Flores a beleza a serviço do homem
3 de fevereiro de 2004Beleza completa é quando a produção de flores está aliada à preservação ambiental, à recomposição de áreas degradadas, à melhoria da renda e recuperação de meninos carentes
A reduzida demanda interna brasileira por plantas e flores, se comparada ao consumo na Europa e nos Estados Unidos, pode explicar o baixo índice médio de áreas verdes urbanas, tanto públicas, quanto particulares. Se por um lado, com raras exceções, existe uma certa omissão ambiental da administração pública, com reflexos diretos na qualidade de vida, na longevidade e na sobrevivência a longo prazo da população, por outro lado, práticas como cimentar jardins e quintais de residências também são condenáveis. Dentre os principais entraves à expansão da floricultura no Brasil estão ainda o tímido apoio oficial para maior divulgação da atividade e o forte e surpreendente preconceito de muitos agricultores para investir na atividade. Esta resistência ao plantio pode, no entanto, ser facilmente derrubada pela constatação de que os rendimentos do cultivo de rosas e crisântemos superam os US$ 85 mil e os US$ 76 mil por hectare/ano, respectivamente, – a margem de lucro fica entre 20% e 40% -, contra os US$ 700 das lavouras de feijão, e os US$ 400 do milho e da soja.
“A produção e o consumo de flores no Brasil aumentou bastante nos últimos cinco anos, em parte pela abertura de pontos de vendas, como as grandes redes de supermercados. No entanto, poderia ser ainda maior se houvesse apoio oficial para divulgar a atividade e aumentar o consumo interno”, diz o presidente da Associação Mineira de Floricultura – Amiflor, Luis Roberto Lozano Brull.
A secretária executiva da entidade, Maria de Lourdes Lages Mansur, ressalta que, se por um lado, as perspectivas de mercado são muito boas, por outro, as carências ainda são muito grandes. “Falta sensibilizar um mercado agrícola que, com raras exceções, ainda não colocou a flor entre suas preocupações, seja pelo aspecto extremamente conservador, antiquado e retrógrado que apresenta, seja por acreditar ainda que plantar “flor é coisa de mulher”. O setor ainda não mereceu a pesquisa científica mais sério, embora estudos do Ministério da Agricultura mostrem que é a atividade agrícola mais rentável que existe”, diz ela.
Maria de Lourdes Mansur lembra que no distrito de Ribeirão do Ouro, no município de Florestal, em Minas Gerais, esposas de agricultores, tiveram de iniciar sozinhas, em 1995, o plantio de flores, por causa do preconceito dos maridos. No entanto, ao perceberem os primeiros bons resultados da atividade, deixaram outras iniciativas agrícolas e aderiram de imediato ao cultivo.
Flores: mercado que cresce
São 200 produtores paulistas e mineiros e 360 atacadistas em todo o país que negociam cerca
de 500 espécies e mais de 5 mil variedades em um sistema de leilão eletrônico
Os principais pontos de produção brasileira de flores concentram-se no interior de São Paulo, próximo de Holambra; no entorno de Andradas, Sul de Minas, em Barbacena, na região das Vertentes do estado, em Pernambuco, em Petrópolis, no Rio, e também no Ceará. Atualmente, além de colocar no mercado interno 90% da produção total, o Brasil exporta flores ornamentais ou de corte para os Estados Unidos e a Europa.
Barbacena tornou-se conhecida nacionalmente, há 30 anos, pela produção de rosas de agricultores da União dos Floricultores de Barbacena – Uniflor, que encerrou suas atividades ainda em 1978. Do início da década de 80 até 1997, o cultivo e a exportação ficaram por conta da Brazil Flowers, sociedade entre um comerciante alemão e o Deustch Bank, com vendas para a Alemanha e redistribuição para países europeus. Em 2000, surgiu a Associação Barbacenense de Rosas e Flores – Abaflor, que destina 20% de sua produção mensal de 250 a 300 mil dúzias de rosas para Portugal e o restante da colheita de 15 mil pacotes de flores variadas para o mercado interno. O setor cresce 10% ano na região, segundo o presidente da entidade, Antônio Marciano.
A Cooperativa Veiling Holambra, em São Paulo, foi criada em 1989, especialmente para a comercialização de flores, e responde por mais de 35% da vendas do mercado nacional das plantas verdes, de corte e em vaso. São 200 produtores paulistas e do Sul de Minas e 360 atacadistas de todo o país que negociam cerca de 500 espécies e mais de 5 mil variedades diferentes, através de um sistema de leilão eletrônico nos moldes dos holandeses.
A distribuição é feita para mais de 20 mil pontos de vendas no varejo. São garden-centers, supermercados, floriculturas e lojas de paisagismo e decoração.
As exportações da cooperativa para a Europa e os Estados Unidos terão início em janeiro de 2003, apesar de alguns fornecedores já exportarem isoladamente e contribuírem para o estado ser o maior exportador nacional.
O Ceará entrou no mercado de flores para valer
A floricultura é uma atividade que gera renda e dá emprego, absorvendo 15 pessoas por hectare
No Ceará, desde 1999, pode ser encontrado o apoio institucional reclamado pelo presidente da Amiflor para incentivo ao consumo e produção de flores. Ali, o governo estadual passou a apoiar institucional e tecnicamente esta atividade com a criação da Secretaria de Agricultura Irrigada. Os resultados já são bastante significativos e não é por acaso que é neste estado do Nordeste que está instalada a Cearosa, maior empresa exportadora de rosas do país, a produção em 1,5 hectare, iniciada há três anos, deverá ser estendida para 20 hectares em três anos.
Existem hoje 60 produtores de flores no Ceará, responsáveis pela evolução da área cultivada de 19 hectares, em 1999, para 52 ha em 2001, e para os atuais 82 – a previsão é de 145 ha no final de 2002. Já os projetos, em implantação, para o cultivo específico de rosas deverão totalizar 100 hectares em cinco anos.
As principais regiões produtoras cearenses são o Maciço do Baturité com flores tropicais e crisântemos; Agropólo Ibiapaba – rosas, gerberas e gypsophila, Agropólo Metropolitano – flores tropicais, plantas ornamentais e crisântemos, e Cariri com rosa e plantas ornamentais.
O Ceará tinha 0,2% de participação nas exportações brasileiras de flores de 1999, mas, em 2001, passou a ser o segundo maior exportador com 14,8% do total com US$ 94,5 mil. Alagoas é o terceiro exportador do país, com 3,9% do total do valor negociado.
Os produtores cearenses exportam flores tropicais irrigadas para Portugal, Holanda, Alemanha e EUA; rosas para a Holanda, e bulbos de Amarilis para a Holanda e os EUA. O Ceará é o único estado brasileiro a exportar rosas para a Holanda, o maior e mais exigente mercado de flores do mundo. De agosto ao final do ano exportará US$ 1,35 milhões, e a expectativa é alcançar US$ 10,5 milhões em 2003.
O sonho da rosa azul
O computador pode fazer. E a biotecnologia vai conseguir?
A biotecnologia brasileira, pela Embrapa, já criou o algodão com fibras coloridas. Pesquisadores na área de floricultura criaram flores das mais diversas. Mas, e o sonho da rosa azul?
Existem rosas vermelhas, amarelas, brancas e de muitas outras cores, mas ninguém nunca viu uma rosa azul. Pesquisadores do mundo inteiro, sobretudo os ligados na produção de flores, continuam tentando esta proeza. Há uma esperança. Os avanços tecnológicos podem, enfim, achar a solução para a busca da rosa azul. Aliás, ela não existe porque falta à flor o gene de pigmentos correspondente à cor.
Na Escola de Medicina da Universidade de Vanderbilt, os cientistas que estudam o metabolismo das drogas no fígado encontraram uma proteína humana que pode ser a chave para a criação da primeira rosa azul conhecida. Elizabeth Gillam, trabalhando no laboratório do bioquímico F. Peter Guengerich, surpreendeu seu chefe um dia com um frasco cheio de bactérias que transformou na cor azul com o auxílio de uma enzima retirada do fígado de um paciente.
Agora eles estão tentando inserir nas rosas o gene humano que produz a enzima azul.
A Amiflor é uma ONG que formou 5 mil alunos
A preocupação com a qualidade de vida, preservação e recomposição do
meio ambiente encontra na floricultura um forte aliado
Criada em 1994, a Amiflor é uma referência na aprendizagem de técnicas e no plantio de flores ornamentais no país e exterior. Um total de seiscentos cursos para atender cinco mil alunos, numa proposta de prática comercial sustentada. “A preocupação com a qualidade de vida, preservação e recomposição do meio ambiente encontra na floricultura um forte aliado, fundamentado num estrito respeito às questões ambientais e à preocupação de criar condições de recomposição das áreas degradadas”, diz a secretária executiva da entidade. Dentre os cursos estão técnicas de jardinagem, pomar e horta domésticos, gerenciamento de floricultura e plantio comercial de flores, arranjos florais e cultivo de flores diversas, como orquídeas, violetas, samambaias, azaléias e rosas.
A Amiflor é uma ONG que oferece ainda curso de auxiliar de jardinagem a adolescentes carentes ou com trajetória de rua, para posterior encaminhamento a trabalho em jardins das 700 casas dos bairros Ouro Preto e Bandeirantes, de Belo Horizonte. Os menores aprendem técnicas de jardinagem e recolhem material orgânico em jardins residenciais, que é transformado em adubo e utilizado na produção de mudas, por eles vendidas. “A idéia é qualificá-los para trabalharem na própria região onde moram”, diz a professora voluntária da Amiflor e engenheira agrônoma, Márcia Portugal Santana.
Cristiano de Oliveira Nunes, 15 anos, reconhece a importância do apoio da Amiflor no ensino de técnicas de jardinagem. Hoje, de segunda a sexta, ele freqüenta a unidade educacional construída com o apoio da Associação Comunitária do bairro Bandeirantes e do Lar dos Menionos Dom Orione, onde também recebe aula de cidadania e reforço escolar. Outros dois de seus colegas no curso também vivem situação semelhante. Cristiano Lopes, 15 anos, o mais novo de três irmãos, estuda de noite e também ficava ocioso no resto do dia diante da TV. Já Thiago Martins, 14 anos, ressalta a importância de freqüentar cursos e atividades de socialização e aprendizagem para a abertura de perspectivas de trabalho. “Como sou o mais velho dos irmãos, acho que agora dou exemplo para os irmãos mais novos e poderei levar dinheiro para dentro de casa”, diz ele. (RA)
Agora quero falar de flores
Rachel de Queiroz (*)
Flor tem moda como roupa de mulher. E as plantas do tempo antigo, flores, folhagens e ervas de cheiro, ninguém as cultiva mais. Agora são só aqueles estúpidos fícus italianos que parecem feitos de plástico, os antúrios e até tulipas.
Hoje em dia, principalmente nas cidades grandes, acabaram-se os manjericões. E as manjeronas e as alfavacas e, de modo geral, todas as ervas cheirosas. Quem é que ainda planta alecrim? Quem é que ainda conhece malva-rosa?
Rosas, já cultivei rosas quando morava na Ilha do Governador, e era um problema obter mudas das velhas rosas tradicionais dos jardins brasileiros. Rosas paul-neron, que o povo chama de palmeirão; Rosa Amélia, com seu tom de rosa-claro, verdadeiro cor-de-rosa. Rosas de cacho com que as moças gostavam de enfeitar os cabelos. Rosas mariquinhas, que em linguagem de catálogo se chamam com um nome horrível – floribundas – e que hoje só aparecem nas suas variedades mais complicadas. Rosas príncipe-negro, como se feitas de veludo sombrio.
E depois das rosas vem o capítulo dos cravos. Agora só conhecemos esses inexpressivos cravos de plantação industrial, enormes, uniformes – e sem perfume. Nos tempos de dantes, no interior, toda moça tinha à janela do seu quarto um jarro de barro com um craveiro. Cravos brancos, apertados, de coração rosado, que eram prenúncio de casamento. De cheiro tão forte que, aspirados com força, entonteciam. Cravos vermelhos, de dar aos namorados, em sinal de amor sem fim. Cravos que se guardavam secos dentro do livro de reza, como recordação. E além dos cravos havia as cravinas, singelas, dobradas, lisas e rajadas. E ainda havia, tão importante quanto o dos cravos, o capítulo dos jasmins. Jasmim-estrela, que podia ser grande e pequeno, de pétalas tão leves e vulneráveis que a flor parece feita só de perfume. Jasmim-do-céu, jasmim-laranja; deste tenho um pé junto ao alpendre do não-me-deixes, que me embalsama o terreiro quando está em flor e se cobre de miniaturas douradas de laranjas, ao acabar da floração. Jasmim-do-imperador, jasmim-de-são-josé, jasmim-caiano, jasmim-do-cabo, a glória dos velhos jardins, que se chama também gardênia.
E resedá? Meu Deus, que estranha anomalia da sensibilidade fez com que se abandonasse o resedá? E bogari? Ai, de bogari já nem falo que me dói o coração.
Miosótis, flor da inocência, ninguém vê mais também. E amores-perfeitos são dificílimos; ah, os amores-perfeitos de Guaramiranga, que minha prima Elsa acondicionava em caixinhas forradas de bambu japonês com os talos envoltos em algodão úmido e eram o mais precioso dos presentes. E as angélicas, que nos livros se chamam tuberosas e são as flores de espantar vampiro. Devo ter qualquer pingo de sangue de vampiro, porque sempre detestei angélicas.
Desapareceram as sebes e os caramanchões de madressilvas – madressilvas que cheiram a abelhas e a mel. E, falando em caramanchões, sumiram-se também os estefanotes e as simpatias com seus maciços vermelhos, e uma trepadeira de cachos brancos e arroxeados, que andou muito em moda em meados do século passado (imagine, século XX já está no rol dos séculos passados!) e ganhou o nome de Coelho Netto.
Todas essas flores para mim são saudades da infância, pois ambas as minhas avós eram jardineiras empedernidas, que jamais fizeram uma viagem sem uma bagagem subsidiária de embrulhinhos com galhos de mudas, batatas, bulbos, sementes – e até mesmo vasos com plantas, aparentemente preciosíssimas, pois era mister carregá-las no colo, durante os percursos de trem.
Nos Estados Unidos, na casa de George Washington, em Mount Vernon, na velha Williamsburg que Rockfeller restaurou, tão importante quanto a restauração dos edifícios é a recomposição dos jardins com o seu traçado e as suas plantas do século dezoito. Fizeram pesquisas minuciosas e, em muitos casos, tiveram que ir procurar na Europa os espécimes esquecidos ou transformados, hibridados e deturpados pela moderna jardinagem.
No Brasil, nós ainda não chegamos a esse terno retorno ao passado. Há os jardineiros sofisticados das casas ricas com os arranjos pedantes de plantas de importação recente e há o comércio de flores, que se reduz aos produtos de fácil cultivo, de boa resistência e venda fácil. Comércio de que é expoente típico o horrendo agapanto, a flor mais feia e triste do mundo, com a qual se insultam os mortos no Dia de Finados, cobrindo-lhes os túmulos com suas umbelas sinistras. Eu, defunta, chegarei às piores represálias, puxarei pelo pé, arrastarei correntões, aparecerei de mortalha fosforescente, soltarei gargalhadas macabras, assombrarei de todas as maneiras o herdeiro mal-agradecido que me puser agapantos na cova. Perdôo tudo, até anulação de testamento e enterro de terceira classe; mas agapanto, não.
(*)Rachel de Queiroz, da Academia Brasileira de Letras, é escritora
Amiflor: flores tropicais têm que ganhar o mundo
“A expansão da produção brasileira de flores tropicais se dá em termos de qualidade para atender ao mercado nacional e internacional, mas também em produtividade para satisfazer às exigências dos importadores”, diz o presidente da Amiflor. O mercado nacional remunera bem o setor no segmento de flor de corte, mas o envasamento tem rentabilidade menor, devido à atual elevada oferta de produtos no mercado, que comprime os preços.
O que ainda impede um crescimento maior do setor é o baixo consumo de flores no país, um pouco acima de US$ 3/per capita/ano, contra de US$ 50 a US$ 120 na Europa. Os europeus de países de climas mais frios, como os do norte, consomem mais flores, pois ornamentam suas residências com mais plantas nos períodos de temperaturas mais baixas. A explicação está reduzida vegetação das ruas, resultante das geadas, e por permanecerem mais tempo dentro de casa, o que requer ambientes mais decorados. Situações como estas podem explicar a menor demanda em países de climas mais quentes da Europa, como Espanha e Portugal, e os tropicais, como o Brasil.
Uma ressalva, no entanto, deve ser feita na comparação entre os rendimentos do cultivo de flores ornamentais e de outros produtos agrícolas. Enquanto as flores envasadas mais sofisticadas exigem investimentos máximos de R$ 500 mil a R$ 600 mil/ha, a soja, o milho e o feijão exigem aplicações médias de R$ 600/ha/safra. “A produção de flores pode ser comparada a uma base industrial de resultados contínuos. O mesmo já não se dá com os grãos, que exigem investimentos para cada safra anual”, diz o presidente da Amiflor. (RA)
Por que flores e crédito não combinam?
O segmento paisagismo cresce muito no Brasil. E com ele a produção de mudas de flores. “Acredito que o fato de mais mulheres passarem a trabalhar fora de casa resultou na necessidade de contratação de profissionais para a execução de projetos de reforma ou construção de jardins de residências”, arrisca Maria de Lourdes Mansur. Já a produção de flores para paisagismo difere das flores de corte, pois exige maior área, mais tempo de cultivo e custos mais baixos. Entre R$ 2 mil a R$ 3 mil por hectare.
Além do reduzido apoio oficial para a divulgação institucional do mercado de flores ornamentais no Brasil, os produtores do setor reclamam ainda de um tratamento mais específico em relação à obtenção de linhas de crédito. “Nas agências do Banco do Brasil, constatamos o total desinteresse dos gerentes em nos oferecer linhas de crédito. Eles preferem emprestar para agricultores tradicionais, como os pecuaristas e produtores de arroz e feijão”, diz a secretária executiva da Amiflor, Maria de Lourdes Mansur.
Retirada de terra para vasos degrada ambiente
Algumas floriculturas estão cometendo crime ambiental ao retirar terra de uma camada de até um
metro do solo, rica em microorganismos, para vender ensacada para paisagistas e jardins particulares
A tradicional retirada de terra ‘vegetal’ de áreas rurais para uso em projetos paisagísticos e envazamento de plantas é responsável por graves danos ambientais. Motivos: primeiro, porque a atividade é quase sempre desprovida de cuidados preservacionistas; segundo, em sua grande maioria, são negócios ilegais geradores de erosão e assoreamento de cursos e nascentes d’água, pois são realizados pragmaticamente, sem projetos técnicos e licenciamento ambiental.
As áreas exploradas, na maioria das vezes, próximas aos grandes centros urbanos, onde está o grande mercado de flores, é um exemplo claro do equívoco histórico de se retirar e dispensar a terra original de um local que receberá mudas de árvores, flores e grama, para substituí-la por outro material, dito “vegetal”, vendido como de melhor qualidade e retirado de áreas virgens. O material é retirado de uma camada de até um metro de altura do solo, considerada rica em microorganismos e matéria orgânica – a terra mais escura, quase preta, pode ser encontrada ensacada em supermercados ou floriculturas, enquanto a vermelha é vendida diretamente para utilização em projetos de gramados.
No bairro Anjicos, município de Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, vários proprietários rurais vendem “terra vegetal” para projetos paisagísticos. A degradação é uma realidade.
Os técnicos do escritório do Ibama, no município de Lagoa Santa, responsáveis pela fiscalização ambiental em Vespasiano, junto com a prefeitura deste município, atuaram e embargaram, em julho, duas áreas de exploração de terra vegetal neste bairro – a multa foi de R$ 500,00 em cada caso, valor baixo, já que a exploração não atingiu nascentes e cursos d’água; neste caso, a multa mínima é de R$ 1.500,00, mas pode chegar a R$ 50 mil por hectare ou fração.
Apesar da autuação, a exploração continua nestes locais, onde duas pequenas e improvisadas placas de madeira na beira da estrada vicinal indicam a venda de “terra vegetal do Fábio” e “terra vegetal do Márcio”. A exploração atual, mesmo após o embargo do Ibama e da prefeitura, foi confirmada, por telefone, por Fábio Viana – ele estipulou em R$ 120,00 a entrega de 8m3 de terra num prazo de cinco dias, no bairro Sion, em Belo Horizonte. Segundo ele, a retirada somente se interromperá no período mais intenso das chuvas. (RA)
Qualquer solo pode ser usado depois de corrigido
As principais irregularidades ambientais provocadas pelas floriculturas na retirada de terra são os desmates de
vegetação nativa, a destoca e a retirada da vegetação fértil do solo, que impede a recuperação natural do solo
Na Fazenda dos Anjicos, de Helvécio Eustáquio Viana, os 2 mil m3 de terra retirados nos últimos cinco anos podem ser dimensionados pela altura das bases naturais de sustentação das árvores em relação ao solo, numa área de um hectare. Em área oposta à estrada, sob exploração atual, o solo já apresenta erosão em alguns pontos; foram construídas curvas de nível, mas a terra fofa nestes locais poderá ser facilmente carregada pelas chuvas. Marcas de pneus de caminhões puderam ser vistas no local, na manhã do domingo 10 de novembro, dia sem atividade exploratória.
Mesmo depois de autuado, em 31 de julho, pela retirada de terra vegetal sem licenciamento ambiental do Ibama, o proprietário recebeu da prefeitura de Vespasiano uma licença de três meses para continuar a exploração, prazo que expirou no final de outubro. A partir daí, tem mais seis meses para adequar o local a uma atividade sustentada e recuperar a área degradada – este prazo coincide exatamente com o período mais intenso de chuvas, o que pode comprometer qualquer ação de recuperação da área. Pela legislação ambiental, o proprietário somente poderá obter licença exploratória de lavra do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM – e ambiental do Ibama, após atender às exigências dos planos de Recuperação de Área Degradada – Prad, e de Controle Ambiental – PCA.
“O local apresenta bons (sic) sinais de degradação, mas a empresa está se adequando. A fiscalização municipal embargou a exploração e a retirada de terra não ocorre atualmente, devido ao peso da terra provocada pelas chuvas”, diz o técnico ambiental da prefeitura de Vespasiano, Marcel Thommer.
Gravidade ambiental
Já na Fazenda Olhos d’Água, de Tristão da Costa Viana, pai de Fábio Roberto Viana, responsável pela atividade, o estrago, também atual, é bem maior, e ocorre numa área de 4 mil m2. Ali, se verificam cortes de cerca de um metro de altura do solo, muita terra recém revolvida, restos de raízes de árvores pequenas, espalhados por todo o terreno, e somente algumas poucas árvores mais altas preservadas sobre pedestais de terra vermelha. Marcas de caminhões no chão também mostram atividade recente.
Marcel Thommer afirmou que o agricultor Fábio Viana teve rejeitado projeto de recuperação da área degradada por causa da “gravidade ambiental” na Fazenda Olhos d’Água, mas ignora a exploração atual, a exemplo do técnico ambiental do Ibama de Lagoa Santa, Darlan Alexandre Garzon de Paula.
De acordo com outro técnico do Ibama de Lagoa Santa, Messias Pedro de Melo Júnior, as principais irregularidades ambientais nas duas propriedades são desmate de vegetação nativa, destoca e retirada da vegetação fértil do solo, o que impede a recuperação natural do solo. Assim, será obrigatório o replantio de árvores e capim para pastagens, caso a exploração posterior seja a pecuária; a formação de curvas de nível e a manutenção de 20% da mata original.
“É um erro se eliminar a terra dos locais sob projetos paisagísticos, pois qualquer solo pode ser usado depois de corrigido, a exemplo do que ocorre na agricultura. Assim, se evita a retirada de terra de dois locais e a deterioração ambiental na área de fornecimento do produto”, diz o vice-presidente da Sociedade Mineira dos Engenheiros Agrônomos, Haroldo Sampaio.
A melhor opção para o cultivo de plantas, flores e gramados, na opinião de Sampaio, é corrigir o próprio solo da área a ser plantada e se acrescentar o substrato como um adubo orgânico – os substratos são produzidos à base de troncos de árvores, turfa e resíduos vegetais e minerais diversos, que, num procedimento industrial, são triturados e acrescidos de adubo, para suprir as necessidades de nutrientes exigidos pelas plantas.
O engenheiro agrônomo ressalta ainda que a terra vegetal possui baixo grau de nutrientes, como fósforo e potássio, e alto índice de acidez e alumínio, o que exige o uso de adubo químico.
Uso do substrato
O uso de substrato teve início no final da década de 60 na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, estima-se que o consumo aumenta de 20% a 30% nos últimos anos, e já se iniciou a discussão entre profissionais da agronomia e agricultura e industriais para alinhavar um projeto de lei destinado a regulamentar o uso destes produtos. Em muitos países, a legislação define as características dos substratos e impede a mistura de terra vegetal.
Haroldo Sampaio ressalta ainda que a prática atual de utilização de matéria vegetal, além da deterioração ambiental, implica nos riscos do produto transferir pragas e doenças agrícolas para os locais de plantio.
Já o substrato é esterilizado e não contém terra, o que mostra uma preocupação preservacionista e maior controle da produção, já que feitos sob medida para cada tipo de planta. “A substituição do adubo químico pelos produtos orgânicos impede a salinização e o comprometimento do solo, já que estes produtos se renovam com o aproveitamento dos restos das plantas cultivadas, e se propagam pelo subsolo da área cultivada, sem risco de contaminação de mananciais”, diz Francisco Ullmann, proprietário da Roda d’Água, floricultura sediada em Juatuba, região de Belo Horizonte. (RA)