pela portaria 118 (para cateto, queixada e capivara, entre outros animais), o trabalho foi-se dilatando. A portaria 117 fixa como deve ser feito o comércio do produto.


A capivara e o cateto são espécies muito caçadas, não estão ameaçadas de extinção e são abundantes em todo o Brasil. “Podemos combater a caça clandestina da capivara e do cateto legalizando criatórios. Há tecnologia para criar esses animais em cativeiro. O que o Ibama verifica é o cumprimento do que as normas exigem”, informa Fernando Dal’Ava, coordenador de Gestão do Uso de Espécies da Fauna, do Ibama, em Brasília. A criação de beija-flores para serem vendidos como animais de estimação, por exemplo, ainda não tem um manejo adequado, o que impossibilita a sua legalização. Já os procedimentos para o manejo do canário-da-terra são bem conhecidos e aprovados pelo Ibama. “Todo esse manejo visa ao desenvolvimento sustentável. Ninguém está tirando cotas de animais da natureza. O Ibama autoriza você a ter um plantel inicial, a partir de excedentes de uma determinada localidade ou de zoológicos ou de criatórios ou de confisco do tráfico”, esclarece Dal’Ava.


Sentença de morteOnde recolocar os filhotes de papagaios constantemente apreendidos? Quem sabe onde estavam os ninhos? A verdade é que devolvê-los a locais escolhidos, mesmo que sejam prováveis hábitats, é assinar a sua sentença de morte. O manejo autorizado, portanto, é uma resposta à ação das redes de traficantes. É, ainda, uma ação de proteção à saúde das pessoas. A carne de jacaré comprada ilegalmente não tem, obviamente, inspeção sanitária das secretarias de agricultura. O seu consumo “in natura” é perigoso, enquanto a carne dos criadouros passa, por assim dizer, por um código sanitário.


Eu crio livremente um papagaio africano. Eu não posso criar um papagaio brasileiro? Eu posso comer carne de javali. Posso comer de queixada? Eu posso comer carne de boi indiano. Por que é que eu não posso comer carne de anta? Estas são diferenciações que precisam ser reavaliadas pelos cidadãos que reconheçam os valores falsos que se movem no horizonte da opinião pública. Os padrões de consumo precisam ganhar novos contornos. Um pensamento globalizante requer uma ação local diferenciada. À medida em que o produto nacional é valorizado, ele é conservado.


O conjunto de ações do Ibama ainda é pouco divulgado, mas tem como objetivo disponibilizar os produtos especiais de cada região. Em fevereiro, no Mato Grosso do Sul, vai acontecer o primeiro encontro nacional de criadores de jacaré-do-pantanal. A partir do ano que vem haverá workshops regionais e está em elaboração um plano de manejo específico para a ema, uma tentativa de resposta para o boom do avestruz importado.


A invasão das espécies exóticas“Nós não queremos sair do rol que está dando certo, na parte alimentar. Essa combinação de capivara, cateto, queixada e jacaré, o volume que aí está, não atende ao mercado interno, principalmente o mercado paulista”, diz o coordenador do Ibama. A paca está se juntando a este quarteto na preferência do consumidor que sabe que está consumindo um produto puro, sem hormônios.






“A criação de beija-flores para serem vendidos como animais de estimação, por exemplo, ainda não tem um manejo adequado, o que impossibilita a sua legalização”
Fernando Dal}Ava, coordenador do Ibama


O mercado continua a crescer. Na internet há uma empresa que vende livros e vídeocursos que mostram qual é o empreendimento necessário a cada espécie – www.cpt.com.br -, para que a pessoa saiba com que bicho vai lidar. De clandestino, segundo o Ibama, é notória a saída no Norte do Brasil da carne de jacaré, embalada como manta de pirarucu.


Valorizando o que é nosso, evita-se a importação em dólares de espécies que, ao se disseminarem sem controle, podem dizimar reservas genéticas e espécies nativas necessárias à manutenção do equilíbrio ecológico. Este é outro lado da questão do uso de espécies silvestres que encontra respaldo na Convenção da Biodiversidade, assinada pelo Brasil em 1992, no que concerne aos cuidados com espécies exóticas. “O Ibama proibiu criatórios de javali na bacia do rio Paraguai e na região amazônica porque se o bicho escapa o estrago será grande, sem possibilidade de eliminação”, diz Dal’Ava. Como os búfalos que se instalaram na região amazônica. A reserva biológica do Guaporé, na Ilha de Marajó, está cheia deles.


Há muitos outros exemplos da invasão exógena. A lebre européia, que começando a se reproduzir no Rio Grande do Sul já alcançou o Sudeste, o pardal, a abelha africana, os cavalos indomáveis de Roraima, os três mil cães do Parque Nacional de Brasília, com matilhas de rottweiller expulsando as raposinhas e o lôbo-guará… O bagre africano, um que virou praga nas nossas bacias. Mas as pragas não são apenas de outros continentes, são também de regiões do Brasil, como é o caso do tucunaré amazônico, que se espalhou agressivamente pelos rios do Nordeste.


Mais informações: www.cpt.com.br – MMA: (61) 317-1227 – Ibama: (61) 316-1170



Jacaré (Caiman crocodilus yacare)
Distribuição geográfica: do norte da Argentina ao sul da bacia amazônica. Ocorre principalmente no Pantanal.
Alimentação: podem se alimentar de peixes e outros vertebrados aquáticos, e invertebrados, como caranguejos, caramujos e insetos. A grande novidade em relação à alimentação do jacaré é que, ao contrário de outros crocodilianos, sua dieta é mais influenciada pelo hábitat do que pelo tamanho.
Tamanho: 10-13 cm ao eclodir do ovo. Podem chegar a 2,5-3 metros.
Um fornecedor na Amazônia: Quelônio João Fabre – Alto Guaporé (registro 2-1-1998-0000002-7).


Cateto (Tayassu tajacu)
Distribuição geográfica: América do Norte e do Sul
Descrição: uma espécie de porco selvagem que pode atacar o homem. Apresenta um colar de pelos brancos ao redor do pescoço. O peso do animal adulto varia entre 18 e 25 kg e a altura de 40 a 50 cm. Possui um excelente olfato.
Hábitat: Desde regiões desérticas às florestas tropicais.
Um fornecedor em São Paulo: Empório Silvestre (registro no Ibama 1-35-1997-001345-4).