É hora de driblar a crise de energia

12 de fevereiro de 2004

O Brasil, um país tropical, precisa usar mais a luz natural na sua arquitetura

 







Alguns edifícios de Brasília, com fachadas completamente envidraçadas


Nos últimos tempos, o problema ambiental e as restrições energéticas têm sido discutidos no mundo inteiro, e a questão em voga é: como reduzir o consumo de energia nos edifícios, que provoca impactos ambientais e afeta diretamente o bolso de todo mundo?


No Brasil, a crise de energia deste ano levou a um racionamento que atingiu a maioria da população, e chamou ainda mais a atenção para um problema que vinha sendo relegado a segundo plano. O consumo total de energia no País quase triplicou nos últimos dezoito anos! Hoje, 42% da energia produzida no País é utilizada em edifícios, sendo que 23% deste consumo vai para edifícios residenciais, 11% para edifícios comerciais e 8% para edifícios públicos. Como pode a nossa arquitetura tropical contribuir para reduzir estes consumos, melhorando a qualidade ambiental dos prédios?


Luz natural – A arquitetura tem respostas precisas para isto. Sabe-se hoje que uma construção projetada para ser energeticamente eficiente pode reduzir em até 50% o consumo de energia, comparada a uma construção convencional. Dentre as várias estratégias que podem ser empregadas, uma delas é usar ao máximo a luz natural disponível. A abundância de luz no Brasil é gritante, só não vê quem não quer. E, ironia das ironias, o maior consumo de energia em edifícios comerciais e públicos é a iluminação artificial – quase 50% do total!


Ar condicionado – Em seguida vem o ar condicionado (35%). A enorme quantidade de calor, gerada pela excessiva quantidade de lâmpadas também contribui para o aumento da carga do ar condicionado, que passa a consumir mais energia para retirar esse calor. É bom lembrar que os usos finais de energia para ar condicionado e iluminação são os únicos diretamente dependentes do projeto de arquitetura.


A luz natural, além de contribuir para a redução do consumo de energia, pode melhorar e muito o conforto ambiental interno, especialmente nos locais de trabalho. A luz natural oferece muitas vantagens.






  
Espaços de circulação em centros comerciais de Brasília, com problemas de conforto visual e aumento de calor para o ar condicionado, devido à entrada de luz solar direta


Só para citar algumas:


? A qualidade da iluminação é melhor, pois o olho humano desenvolveu-se com a luz natural


? A constante mudança da quantidade de luz natural é favorável, pois proporciona um efeito estimulante aos ambientes


? Permite valores mais altos de iluminação, se comparados à luz elétrica


? Um bom projeto de iluminação natural pode fornecer a iluminação necessária durante 80/90% das horas de luz diárias, permitindo uma enorme economia de energia em luz artificial


? A luz natural é fornecida por fontes de energia renovável: é o uso mais fácil e óbvio da energia solar!


Nos países tropicais, a luz natural é um recurso que deve ser aproveitado de forma racional. Especialmente nos edifícios públicos e comerciais, onde a luz artificial tem um dos maiores consumos. O que se tem visto, no entanto, são prédios que copiam modelos de outros países, em geral de clima frio. O modismo fala mais alto. Alguns problemas são facilmente identificáveis: excesso de vidros nas fachadas dos edifícios, provocando a entrada de luz solar direta no interior, o que diminui o conforto visual (ofuscamento) aumenta o calor (provocando o famoso “efeito estufa”), obrigando o usuário a proteger-se com a colocação de cortinas, persianas, ou outros dispositivos de proteção solar “improvisada”. Às vezes até mesmo papel. Desta forma, o ambiente fica mais escuro e acaba sendo necessário o uso de luz elétrica. Esta, por sua vez, gera ainda mais calor para o ar condicionado e aumenta seu consumo de energia.







Prédio do Tribunal Superior do Trabalho com brises na fachada (arq. R.Roberto 1979)


Nos grandes centros comerciais e shopping-centers que utilizam aberturas zenitais, também se observa o mesmo problema: as aberturas sem proteção solar permitem a entrada de luz direta no piso e nas vitrines, danificando as mercadorias expostas e gerando desconforto visual devido aos fortes contrastes entre a mancha de luz e as partes escuras.


As vitrines acabam tendo que acender mais luzes para “competir” com o sol, gerando mais calor, o ar condicionado é mais exigido e, como em cascata, o consumo aumenta. É ou não um círculo vicioso


Deve-se ter muito cuidado também ao projetar aberturas zenitais (“skylights”, domos etc), muito utilizadas em centros comerciais para a entrada de luz natural: podem ser usados elementos externos de proteção, que são mais eficientes, pois barram o calor externo, mas que também diminuem a luz do ambiente. É necessário estudar e otimizar o desenho antes da construção, equilibrando de maneira racional a entrada de luz e calor.









Funcionamento do painel prismático: desvio do feixe de luz e/ou bloqueio da luz direta, deixando passar somente a luz difusa


Prateleiras de luz – Existem elementos muito interessantes para ser usados também dentro do edifício, que podem atuar como difusores da luz. As chamadas “prateleiras de luz”, colocadas dentro do edifício, logo abaixo das aberturas zenitais, podem atuar desta forma, direcionando a luz que entra para o teto que, pintado de cores claras, aumenta a reflexão e a claridade resultante.


As prateleiras de luz podem ser fabricadas em gesso, metal ou madeira, pintados de cor clara. Podem ser também utilizadas junto às janelas, ajudando a levar a luz para o fundo dos ambientes.


O mercado internacional oferece muitas novidades no setor de tecnologias para a luz natural: vidros com persianas colocadas internamente, que desviam o feixe de luz direta; painéis prismáticos, que barram a luz solar direta, deixando passar somente a luz difusa e podem também desviar o feixe de luz; e até mesmo vidros com elementos internos cortados a raio laser, que têm esse mesmo efeito. Muitos destes são utilizados há muitos anos em países como a Alemanha, mas não existem no Brasil, dentre outras razões porque os preços são ainda proibitivos.


É importante também o estudo da integração da luz artificial com a luz natural, especialmente em grandes edifícios comerciais e públicos: sistemas inteligentes, com sensores que detectam a quantidade de luz natural disponível, e com base nisto, acendem, aumentam e diminuem o fluxo (“dimming”), ou apagam a luz artificial. Este tipo de tecnologia, apesar do seu custo inicial, é importantíssimo para garantir o equilíbrio e a melhor utilização possível da luz natural.






  
Funcionamento das prateleiras de luz em aberturas zenitais e janelas


E, por fim, é importante que a manutenção do edifício dê uma atenção especial à limpeza das aberturas envidraçadas e superfícies transparentes: afinal, vidro sujo não deixa a luz entrar.


De qualquer forma, mesmo sem aplicar tecnologias muito sofisticadas, é possível fazer um bom uso da luz natural. Algumas dicas simples, que podem ser aplicadas também em prédios residenciais: o uso de cores claras nas paredes e tetos, para refletir a luz; constante manutenção e limpeza dos vidros e superfícies transparentes; esquadrias das janelas (especialmente quando se usam grades) também pintadas de cores claras, para evitar o contraste entre elas e o céu, que gera um efeito visual desagradável.


Mais estudos e pesquisas são necessários, para determinar parâmetros e criar normas para o uso da luz natural no Brasil, o que se refletirá enormemente tanto na eficiência energética dos edifícios, como na qualidade de vida das pessoas que dentro deles trabalham, passeiam, fazem compras ou moram. Sem falar nos ganhos para o meio ambiente como um todo. Não é isso que todos nós queremos?


* Cláudia Amorim é arquiteta formada pela UnB, com doutorado em “Tecnologias Energéticas e Ambientais”.
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GLOSSÁRIO

Abertura zenital – qualquer abertura situada no teto de uma construção, geralmente coberta com vidro ou outro material transparente. São exemplos disto os “skylights” e domos (em forma de cúpula)

Brise soleil – elemento opaco, geralmente colocado na parte externa das aberturas envidraçadas, para bloquear a radiação solar direta


Conforto ambiental – disciplina que estuda os vários parâmetros que contribuem para o bem-estar das pessoas nos ambientes internos. Abrange o conforto visual (iluminação), conforto higrotérmico (temperatura e umidade), conforto acústico (sons) e a qualidade do ar interno (poluentes etc).


Efeito estufa – fenômeno que ocorre nos ambientes internos fechados com vidros e expostos ao sol, devido ao fato de que os vidros aprisionam as radiações térmicas do sol, gerando um aumento da temperatura interna.


Luz natural – luz proveniente do sol. A luz direta é a parte da luz natural que provém diretamente do sol para um local específico, sem ter sido “espalhada”; na luz difusa, o feixe de luz sofre uma difusão, fazendo com que quase a mesma intensidade de luz venha de diferentes direções.


Ofuscamento – condição da visão na qual se cria uma perturbação ou uma redução da capacidade de ver detalhes ou objetos, devido a um forte contraste luminoso ou à excessiva luminosidade dentro do campo de visão do observador.


Qualidade ambiental – a qualidade ambiental dos edifícios considera as relações físicas, materiais e energéticas entre a construção e o ambiente que a circunda; o conforto ambiental interno é um dos parâmetros, juntamente com o consumo energético, o impacto ambiental dos materiais de construção, e outros.