Concessões salvam o Protocolo de Kyoto

17 de fevereiro de 2004

Redução dos gases do efeito estufa cai de 5,2% para 2%. Depois dos Estados Unidos, o Japão é o maior emissor mundial desses poluentes


     Com isso, a meta de reduzir em 5,2% as emissões de gases-estufa entre 2008 e 2012, sobre os valores de 1990, ficará reduzida a apenas 2%. Algumas lideranças ambientalistas acreditam que a redução não ultrapassará a 1,8%, tornando-se, na prática, simbólica, tendo em vista que as emissões cresceram, e muito, sobre os valores registrados em 1990.

A proposta de utilizar as florestas como “sumidouros” para o carbono emitido em excesso foi do presidente da conferência, Jan Pronk, Ministro do Meio Ambiente da Holanda, como a única alternativa capaz de salvar a conferência do fracasso.






Foi constituído um fundo de US$ 530 milhões anuais para ajudar os países do Terceiro Mundo a adaptarem suas economias às mudanças climáticas


A proposta consiste no uso do carbono absorvido por florestas jovens ou por projetos de reflorestamento como crédito positivo na contabilidade da meta de redução dos gases-estufa.


As lideranças ambientalistas se dividiram: umas consideraram que o preço do sucesso foi exageradamente elevado, pois o protocolo foi virtualmente diluído e seu efeito no clima sensivelmente reduzido.


Outras, no entanto, entenderam que é preferível um acordo imperfeito e incompleto do que um acordo perfeito apenas no papel. E consideraram que, de qualquer forma, valeu a pena isolar os Estados Unidos em um conclave ambiental de caráter mundial.


A delegação brasileira, chefiada pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg e pelo diplomata Everton Vargas, considerou o acordo histórico, por ter estabelecido um regime de verificação do cumprimento das metas, amparado no direito internacional.


De fato, uma das decisões adotadas em Bonn foi a de que, para cada tonelada de carbono emitida acima da meta, no período 2008-2012, os países terão de cortar 1,3 tonelada no segundo período do compromisso, que se iniciará em 2013.


Outra decisão importante foi a constituição de um fundo de US$ 530 milhões anuais destinado a ajudar os países do Terceiro Mundo a adaptarem suas economias às mudanças climáticas.



Uma espera de nove anos


O Protocolo de Kyoto nasceu em junho de 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro. Um dos documentos aprovados na Cúpula da Terra foi a Convenção do Clima.


Cinco anos e meio depois, em dezembro de 1997, os países-membros da Convenção do Clima se reuniram em Kyoto, no Japão, adotando o primeiro tratado mundial para reduzir as emissões: 5,2% sobre o volume de gases emitidos em 1990, a serem alcançados entre os anos 2008 e 2012.


Em novembro do ano seguinte, na Argentina, 170 países que subscreveram a Convenção do Clima adotaram o Plano de Ação de Buenos Aires, cujo propósito era identificar os meios de implementação do Protocolo de Kyoto já a partir de 2002.


Mas em abril do ano 2000, os ministros do Meio Ambiente dos países do G-8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, Canadá, França, Itália e Rússia) fracassaram ao tentarem aprovar uma resolução pedindo a imediata ratificação do Protocolo de Kyoto que, para entrar em vigor, precisa ser aprovado pelo Congresso dos 55 países que, juntos, são responsáveis por 55% da emissão de poluentes.


Em novembro do mesmo ano, a Sexta Conferência das Partes (COP-6) realizada em Haia, na Holanda, fracassou em sua tentativa de regulamentar a implantação do protocolo, adiando a decisão para a COP-7, a ser realizada em novembro deste ano em Marrakech, no Marrocos.


Em março deste ano os Estados Unidos anunciaram que vão abandonar o Protocolo de Kyoto, que teve justamente no então vice-Presidente Al Gore seu maior incentivador. O Presidente Bush afirmou que a implementação do protocolo ameaçaria a indústria norte-americana e exigiu que os países em desenvolvimento também participassem do esforço de redução dos poluentes, especialmente a China e a Índia.


Finalmente, em 23 de julho último, em Bonn, 178 países que já subscreveram a Convenção do Clima conseguiram marcar para 2002 o início da implementação do Protocolo de Kyoto, mesmo tendo de ceder.






Quem ganha e quem perde


Os Estados Unidos foram, de longe, os grandes perdedores em Bonn. Ao conseguirem um acordo em Bonn, os países em desenvolvimento e os da União Européia isolaram a diplomacia norte-americana.


Bush já havia antecipado em Genova, na reunião de cúpula do G-8, que razões econômicas e políticas impediam os Estados Unidos de adotarem o Protocolo de Kyoto. Uma economia movida a combustíveis fósseis teria muito a perder com a redução das emissões, segundo o entendimento da administração republicana.


Muitas lideranças ambientalistas, contudo, duvidam de que a preocupação norte-americana seja puramente econômica. O argumento: como a eficiência energética é uma importante vantagem competitiva, a administração americana teme ter de pagar o preço político pela mudança inevitável no estilo de vida e nas práticas de consumo e ainda enfrentar a concorrência.


Quando a chefe da delegação norte-americana em Bonn, Paula Dobriansky, anunciou que os Estados Unidos não participariam do acordo, mas se mantinham empenhados em tratar da mudança do clima da terra, suas palavras foram acompanhadas por uma estrondosa vaia vinda da platéia, formada de lideranças ambientalistas de todo o mundo.


De qualquer forma, os Estados Unidos continuam membro da Convenção do Clima, das Nações Unidas, e poderão, posteriormente, aderir à implementação do Protocolo de Kyoto, sobretudo se as pressões aumentarem e afetarem a posição político-eleitoral do Presidente Bush.


Já a União Européia firmou-se na liderança da questão ambiental e vai colocar-se à frente da competição tecnológica pela substituição dos combustíveis fósseis. Os europeus terão agora mais condições de liderar a pesquisa e produção de matrizes energéticas limpas, como a energia eólica (dos ventos) e a energia solar.


Contudo, para conseguir a adesão do Japão, a União Européia teve de concordar com o enfraquecimento do Protocolo de Kyoto, batendo de frente com as principais lideranças ambientalistas.


O Japão, que a muito custo aderiu ao acordo, acabou tornando-se seu maior beneficiário, pois graças aos sumidouros, estará dispensado de fazer drásticas reduções em suas emissões de gases-estufa. Depois dos Estados Unidos, o Japão é o maior emissor mundial desses poluentes.