Trabalho e Meio Ambiente

Globalização: mais riscos no ambiente de trabalho

20 de fevereiro de 2004

Implementação dos princípios da Agenda 21 vai mudar a relação Trabalho/Ambiente e os trabalhadores e sindicatos têm papel fundamental no controle dos riscos industriais-ambientais.

      Robôs, computadores supervelozes, sistemas de controle da qualidade, reengenharia, internet. Adentramos no Terceiro Milênio muito mais capazes de produzir bens e serviços, de combater vírus e bactérias, de percorrer distâncias e de realizar outros tantos feitos. Mas todo esse fetiche tecnológico ainda não é capaz de resolver problemas fundamentais da humanidade. Hoje, mais de um bilhão de pessoas vivem em estado de pobreza absoluta, 900 milhões de adultos são analfabetos, 100 milhões de pessoas não têm moradia, 150 milhões de crianças menores de cinco anos são desnutridas. Esse cenário tem grande repercussão na vida em sociedade, especialmente no mundo do trabalho e na distribuição global dos riscos ambientais. 


Insalubridade


Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), morrem, por ano, 200 mil trabalhadores por exercerem atividades em locais insalubres, penosos ou perigosos. Outros 120 milhões sofrem atualmente de alguma doença adquirida no ambiente de trabalho. As perdas econômicas associadas a doenças e acidentes do trabalho beiram 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. 


No Brasil, as estatísticas de acidentes de trabalho são objeto de acompanhamento e estudo do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região (SP) há pelo menos duas décadas, mostrando que o quadro que se verifica é dos mais preocupantes. No anuário de 1997 da OIT foi divulgado o número de 372.249 acidentes e 3.702 mortes sobre o Brasil relativo ao ano de 1996, enquanto internamente a Previdência divulgava 395.455 acidentes e 5538 mortes.


Cabe salientar que em 1977, a Fundacentro chegou a um cálculo aproximado de 30% de subregistro. Ou seja, mesmo mostrando números preocupantes, os dados brasileiros registravam apenas 70 acidentes em cada 100 que estavam ocorrendo entre segurados da Previdência.


Degradação


A coletânea “Trabalho, riscos industriais e meio ambiente: rumo ao desenvolvimento sustentável” publicada pela Editora da Universidade Federal da Bahia – contextualiza as referidas estatísticas. 


“A incorporação de milhares de novas substâncias químicas, o aumento das plantas industriais, dos volumes produzidos e transportados e da aplicação de diversas formas de energia trouxeram, indubitavelmente, a ampliação da grandeza e do alcance dos impactos sócio-ambientais das atividades humanas nas sociedades contemporâneas. Assim, os padrões de produção e consumo passaram a definir, cada vez mais profundamente, tanto o estado das águas, do ar, dos solos, da fauna e flora, quanto as próprias condições de existência humana, seus espaços de moradia e de trabalho, seus fluxos migratórios, as situações de saúde e de morte. Nos espaços urbanos-industriais, que hoje concentram mais de dois terços da população, rompem-se as fronteiras do ambiente intra e extra-fabril, como demostram os acidentes industriais de grande porte”, destaca o estudo.


Emprego e saúde


Raquel Maria Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade do Ceará e estudiosa do tema saúde dos trabalhadores e meio ambiente, ressalta que a disputa acirrada entre os governos pela instalação de plantas industriais, apresentadas às sociedades como soluções para o desemprego, na maioria das vezes não considera seus impactos sobre o meio ambiente e as condições de trabalho, podendo levar à maior degradação ambiental e à geração de mais situações de risco.


“A atual tendência ao deslocamento dos empreendimentos para cidades de menor porte, sem tradição industrial, amplia os territórios expostos a tensores ambientais e a riscos ocupacionais, sem a correspondente capacitação do poder público e dos organismos da sociedade civil para o seu controle”, alerta Raquel.


Agenda 21


José Gaspar Ferraz de Campos, superintendente da Fundacentro e autor do livro ?Agenda 21 – Da Rio-92 ao local de trabalho?, conhecido pela combatividade e firmeza de seus argumentos nas reuniões nacionais e internacionais de que participa sobre saúde dos trabalhadores, aponta os princípios do Capítulo 29 da Agenda 21 como de grandes conseqüências práticas para o equacionamento dos problemas ambientais dentro e fora dos muros das companhias (veja no box a síntese do documento).


“O direcionamento da Agenda 21 não deixa margem a dúvidas em relação à meta de eliminação da pobreza e seu objetivo último: a melhoria da qualidade de vida do planeta e de todos os seres vivos que nele habitam. O Capítulo 29 deve ser compreendido nesta perspectiva. Para a implementação prática dos 14 itens aí estabelecidos, se faz necessária uma profunda mudança na forma e na maneira de encarar a resolução dos problemas ambientais?, enfatiza Campos.












O que diz o Capítulo 29 da Agenda 21


Os sindicatos, legítimos representantes dos trabalhadores, são atores vitais na busca do desenvolvimento sustentado, dadas as suas experiências nas mudanças industriais, sua defesa do meio ambiente do trabalho e na luta por melhores condições de vida. O princípio do tripartismo assenta as bases para uma colaboração entre trabalhadores, empresários e governos, com vistas ao desenvolvimento sustentado.



O objetivo primordial é a eliminação da pobreza e o pleno emprego, que contribuem para atingir um meio ambiente seguro, limpo e saudável no local de trabalho e na comunidade em geral.



Os governos e os empresários deverão incentivar a participação dos trabalhadores e de seus sindicatos nas decisões concernentes à aplicação e à avaliação dos programas nacionais sobre meio ambiente e desenvolvimento, inclusive aqueles relacionados às políticas de emprego, estratégias industriais, programas de ajustes sociais e transferência de tecnologias.



Os sindicatos, os empresários e os governos devem cooperar para assegurar que se aplique de maneira eqüitativa o conceito de desenvolvimento sustentado;



Os governos e os empresários devem garantir aos trabalhadores e a seus sindicatos toda informação concernente que permita uma efetiva participação na tomada de decisões.



Os sindicatos e empresários deverão estabelecer parâmetros com vistas a definir uma política ambiental conjunta, com prioridades no que diz respeito à melhoria do local de trabalho e comportamento ambiental da empresa.



Os sindicatos deverão buscar assegurar que os trabalhadores possam participar das auditorias ambientais e das auditorias nos locais de trabalho e também das avaliações de impacto ambiental.



Os sindicatos deverão desempenhar um papel ativo nas atividades relacionadas ao desenvolvimento sustentado, participando ativamente das atividades relacionadas com o meio ambiente e o desenvolvimento da comunidade local e promover ações conjuntas em relação aos problemas de interesse comum.



Os trabalhadores e seus representantes deverão ter acesso a uma formação adequada a fim de produzir uma consciência ecológica, garantir a saúde, segurança no trabalho e melhores condições de vida. Tal formação deverá assegurar a capacitação necessária para promover o desenvolvimento sustentado e a melhoria dos locais de trabalho.


 








Direitos assegurados só no papel 


No artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 10/12/1948 após os horrores da 2º Guerra Mundial, pela ONU e ratificada pelo Brasil, está previsto que:


1. “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de seu trabalho, a condições justas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 


2. Todos têm direito, sem nenhuma discriminação, a salário igual por trabalho igual. 


3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe permita e à sua família uma existência conforme a dignidade humana e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 


4. Toda a pessoa tem o direito de fundar, com outras pessoas, sindicatos e de se filiar a sindicatos para a defesa de seus interesses.” 


Já a Constituição Federal do Brasil, promulgada em 05/10/88, no artigo 6º, afirma que:


“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência dos desamparados, na forma desta Constituição.


O mapa da vergonha


Milano Lopes


É da lavra do Ministério do Trabalho o Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente, relativo ao período 1997-1999. Trata-se de uma minuciosa – e vergonhosa – fotografia do quadro brasileiro das relações entre a criança e o trabalho.


O Mapa expõe, cruamente, a contribuição de cada um dos 27 Estados da Federação no fornecimento de mão-de-obra infantil para todo tipo de serviço, dos mais insalubres aos mais pesados, e dos salários de miséria com que essas crianças são remuneradas.


Na indústria moveleira do Acre e do Amapá as crianças são usadas para carregar madeira pesada dos depósitos na floresta, carregados de fungos e agrotóxicos, até as usinas de processamento. No Acre as crianças são também contratadas para – pasmem – quebrar concreto.


No Amazonas, o trabalho das crianças é mais leve, embora ainda mais perigoso: são catadores de lixo nos lixões de Manaus para as usinas de reciclagem. Trabalham de segunda a segunda, sem qualquer proteção legal.


Em Rondônia, crianças trabalham no comércio de bebidas em casas noturnas, como limpadores de banheiro e lavadores de louça. Crescem em meio à prostituição.


Em Alagoas, crianças trabalham na fabricação de fogos de artifício, na preparação de pólvora e outros produtos químicos, sem nenhuma proteção. Dezenas de crianças já perderam os dedos das mãos devido a explosões acidentais. E ficou por isso mesmo.


Na Bahia o trabalho infantil existe nas culturas do sisal, do café, do algodão, da cana, da mandioca e do fumo. No Ceará, crianças são empregadas na cultura do caju, sem nenhuma proteção trabalhista. 


Não é diferente o quadro no Maranhão, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte.


No Centro-Oeste crianças trabalham nos lixões no Mato Grosso do Sul, na colheita agrícola em Goiás e nas madeireiras de Mato Grosso.


São Paulo e Minas Gerais empregam crianças na lavoura. São os “bóias-frias” infantis. No Sul, os gaúchos exploram as crianças no cultivo do fumo, da maçã e da batata. Os paranaenses utilizam o trabalho infantil na extração e beneficiamento de calcário, carvão vegetal e nas pedreiras.








Terceirização e Segurança


Da Indústria Automobilística à Petrobras


Milano Lopes


Um dos mais apreciados efeitos da globalização, especialmente para as grandes corporações, é a redução de custos que, quase sempre, se traduz em maximização de lucros.


E essa redução de custos tem sido alcançada através do moderno instrumento da terceirização, através da qual as grandes empresas contratam outras, para a realização de tarefas.


Montadoras


A terceirização teve na indústria automobilística seu principal ícone. Na verdade, essa indústria não produz, mas monta automóveis, utilizando-se dos serviços de milhares de pequenas empresas que fabricam as peças dos automóveis. Da fundição das fábricas saem praticamente os motores e as carcaças de aço que constituem o habitáculo dos veículos. O resto, dos faróis aos bancos, da instalação elétrica ao espelho, tudo é produzido fora.


São inevitáveis os problemas de segurança decorrentes dessa maciça terceirização na indústria automobilística. São freqüentes os “recalls”, ou seja, as indústrias pedem aos proprietários de seus veículos que compareçam às oficinas autorizadas para trocar peças defeituosas.


Algumas vezes o “recall” só acontece quando o defeito produz vítimas fatais. O caso mais recente é o da camionete “Explorer” produzida pela Ford norte-americana, cujos pneus provocaram dezenas de acidentes fatais nos Estados Unidos e em vários países, inclusive no Brasil, até que fossem trocados.


Petrobras


Outro exemplo ilustrativo dos males da terceirização é a Petrobras. Dados do Sindicato dos Petroleiros, não refutados pela empresa, garantem que mais de 70% dos acidentes debitados nos últimos cinco anos à Petrobras ocorreram por imprudência ou imperícia de trabalhadores e técnicos de empresas terceirizadas, ou seja, que trabalham para a Petrobras.


O mais recente – e fatal – desses acidentes, que resultou no afundamento da plataforma P-36 na bacia de Campos não fugiu à regra. Apenas 25% da força de trabalho que atuava na P-36 eram de operários da Petrobras.


E não poderia deixar de ser diferente: a empresa terceirizada ou contratada, geralmente de médio ou de pequeno porte, não tem recursos nem tempo para treinar especialistas com a intensidade desejável. Resultado: são considerados, nas empresas para quem trabalham, trabalhadores de segunda classe, percebem salários substancialmente menores, mas assumem responsabilidades antes diferidas aos operários qualificados da empresa-mãe. A conseqüência tem sido a ocorrência de acidentes, motivados, na maioria das vezes, por imprudência ou imperícia.


Mas, a despeito disso, a terceirização não está ameaçada e tende a ampliar-se. Aliás, já se busca a quarteirização, ou seja, uma terceira empresa é contratada para acompanhar as atividades das empresas terceirizadas que trabalham para uma determinada empresa-mãe.


 








SUMMARY