Um mutirão para revitalizar o São Francisco

18 de fevereiro de 2004

Está causando indignação e revolta o estágio de deterioração do lendário rio brasileiro

 






Soraya Ursine


A ponte Marechal Hermes foi construída entre 1912 e 1922 sobre o rio São Francisco, em Pirapora. A estrutura de aço foi fabricada na Bélgica e faria parte do projeto da Central do Brasil para a ligação ferroviária de Minas Gerais ao Pará, atravessando cinco estados. Este projeto, no entanto, foi abandonado, mas a ponte foi utilizada para o transporte de querosene e produtos agrícolas até a década de 60, quando o ramal ferroviário foi desativado. A ponte é utilizada desde então por pedestres e veículos para a travessia entre Pirapora e Buritizeiros


 


A campanha foi encampada pela Federação das Associações Comerciais de Minas Gerais – Federaminas – e também pela Confederação das Associações Comerciais do Brasil, a partir de uma idéia criada por um grupo de executivos da Rede Marketing e Comunicação, de Belo Horizonte. O movimento surge no momento em que o Governo Federal anuncia o Projeto de Conservação e Revitalização da Bacia do Rio São Francisco, no qual serão aplicados R$ 100 milhões, e com o qual poderá integrar suas ações.


Da solenidade de lançamento da campanha, em Pirapora, participaram o ministro do Turismo e Esportes, Carlos Melles, como representante do presidente Fernando Henrique Cardoso, o vice-governador de Minas, Newton Cardoso, os senadores mineiros Arlindo Porto, José de Alencar e Francelino Pereira, 20 deputados federais e dez estaduais, 30 prefeitos dos cinco estados que recebem o rio, além de secretários de estado, dirigentes de associações comerciais, jornalistas brasileiros e estrangeiros e especialistas em Meio Ambiente.


Degradação – Num momento de crise de geração de energia identifica-se que o comprometimento da qualidade e da quantidade das águas do Velho Chico e de seus muitos afluentes começou ainda de forma tímida no início do século passado com os primeiros passos do desenvolvimento industrial brasileiro.






O quadro de degradação se acentuou a partir da década de 60 com a expansão acelerada da base produtiva da indústria, foco gerador de altos níveis de poluição química.


O quadro de degradação se acentuou a partir da década de 60 com a expansão acelerada da base produtiva da indústria, foco gerador de altos níveis de poluição química. Também podem ser identificados outros fatores como a ausência de uma política oficial de educação ambiental junto à população, o processo desenfreado de urbanização e o crescimento predatório da fronteira agropecuária do ponto de vista ambiental.


Na lista ainda está a decisão governamental de construir uma extensa malha rodoviária no país para atender às necessidades de mercado do setor automobilístico. Todas as obras foram realizadas a toque de caixa, sem qualquer preocupação e licenciamento ambiental, o que gerou um elevado número de pontos de erosão e o assoreamento de inúmeros mananciais de água. Com 70% do volume de água do rio São Francisco, Minas Gerais foi bastante atingido por estas obras, pois é o estado com a maior malha rodoviária do país: 31,2 mil quilômetros de estradas federais e estaduais.


Na década de 60 começou a ecoar contra o crescente comprometimento do rio São Francisco e seus afluentes o grito de alerta de técnicos, ambientalistas, da imprensa e da população dos cinco estados que têm o privilégio de receber as águas do Velho Chico – Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.


Proposta – A idéia básica do projeto é unir parceiros oficiais e privados para a implantação de uma política de recuperação e preservação do rio São Francisco e de suas áreas de influência. Como sustentação a esta proposta busca-se obter para todo o conjunto histórico e cultural situado em torno do ‘Velho Chico’ o título de Paisagem Cultural da Humanidade, concedido anualmente pela UNESCO. 






O movimento busca com o título da UNESCO aglutinar forças da sociedade civil, empresarial e governamental para a defesa do Velho Chico.


Uma das exigências da UNESCO para a concessão do título é que sejam tombados os bens históricos e culturais que formam o complexo candidato e que, no caso do São Francisco, situa-se ao longo dos quase 3 mil quilômetros do rio. “O tombamento dos bens terá de ser executado pelo poder público e a inscrição da candidatura junto a UNESCO pelos ministérios da Cultura e do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável”, diz o jornalista Guilherme Minassa, um dos idealizadores da campanha dentro da Rede Marketing e Comunicação. Outro membro da empresa é o ex-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Américo Antunes, participante do movimento que obteve, em 1999, para Diamantina, junto a UNESCO, o título de Cidade Histórica – Patrimônio Mundial.






Ana Raquel


Os barcos são partes importantes da imagem cultural e econômica do São Francisco 


Para a definição deste conjunto será realizado um minucioso levantamento e registro de áreas ambientais e de bens arquitetônicos, culturais e econômicos nos cinco estados banhados pelo São Francisco. Um estudo preliminar, no entanto, já identificou 40 pontos passíveis de tombamento, entre prédios públicos e privados e ruínas de significativos valores históricos e arquitetônicos, além de grutas, parques, sítios arqueológicos, etc. Estes locais e bens serão inspecionados pelo Icomos, uma ONG ligada a UNESCO para a execução de trabalhos técnicos de preservação cultural. A fase preliminar de levantamento foi possível pela consulta de arquivos de secretarias e órgãos públicos estaduais das áreas de Cultura e Meio Ambiente dos cinco estados que recebem o rio São Francisco.


O objetivo do movimento é que o título a ser reivindicado junto à UNESCO seja um fator de aglutinação de forças da sociedade civil, empresarial e governamental, capazes de viabilizarem meios para a preservação, recuperação e desenvolvimento do rio com reflexos positivos em suas áreas de influência. 


“Foi sem nenhum pudor que ousamos iniciar esta campanha para sensibilizar o país e o mundo para o reconhecimento do rio São Francisco como um Patrimônio da Humanidade, após 500 anos de intervenções e agressões ao rio”, diz o presidente da Federaminas, Arthur Lopes Filho, um conhecedor da realidade do Velho Chico, pois nascido em Pirapora, município situado às margens do rio, no Norte de Minas.






Os bens históricos e culturais catalogados
Entre os bens preliminarmente catalogados estão:


1. O Parque Nacional da Serra da Canastra, local da nascente do São Francisco;
2. As ruínas da Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, utilizada pelos jesuítas na segunda metade do Século XVII;
3. O vapor Benjamim Guimarães, a última embarcação de passageiros que viajou comercialmente pelo rio e encontra-se ancorada em Pirapora;
4. O Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, situado em Januária e que possui o registro da presença do homem na região há 11 mil anos;
5. A Gruta de Bom Jesus da Lapa, na Bahia;
6. O Convento dos Franciscanos, construção iniciada em 1661 em Penedo, Alagoas, cidade localizada na foz do rio.


De acordo com Lopes Filho, a importância desta campanha se dá também no momento em que a água torna-se uma riqueza cada vez mais disputada pelas nações e em que os brasileiros enfrentam uma inusitada crise energética.






A posse dos membros do conselho será na cidade de Juazeiro (BA), no dia 4 de outubro, data em que serão comemorados os 500 anos do descobrimento do rio por Américo Vespúcio.


Mobilização – Na prática, o projeto “São Francisco – Paisagem Cultural da Humanidade” se propõe a mobilizar a sociedade civil para a defesa das águas. Outro aspecto do projeto é o resgate da identidade histórica e cultural das áreas sob influência do rio, ao se criarem alternativas para o desenvolvimento sustentável da bacia do São Francisco, com o turismo histórico, cultural e ecológico como principal eixo. Para viabilizar o projeto, será criado o Conselho do São Francisco, a ser formalmente integrado por ministros de pastas ligadas às questões culturais e ambientais, governadores, autoridades ambientalistas, artistas, etc. 


A posse dos membros do conselho será na cidade de Juazeiro (BA), no dia 4 de outubro, data em que serão comemorados os 500 anos do descobrimento do rio por Américo Vespúcio. A solenidade de posse integrará uma programação que inclui ainda a realização do II Fórum de Desenvolvimento do Vale do São Francisco – o primeiro ocorreu em Pirapora nos dias 7, 8 e 9 de junho deste ano, o lançamento do marco comemorativo dos 500 anos do rio e da chegada de uma expedição criada dentro do projeto e que, a partir de 20 de setembro, partirá de Pirapora com o objetivo de conscientizar a população dos municípios ribeirinhos para a importância do apoio à campanha de preservação e recuperação do rio – a expedição também servirá para confirmar e acrescentar in loco os bens para tombamento que serão encaminhados à UNESCO.


Causas – Um conjunto de fatores explica o estado atual de degradação do rio São Francisco, segundo o coordenador da Unidade Técnica do Comitê da Bacia do Rio das Velhas, o ambientalista João Bosco Senra.


O processo de exploração mineral no rio das Velhas, o maior afluente do Velho Chico, e também no rio Paraopeba, outro importante rio da bacia, é um destes fatores que soma-se às queimadas e à retirada de cascalho e areia, sobretudo na região da Serra da Canastra, onde está a nascente do São Francisco. “Estas formas de exploração do solo resultam no assoreamento dos leitos dos afluentes e do próprio São Francisco, e ainda implicam no desmatamento pelo fogo com a eliminação da cobertura vegetal do solo para a formação de pastagens”, diz João Bosco Senra. Os efeitos dos desmatamentos ocorrem tanto nas áreas de topo quanto nas de encostas e nas margens dos rios, nas quais as matas ciliares têm a função de evitar o assoreamento e o desbarrancamento.






Soraya Ursine


Como os pescadores, os peixes eram muitos. Hoje, os pescadores são imagens solitárias no Velho Chico


O processo de urbanização nas áreas de influência do São Francisco é outro fator apontado por João Bosco Senra como influenciador no estágio de degradação do rio. “A impermeabilização do solo urbano, basicamente com cimento e asfalto, resulta no aumento da velocidade e da quantidade das águas nos períodos de chuvas, que através de enchentes carregam todos os tipos de lixo e detritos para dentro dos leitos dos rios”, diz o ambientalista. Já entre materiais arrastados de formas permanentes para os cursos d’água estão o lixo doméstico, de base orgânica, e o lixo químico industrial com seus efeitos desastrosos, pois composto por metais, fenóis e muitos produtos tóxicos de grande poder de destruição do meio ambiente.


Na lista dos efeitos urbanos que incidem sobre os rios podem ser incluídos ainda os derivados de petróleo usados em veículos e jogados sem cerimônia nos cursos d’água, principalmente por donos de postos de combustíveis – óleos, graxas e mesmo restos de pneus.


A irrigação – Já na área da agricultura, João Bosco Senra aponta a utilização indiscriminada de agrotóxicos e o mal uso do solo através de máquinas e tratores e a não construção de curvas de nível nas áreas sob plantio. A irrigação é considerada um importante recurso técnico na agricultura, apesar de serem encontrados vários projetos mal executados e ineficientes em termos de resultados, como é o caso do Jaíba – este projeto retira do São Francisco 10 m3 de água por segundo em sua fase atual, suficiente para irrigar 8 mil hectares, e, numa segunda etapa, passará a captar 80 m3/segundo para 100 mil ha. De acordo com informações da Ruralminas, órgão do governo de Minas encarregado da execução do Projeto Jaíba, a captação atual de água para irrigação nas áreas agricultáveis corresponde, no entanto, a menos de 1% da vazão do São Francisco na divisa de Minas com Bahia é de 2,3 mil m3/seg.


A falta de uma política federal de educação ambiental junto à população brasileira é outro fator que pode explicar a degradação do rio São Francisco. João Bosco Senra ressalta a responsabilidade Federal, já que lembra que o rio atravessa cinco estados, e também prevalece junto na sociedade a mentalidade de que os cursos d’água são simplesmente esgotos; por isso, podem receber todos os tipos de lixo.


Hidroelétricas – “No momento em que a baixa disponibilidade de água compromete a geração de energia elétrica no país, é importante ressaltar que, se por um lado as hidroelétricas cumprem seus papéis de geradoras de energia, por outro, foram projetadas, em sua maioria, sem a preocupação de facilitar o transporte fluvial e respeitar o processo de procriação natural de peixes, alimento da população ribeirinha”, diz João Bosco Senra, ex-diretor geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM. A ausência das ‘escadas’ para que os peixes possam subir os rios nos períodos de piracema compromete todo um ciclo de sobrevivência das espécies, segundo ele. 






As enchentes têm efeitos muito importantes porque ‘lavam’ e revigoram os leitos dos rios e repovoam os rios de peixes nascidos nas lagoas e açudes naturais.


De maneira semelhante, a construção na última década de inúmeras barragens nas áreas sob influência do rio São Francisco e afluentes foram obras originadas de projetos sem licenciamento e preocupação ambiental. Estas barragens foram um fator de interrupção de outro processo natural: o do movimento das águas nos períodos das cheias, que formam e complementam açudes e lagoas abastecem os rios de peixes. “As enchentes têm efeitos muito importantes porque ‘lavam’ e revigoram os leitos dos rios e repovoam os rios de peixes nascidos nas lagoas e açudes naturais”, diz João Bosco Senra.


Rodovias – O processo desenvolvimentista industrial a partir da década de 60, teve um efeito devastador no meio ambiente do país e de rios como o São Francisco. “As obras para a construção de rodovias ocorreram em quantidade, sem quaisquer critérios ambientais, o que gerou grandes e devastadoras erosões”, diz João Bosco Senra.


De acordo com o ambientalista, a união de todos estes fatores à ausência de uma política federal de preservação ambiental gerou o quadro em que se encontra hoje o rio São Francisco e a grande maioria dos cursos d’água do país. 


O surgimento das causas da degradação ambiental no Brasil podem ser encontradas no início do século com a implantação industrial brasileira, mas os efeitos maiores ocorreram a partir da década de 60, com a expansão das fábricas e também das mineradoras, no que refere-se à área de abrangência do São Francisco.
João Bosco Senra enxerga, no entanto, um sinal de esperança no processo de conscientização e prática preservacionista no país, a partir da Lei 9433/97 do governo federal, já que procura envolver a sociedade na recuperação e preservação ambiental. Ele ressalta, entretanto, que são projetos de médio e longo prazos, sem resultados mágicos e imediatos. 


“A recuperação poderá se dar pelo tratamento de esgotos, lixos, replantio de matas de topo e ciliares, o que, no entanto, não terá resultados imediatos e nem capazes de criar as condições anteriores à degradação. Uma razoável parcela do que foi deteriorado é irrecuperável”, diz João Bosco Senra. O que se pode recuperar é a qualidade, mas não a quantidade da água que circulava pelos rios.






FRANCISCO: UM E OUTRO


Silvestre Gorgulho


São Francisco é Santo nos Céus e na Terra.
Nos Céus, faz milagres com a força de Deus. Na terra, faz milagres com a força do homem.
Para que o São Francisco, da Terra, faça milagres com a força do homem, é preciso que ele tenha uma vida também pura e saudável.
O São Francisco, da Terra, recebeu esse nome porque foi descoberto no dia 4 de outubro de 1501.
Nesse mesmo dia, 319 anos antes, nascia, em Assis, Itália, o São Francisco, dos Céus. 
Magnânimo como seu xará dos Céus, o São Francisco, da Terra, diariamente faz seus milagres: multiplica pães e peixes, nos projetos de irrigação e piscicultura; dá de beber a 14 milhões de pessoas que habitam os 503 municípios de sua bacia hidrográfica; produz 10.000 MW de força energética, que ilumina caminhos e movimenta máquinas;  e sobre suas águas, transporta riquezas e pobrezas, esperanças e ilusões.
O São Francisco, da Terra, não pode parar de fazer seus milagres.
Precisa continuar abençoando gentes e energizando entes.
Precisa continuar multiplicando o pão e o peixe.
Mas, para isso, ele precisa viver.
Precisa ser imortal aqui na Terra, como o é o seu xará lá nos Céus.
Urge que o homem, com sua força e inteligência, aplique a ele o grande ensinamento de São Francisco de Assis: 
É dando que se recebe.
Que o homem continue dando ao São Francisco, da Terra, o mínimo, para que dele possa continuar recebendo o máximo. 
Amém!


Vida para o rio, vida para o povo
Bahia quer revitalização do Rio São Francisco com novo modelo de gestão para os múltiplos usos de sua Bacia Hidrográfica


Liliana Peixinho – de Salvador


A Bahia tem se destacado, nos últimos meses, por uma série de trabalhos (seminários, debates, palestras, criação de home-page e elaboração de matérias especiais na mídia) para chamar atenção para a urgente necessidade de revitalização do Rio São Francisco. O Velho Chico chegou numa situação limite, agonizante, provocada por sucessivos atos de degradação ao longo de toda a sua Bacia Hidrográfica, num curso de 2.700 quilômetros, banhando 503 municípios e responsável pela sobrevivência de 14 milhões de pessoas, numa área de 640 mil quilômetros quadrados. Descrito como a artéria da Vida do Nordeste o “Velho Chico” vem sofrendo as conseqüências da implantação de um modelo de desenvolvimento social e ecologicamente insustentável.


Depois da polêmica nacional que, se não derrubou deixou de lado o projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, o governo acaba de anunciar a revitalização da sua Bacia Hidrográfica. Para uns, como o deputado estadual pela Bahia, Edson Duarte, PV, filho de Juazeiro, a revitalização do Rio São Francisco deve passar pela mudança do atual modelo de desenvolvimento. Para outros, sem o engajamento da sociedade e dos prefeitos da região, pouco poderá ser feito. O fato é que ambas as atitudes são importantes. Os empreendimentos econômicos terão que ter sua interface ambiental e o engajamento da sociedade civil e dos administradores públicos deve acontecer como um verdadeiro mutirão.


Da mesma maneira que o deputado Edson Duarte, milhares de famílias que dependem da sobrevivência do rio, ao longo dos 503 municípios que integram os estados banhados pelo Velho Chico, querem que o São Francisco possa, urgentemente, voltar a ser fonte de renda, alegria e boas histórias para os 14 milhões de habitantes que vivem às suas margens. Pescadores, agricultores e poetas, dizem a mesma coisa: “Os últimos 20 ou 30 anos foram suficientes para deixar o Velho Chico agonizante. Desmatamentos; poluição sanitária industrial e de agrotóxicos; megaprojetos de irrigação voltados para uma agricultura de exportação; extensas monoculturas de eucalipto; construção de grandes barragens, associado a falta de uma política educacional de preservação, alteraram os ciclos naturais de cheias e vazantes, dificultam a reprodução de peixes, impedem a irrigação e fertilização natural das terras e permitem a proliferação de pragas. 


Com o tema “Vida para o rio, vida para o povo” o Serviço Inter-franciscano de Justiça, Paz e Ecologia, ligado à FFB – Família Franciscana do Brasil promove uma discussão nacional, com sede em Salvador, com o objetivo de levantar dados sobre a importância do elemento água na sobrevivência da vida no planeta. Um dos painéis do Seminário “Águas do Rio São Francisco – Vida para o Rio, vida para o povo” – “A Mídia e o São Francisco” (coordenado por esta jornalista, correspondente da Folha do Meio Ambiente na Bahia), levanta o questionamento do papel da imprensa na mudança dos padrões de comportamentos: minimizar o desperdício, a falta de educação ambiental e o descaso das autoridades na preservação de um bem que está sendo, inclusive, defendido como patrimônio natural da humanidade, junto à Unesco.


R$ 1,2 bi para revitalizar o Velho Chico

17 de fevereiro de 2004

A revitalização do São Francisco inclui sua utilização intensiva em turismo cultural e ecológico

 






Getúlio Gurgel



O presidente Fernando Henrique atravessa a 1ª ponte sobre o rio São Francisco, na sua nascente, na Serra da Canastra (MG), onde assinou os convênios para a revitalização do Velho Chico


Como será – O projeto de revitalização compreende ações de despoluição, como tratamento de esgoto e lixo urbano, conservação de solos, convivência com a seca, reflorestamento e recomposição de matas ciliares, gestão e monitoramento de recursos hídricos, gestão integrada de recursos sólidos, programas de educação ambiental, criação de unidades de conservação e preservação da biodiversidade e repovoamento de espécies da fauna e da flora.


Dos R$ 84 milhões anunciados para este ano, R$ 25 milhões serão destinados a um programa que permitirá às comunidades ribeirinhas conviverem com a seca. Pelo menos R$ 6,5 milhões serão aplicados em investimentos na implantação de unidades de conservação e proteção ambiental, R$ 12 milhões na gestão e monitoramento da bacia hidrográfica do rio e R$ 10 milhões na recuperação de matas ciliares, destruídas ao longo dos anos por uma exploração agrícola predatória.


Turismo – A revitalização do São Francisco inclui um capítulo importante: sua utilização intensiva no turismo cultural e ecológico. Em Pirapora, na parte mineira do rio, lideranças empresariais estiveram reunidas no início de outubro, discutindo a possibilidade da mobilização de recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste (Prodetur), para investimentos na região do Vale Mineiro do São Francisco.


Ao mesmo tempo, em Januária, também em Minas, está sendo construído, às margens do rio, um hotel quatro estrelas, com investimento de R$ 1,5 milhão e geração de 92 empregos diretos. O proprietário do hotel, médico Ildeu Caldeira, pretende criar em Januária um pólo de desenvolvimento do turismo ecológico, em torno das belezas naturais do São Francisco.


O projeto visando o reconhecimento do rio São Francisco como Patrimônio da Humanidade ajudará a desenvolver o programa turístico, tanto cultural como ecológico. O acervo histórico que será incluído no dossiê a ser remetido à Unesco até o início de 2003, inclui sítios históricos e reservas ecológicas localizados em toda a extensão do rio.


Esses sítios incluem desde a Estação Ecológica de Piratininga, em Três Marias, Minas Gerais, até o Oratório da Forca, em Penedo, Alagoas, onde o São Francisco deságua no Oceano Atlântico. Igrejas, conventos, catedrais e até o templo esculpido numa gruta de pedra, em Bom Jesus da Lapa, Bahia, foram relacionados. Da mesma forma, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Januária, Minas Gerais, o Museu Regional do São Francisco, em Juazeiro, na Bahia e o Parque Nacional da Serra da Canastra, no município mineiro de São Roque de Minas, onde nasce o rio São Francisco.


Para o coordenador da campanha Rio São Francisco – Patrimônio da Humanidade, Américo Antunes, a partir do aproveitamento das potencialidades turísticas do rio São Francisco, será possível inverter o quadro do turismo interno no país, hoje concentrado no litoral, estimulando o turista a, através do rio, conhecer também as riquezas do interior do Brasil.


Promotoria do S. Francisco – No quadro das comemorações dos 500 anos de descobrimento do rio São Francisco, o Velho Chico ganhou um aliado de peso: o Ministério Público estadual de Minas Gerais anunciou a criação da Promotoria do Rio São Francisco, que a partir de agora concentrará todas as denúncias envolvendo agressões ambientais ao rio.


Embora o programa de revitalização aprovado pelo governo federal inclua ações de educação ambiental, visando conscientizar a população ribeirinha da necessidade de preservar o rio São Francisco, o Ministério Público entende que as agressões poderão continuar. Daí a necessidade de uma promotoria específica para tratar do assunto, agilizando os processos e, dessa forma, desestimulando os fraudadores.


Itamar adere às homenagens – Nos seus 500 anos de descobrimento o rio São Francisco recebeu muitas homenagens. O Senado realizou sessão especial comemorativa, quando vários senadores dos estados banhados pelo São Francisco falaram das grandezas e misérias do Velho Chico e defenderam sua recuperação. Por sua vez, o governador de Minas, Itamar Franco, transferiu simbolicamente a capital do Estado para a cidade de São Roque de Minas, em cujo território estão localizadas as nascentes do São Francisco.


Ele nasce em um local privilegiado, de uma pequena fonte, bem no centro da Serra da Canastra, tendo à frente uma imagem de São Francisco. Suas águas, logo em seguida, atravessam um pequeno espaço pedregoso, descendo, depois, por grimpas de montanhas e pequenos vales até, a alguns quilômetros à frente, despencar na cachoeira da Casca D’Anta, assim chamada em virtude da existência, no local, de uma árvore em que as antas se esfregam quando querem curar ferimentos na pele.


Centenas de personalidades, de Minas, Bahia e dos demais estados banhados pelo rio São Francisco, foram agraciadas com a Medalha 500 Anos – Rio São Francisco, instituída pelo Governo de Minas Gerais com o propósito de homenagear pessoas e instituições que contribuíram ou continuam contribuindo para a preservação da bacia hidrográfica do rio São Francisco.










Revitalização do rio São Francisco é prioridade para Unesco

12 de fevereiro de 2004

Embaixador Israel Vargas diz que reconhecimento do Velho Chico como patrimônio dependerá da recuperação de seus valores naturais e da forma como o projeto será apresentado


 


Israel Vargas: o projeto deve conter caráter de universalidade que justifiquem o início de um processo

É bom lembrar que esse questionamento do embaixador remete a uma preocupação e às reivindicações das populações ribeirinhas do Velho Chico, via representações políticas e institucionais: a mobilização dos recursos, alocados para o engavetado projeto de transposição, em favor de ações de revitalização de toda a bacia hidrográfica do rio da unidade nacional. Isso ao longo dos seus cinco estados. A exigência de que para o concessão do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco, o rio deva ter os seus recursos naturais conservados, deverá forçar o próprio governo a dinamizar e acelerar a necessária despoluição e preservação ambiental em torno da bacia hidrográfica do Velho Chico. E isso vai requerer a participação de uma grande parcela da representação social, via deputados, prefeitos, empresas, ONGs, estudiosos e das próprias populações dos estados envolvidos, para a fiscalização e agilização de projetos que possam garantir ao São Francisco o mínimo de sua rica diversidade tão explorada ao longo dos seus 500 anos de descoberta.

Mobilização na Alemanha pelo Velho Chico

Na Alemanha, estudantes brasileiros ligados à Universidade de Colônia e à Cáritas Alemã, organizaram um evento, com apresentação de um vídeo de produção alemã/portuguesa, veiculado na TV Rheinland-Pfalz , Canal 3, com o título "Opara – Rio São Francisco – Diamantes, Grutas e Fantasmas do Rio", onde esta jornalista foi convidada para fazer comentários e apresentar informações novas para a mobilização junto a entidades ambientalistas. Um grupo coordenado pela etnóloga brasileira Isabel Figueiredo Iken, (que fez mestrado em migração de mulheres brasileiras em Colônia) e composto por professores e estudantes na Alemanha, vindo de lugares como Petrolina (PE), Salvador (BA) São Paulo, Portugal reuniu-se, na última semana de fevereiro, em Colônia, para assistir ao vídeo, que foi gravado pelo casal Hare e Luciana Hein, ele alemão e ela pernambucana, de Petrolina.

O ducumentário, que faz uma pesquisa sobre os últimos 30 anos de degradação do rio, mostra aspectos importantes de sua história , como o ciclo da mineração, com depoimentos de garimpeiros do ouro; a exploração da mão-de-obra na agricultura, com imagens de trabalhadores na produção da cana-de-açúcar; passa por outros problemas sérios como o desmatamento do Cerrado e as conseqüências nas margens do rio, além da prática das queimadas no interior de cidades ribeirinhas e o assoreamento do leito, como processos que contribuem para não navegabilidade e degradação ambiental do Velho Chico.

Além dos aspectos críticos e de denúncia, apresentados pelo vídeo, seria importante a Unesco conhecê-lo melhor. O vídeo mostra também o lado positivo: o contexto geográfico e cultural em que a bacia do rio São Francisco está inserida, com imagens aéreas desde a nascente, na serra da Canastra, em Minas Gerais, até a foz, na divisa de Alagoas com Sergipe. São imagens das formações rochosas e paisagens belíssimas, com pássaros e animais nativos, mas em processo de extinção. Além disso, associa a necessidade de preservação do rio ao processo de sobrevivência digna das populações ribeirinhas, pois as pessoas só podem sobreviver se o rio viver. (L.P.)