Mãe de Caetano diz que não morre sem antes ver o Rio Subaé vivo

13 de fevereiro de 2004

Meio milhão de toneladas de escória de chumbo contaminam o rio e a população de Santo Amaro, na Bahia

Em carta à Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, D. Canô, mãe de Caetano Veloso, denuncia a poluição por escória de chumbo que danificou o Subaé e se diz esperançosa de, antes de morrer, ver o rio limpo novamente. A poluição do rio Subaé e da cidade de Santo Amaro, na Bahia, em decorrência da deposição, a céu aberto, de 500 mil toneladas de escória de chumbo, foi discutida em audiência pública pela Comissão, com a presença do prefeito do município, Genebaldo Correia, do professor Fernando Carvalho, da Universidade da Bahia, e de várias lideranças comunitárias locais.


Carta de Dona CanôEm sua carta à Comissão, D. Canô lembra que, há meio século, o rio Subaé “era uma beleza”, e recorda que seu filho, em composição famosa, Purificação do Subaé, denunciou a poluição por escória de chumbo, mas infelizmente nada foi feito para mudar o quadro.


A contaminação, segundo o professor Fernando Carvalho, ocorreu em virtude da instalação de uma fábrica de beneficiamento de chumbo na cidade, nos anos 60, por uma multinacional francesa. A fábrica foi posteriormente adquirida por uma empresa nacional, o Grupo Trevo, que, embora tenha herdado o passivo ambiental e trabalhista dos franceses, não cumpriu com essas obrigações, encerrando as atividades em 1993. Em razão disso, tramitam na justiça e no INSS centenas de processos de indenização por invalidez por parte dos trabalhadores contaminados pelo chumbo.


Cidade chumbadaO professor Fernando Carvalho, autor de um estudo sobre a contaminação do Subaé, diz que o chumbo não degrada, não se dissipa e não degenera. “É um elemento extremamente tóxico”. Para que se tenha uma idéia do nível de contaminação que atinge a população de Santo Amaro, basta dizer que a escória do chumbo foi utilizada pela administração municipal como material para fixar as pedras de calçamento das ruas da cidade. Com isso, diz a líder comunitária Virgínia Lúcia Lopes, “Santo Amaro transformou-se numa cidade chumbada”. Segundo Virgínia, apesar dos protestos contra a contaminação, feitos durante a Rio-92 e a atuação da organização não governamental Onda Azul, do cantor Gilberto Gil, nenhuma providência foi tomada para resolver o problema.


Conforme o professor Fernando Carvalho, “a quantidade colossal de escória” está levando lentamente o chumbo para a Baía de Todos os Santos, que corre grave risco de estar sendo também contaminada.


As pesquisas do professor indicaram que a população infantil está entre as mais prejudicadas pela contaminação, que atinge principalmente os filhos dos trabalhadores que tiveram contato com o chumbo na época de operação da fábrica.


Conselho de descontaminaçãoO prefeito de Santo Amaro, Genebaldo Correia, diz que “temos um grave problema: como e onde destinar as montanhas inteiras de escória de resíduo de chumbo”, que provoca um nível de contaminação 29 vezes maior do que o tolerado pela Organização Mundial de Saúde.


Genebaldo diz que, sem a ajuda do Estado e da União, o município de Santo Amaro nada pode fazer para evitar a contaminação, que atinge níveis alarmantes sempre que as chuvas provocam cheias no rio Subaé. Já o deputado Fernando Gabeira (PT-RJ), propôs a formação de uma comissão externa da Câmara para visitar a área e propor uma solução definitiva. A intenção do deputado é viabilizar projetos técnicos de mapeamento da escória e dos locais mais perigosos, visando à retirada do material pelo menos dos espaços públicos. Tais projetos abrangeriam áreas urbanas, água, solo e monitoramento dos contaminados. Gabeira sugeriu ainda a formação de uma espécie de “conselho de descontaminação” para mediar esses projetos e acompanhar sua execução. Defendeu também a criação de uma ONG para captação de recursos nacionais e internacionais para financiar os projetos.