Estados competem pela água. Como fica a Federação?
12 de fevereiro de 2004Chegou a hora de gerenciar as águas de rios que banham muitos municípios, vários estados e até países diferentes
Folha do Meio – Por que o federalismo na questão dos recursos hídricos?
Garrido – A verdade é que a gestão de recursos hídricos, conforme já bem difundido no País, se desenvolve com base no planejamento por bacia hidrográfica. Há inúmeras bacias brasileiras cujos territórios perpassam os de alguns estados. Por exemplo, a bacia do Paraíba do Sul banha parte dos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
Sucede que, cada um desses estados tem política de desenvolvimento própria que
Um problema técnico sobre água, passa a ser um problema político que envolve a ordem federativa
depende, em alguma medida, do recurso natural água. Ora, como as águas de rios e aqüíferos transitam, em muitos casos, de um estado para outro, o fato de, por exemplo, um estado a montante(3) reter parte dessas águas, ou mesmo contaminá-las, pode prejudicar estados a jusante(4).
Assim, um problema técnico sobre água, passa a ser um problema político que envolve a ordem federativa. Vai daí, o binômio federalismo e recursos hídricos resulta ser uma discussão importante em países ricos em água e com uma divisão político-administrativa como a nossa.
FMA – Há paralelo nas trajetórias históricas do federalismo e da gestão do uso da água?
Garrido – Federalismo e ges
tão dos recursos hídricos no Brasil têm suas origens nas primeiras décadas do século 20. No caso do federalismo, o Brasil muito deve a Ruy Barbosa que propôs um presidencialismo sujeito à Federação e a um Poder Judiciário independente. No que se refere à gestão dos recursos hídricos, é de 1907 a primeira versão do texto do professor Alfredo Valladão, proposta que viria a tornar-se, em 1934, o Código de Águas do Brasil, até hoje tido pela Doutrina Jurídica como um dos textos modelares do Direito Positivo Brasileiro.
Apesar desse longo paralelismo histórico, é somente a
A partir da implantação da cobrança, o uso dos recursos hídricos passa a representar receita. Neste caso, a água que se movimenta entre estados diferentes pode ser, e tem sido, motivo de disputas
A partir do final dos anos setenta que a sociedade brasileira viria a defrontar-se com os conflitos pelo uso dos recursos hídricos, alguns envolvendo unidades da Federação, fazendo aflorar a importância do princípio federativo no contexto da gestão do uso das águas de mananciais(5). Vale lembrar que mesmo a história centenária das secas, que custou a chamar atenção do governo central, constituiu, por muitas décadas, um problema de recursos hídricos. E o cerne da questão é nitidamente federativo.
FMA – Que fatores nos levam a considerar a água de mananciais importante para o tema do federalismo?
Garrido – É como eu disse. Os conflitos pela água entre estados distintos foi uma das primeiras razões de se incluir o debate federativo nas decisões sobre o planejamento e a gestão do uso da água de mananciais. Há outros fatores, entretanto. O fato de, por exemplo, reconhecer-se a água como um bem econômico talvez seja o mais forte desses fatores. Ao definir dois domínios para os recursos hídricos, a Constituição de 1988 induziu aos estados federados a “contabilizarem” a parcela de água de sua propriedade. São justamente aqueles cursos d’água cujo leito não passa de uma unidade federada para outra, tampouco serve de fronteira entre as mesmas, além da parcela de águas subterrâneas, que são de domínio estadual. É a contabilidade ambiental, se é que a expressão é válida, assumindo forma concreta neste início de milênio. Ou são, por outra, as contas da Terra reclamando a sua inclusão no sistema de cálculo nacional que, tradicionalmente, tem incorporado a desvalorização de maquinária, equipamentos, edifícios e outros ativos, mas que tem deixado de lado o esgotamento do capital natural.
A partir da implantação da cobrança, o uso dos recursos hídricos passa a representar receita. Neste caso, a água que se movimenta entre estados diferentes pode ser, e tem sido, motivo de disputas. Em outras palavras, o fator de maior peso é o econômico, como sempre ocorre com as principais decisões de governos, de agentes produtores e de consumidores de nossos dias.
Programa Avança Brasil contribui para gestão da água
Transposição de bacias é um caso clássico de conflito pelo uso dos recursos hídricos
FMA – O papel dos municípios cresceu depois da Constituição de 1988. Isto afetou, de alguma forma, a gestão dos recursos hídricos?
Garrido – O movimento municipalista que se operou, no Brasil, durante os anos oitenta, foi decisivo para que os constituintes dessem, na atual Carta Magna, a importância devida à essa unidade político-administrativa. O fato é que os municípios estavam com suas finanças estranguladas. Um movimento dos prefeitos exerceu forte pressão sobre os constituintes, provocando o nascimento das bases de um novo federalismo, reforçando o papel dos municípios, que passaram, alguns, a ter seu próprio Tribunal de Contas, e todos com lei orgânica e sistema tributário específico.
Curiosamente, entretanto, a mesma Constituição de 1988 fez extinguir o domínio municipal dos recursos hídricos, que existia desde 1934 por determinação do Código de Águas. Em outras palavras, no momento em que a unidade municipal cresceu em termos de seu papel em face da Federação, perdeu espaço no campo da gestão de recursos hídricos. Isto, no entanto, não chega a constituir grande prejuízo para o Sistema de Gestão de Recursos Hídricos, porque, como as dimensões territoriais dos municípios são, em geral, pequenas, sobretudo quando postas em presença das bacias hidrográficas, caso o domínio municipal das águas fosse mantido, a harmonização dos interesses de três domínios, e não de dois como sucede hoje, poderia ainda ser mais complexa para o trabalho da Agência Nacional de Águas e das entidades e órgãos estaduais gestores de recursos hídricos.
Aliado a isso, uma solução foi encontrada ao dar-se assento aos municípios nos Comitês de Bacia, que é o verdadeiro fórum de decisão sobre como gerir os recursos hídricos no País. Adicionalmente, aqueles municípios que tiverem serviço de saneamento próprio, comparecem também ao comitê na condição de usuários dos recursos hídricos.
FMA – Assim, como fica a questão das transposições(6) de águas entre estados?
Garrido – Este é um caso clássico de conflito pelo uso da água que remete à questão federativa. Ocorre que os estados que, em uma transposição, devam ser exportadores da água, normalmente clamam por compensação por estarem comprometendo o seu desenvolvimento futuro ao cederem águas correntemente superavitárias. Se a decisão ficar exclusivamente para ser tomada pelo comitê da bacia, óbvio está que este não concordará em abrir mão de vazões em favor de outras bacias. E, se o ângulo da análise for o do desenvolvimento nacional, uma transposição deve ter, como princípio básico, o fato de que a água deve ser transportada de onde ela é menos produtiva para onde puder ser mais produtiva. Mas uma transposição entre estados deve passar pela avaliação não somente sob a ótica do desenvolvimento nacional, mas também sob o ponto de vista do desenvolvimento regional, razão por demais suficiente para que se busquem saídas através de um pacto federativo que envolva as unidades federadas e demais segmentos interessados da região da eventual transposição.
É importante observar que antes de se pensar em transposições entre estados, devem ser exploradas todas as possibilidades de transferências de água internas aos estados que pretendem importar água. O que vai economizar medidas para vencer as extenuantes dificuldades que, neste caso, o sistema federativo impõe. Basta dar uma olhadinha e ver o debate nacional sobre a transposição do São Francisco para se perceber a importância do tema.
FMA – Que contrastes há entre a descentralização das decisões na gestão dos recursos hídricos e nas demais questões das políticas públicas?
Garrido – A gestão dos recursos hídricos deve se situar no mais baixo – e apropriado – nível hierárquico de governo. Isto significa afirmar que tudo quanto pode ser resolvido, em matéria de uso da água bruta, no âmbito municipal, não deve ser levado ao nível estadual, tudo quanto pode ser decidido na esfera estadual de Poder Executivo, não deve subir ao ní
vel federal.
Pareceria estranha esta inclusão do município, dado que este não detém domínio sobre os recursos hídricos. Mas, deve-se assinalar que os municípios exercem papel relevante nessa gestão, não somente por atuar, em muitos dos casos, como usuário da água, mas também pela importância que guarda consigo a unidade administrativa municipal no contexto da administração dos bens públicos do País.
Como contraste, outras políticas públicas que têm relação com a Política Nacional de Recursos Hídricos têm seus agentes atuando mediante um processo decisório top-down(7), contrário ao da política hídrica que é, por excelência, um processo bottom-up(8). Isto não quer dizer que um dos dois esteja errado, pois as características dos diversos setores são, às vezes, bastante distintas. Mas é forçoso reconhecer que, quando há este tipo de inversão, as políticas que se perfilam pelo tipo de processo top-down terminam por afetar a política de uso da água, causando, algumas vezes, distorções importantes. Por exemplo, por décadas seguidas a política de recursos hídricos (bottom-up) era comandada pela de geração energética (top-down), distorção que foi corrigida com a criação da Agência Nacional de Águas, que começou a estabelecer o equilíbrio entre os dois setores.
FMA – O Avança Brasil, um dos instrumentos de aperfeiçoamento do federalismo brasileiro, contribui para a gestão dos recursos hídricos?
Garrido – Claro que sim! Um dos pilares do Avança Brasil são os eixos nacionais de integração e desenvolvimento. Isso baseia-se, em quase todos os casos, em calhas principais de grandes bacias hidrográficas, o que restaura uma preocupação importante com um dos usos dos cursos d’água nacionais que é o transporte hidroviário, abrindo o espaço para a intermodalidade com rodovias e ferrovias, o que, por certo, aumentará a eficiência da movimentação da produção nacional.
Além disso, o Avança Brasil contribui de outras formas para a gestão dos recursos hídricos. O programa traz à tona o enfoque das relações entre as unidades federadas, porquanto é um plano plurianual que integra as regiões – e portanto os estados – as políticas setoriais de energia, transportes, meio ambiente, telecomunicações, desenvolvimento social, criando um cenário propício ao exercício da Política Nacional de Recursos Hídricos. Os comitês de bacia aí se encaixam sob medida, trazendo para o debate o setor privado (usuário de água), a sociedade civil organizada e as três esferas do Poder Executivo.
No futuro, o aprimoramento do Avança Brasil redesenhará, certamente, o território brasileiro. Deve superpor as bacias com a divisão político-administrativa, aperfeiçoando importantes dimensões do pacto federativo.
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-SUMMARY-
States compete for water. What about the Nation?
We have to face reality: water is something serious, there is no place for wastefulness and pollution must be put to an end. In this new millennium, when the main topic is water resources, some myths have vanished: the abundance of water is history! Brazil has great amounts of water, but with a lousy distribution system, terrible wastefulness and a faulty management. How to manage the water of rivers that bathe many cities, some states and even different countries? There are many examples: the rivers that make up the Prata Basin crosses eight states and serves as border for three countries; São Francisco River zigzags five of our states; another important river is Paraíba do Sul, bathing different cultures, obsolete legislations and different realities. Brazil, with its 5.573 cities in the 27 national units (states), needs to manage conflicts and handle interests. That is why, in the commemorations for the World Water Week this year, the Office of Water Resources of the MMA (Ministry of Environment), together with ANA (National Water Agency) and Itamaraty Foreign affairs office), have chosen the topic of Federalism for debate. Apparently, one thing is not related in any way to the other. But this is just apparently. In federative countries, such as Brazil, the principle of water basins is, from time to time, contested by the obligations from the states, in the same way that the hydrographical basins, also compete among themselves.
O exemplo de gestão da Comunidade Européia
CEE colocou na mesa a discussão sobre o uso compartilhado da água
e metas a serem alcançadas
FMA – Fala-se no federalismo de parceria, de cooperação. Como um gestor de recursos hídricos vê essa perspectiva?
Garrido – Imagine-se uma bacia hidrográfica que banhe vários estados. Seu comitê, constituindo um parlamento das águas com representantes dos governos estaduais, dos governos municipais, além dos setores usuários da água e da sociedade civil organizada, reflete, em verdade, uma ambiência propícia ao pacto.
Essa verdadeira onda que vem varrendo o planeta, a demonstrar que a gestão por bacia constitui uma aplicação, ou mais uma faceta da democracia participativa, pode ser o embrião de novas formas de governo que
prosperarão no futuro
Além disso, o comitê é visto, também, como uma versão regional de uma experiência entre unidades federadas. Tal experiência se apresenta, olhando no mapa do Brasil, como uma peça do mosaico do pacto maior que é o pacto federativo, onde a agenda de debates passa, inexoravelmente, pelos critérios de parceria e de cooperação entre esses agentes.
Como gestor de recursos hídricos, vejo que o setor dá um passo fundamental para contribuir com o aperfeiçoamento do federalismo brasileiro. Aliás, reclamamos por esse aprimoramento. Isso porque o federalismo não foi o ato fundador de nossa independência. No Brasil, pratica-se um federalismo de jure(9), distorcido pela supremacia do poder federal sobre os demais. E não um federalismo de facto(10), no qual os três níveis do Executivo conviveriam em equilíbrio, ou seja, sem uma relação de dependência tão acentuada.
Assim, a comunidade técnica dos recursos hídricos, pequena que seja, oferece importante contributo para que a sociedade brasileira possa festejar o federalismo em sua verdadeira acepção. Será nosso prêmio.
FMA – Vamos ao exemplo da Comunidade Européia que, na verdade, se aproxima de uma federação. São estados-nação. Isto tem facilitado a gestão de recursos hídricos naquele continente?
Garrido – Evidente que sim. A União Européia colocou sobre a mesa de negociações, entre inúmeros temas de interesse comum, o uso compartilhado de seus recursos hídricos. Veja-se o caso do rio Danúbio, que percorre territórios de vários países da Comunidade antes de chegar ao Mar Negro, na Romênia. Igualmente sucede com boa parte dos rios portugueses, como o Minho, o Douro, o Tejo e o Guadiana. Todos eles nascem na Espanha. Situação assemelhada à de Portugal é a dos Países Baixos, cuja política hídrica depende de países a montante como a Bélgica, a França e a Alemanha.
O aperfeiçoamento e a ampliação do Tratado de Roma (1957) e a conseqüente transformação do Mercado Comum Europeu em Comunidade Européia (1972) e, mais recentemente, em União Européia (1992) veio facilitar significativamente o entendimento entre os países que hoje integram o bloco europeu. Isso reflete uma relação federativa, até mesmo mais complexa, pois com povos, idiomas, costumes e expectativas diferentes em maior ou menor grau.
Os grandes avanços estão nas diretivas da União Européia que são emitidas sobre as mais diversas políticas e que estabelecem, no caso dos recursos hídricos, metas a serem alcançadas em horizontes de tempo definidos. Por exemplo, são definidos padrões de qualidade para a água, a serem alcançados em determinado horizonte de tempo para o abastecimento urbano, para a vida piscícola, águas destinadas à balneabilidade(11) e outros usos para os quais a qualidade seja o parâmetro principal.
FMA – Dá para dar exemplos de ações de gestão de recursos hídricos, no Brasil, que dêem algum sinal de aliança ou pacto federativo?
Garrido – Há inúmeras. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, o mais elevado colegiado do setor no Brasil, ainda recentemente, fez aprovar, em sua reunião plenária, que contou com a presença do ministro José Carlos Carvalho, a cobrança pelo uso da água na bacia do Paraíba do Sul. Foi numa articulação perfeita que envolveu a SRH – MMA, a ANA e os governos estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nós mesmo, da SRH, temos atuado junto aos estados, apoiando-os, quando solicitado. Estamos prontos a discutir os pontos mais relevantes das políticas de águas subterrâneas, de domínio destes. Depois da entrada em atividade da Agência Nacional de Águas, ações dessa natureza são ainda mais visíveis, dada a flexibilidade e agilidade com que conta uma agência reguladora e implementadora de políticas públicas.
Outro exemplo: a ANA assinou, em setembro de 2001, durante o IV Diálogo Interamericano de Gestão da Água, em Foz de Iguaçu, convênio com o governo do Paraná, delegando-lhe competência para promover a gestão dos trechos altos dos rios Iguaçu e Ribeira, o que bem reflete a parceria entre os dois mais elevados níveis hierárquicos da Federação.
Se percorrermos, na ponta do lápis, sobre o mapa do Brasil, encontraremos um sem-número de exemplos de alianças em torno dos recursos hídricos, demonstrando que este setor vive a enfrentar, quotidianamente, os desafios do federalismo brasileiro.
GLOSSÁRIO
1. Federalismo
Trata-se de uma forma de governo pela qual vários estados, ditos federados, se reúnem numa só nação, sem perderem sua autonomia fora dos negócios de interesse comum. Basicamente, o federalismo constitui uma hierarquia de governos que mantêm um grau elevado de autonomia.
2. Bacia hidrográfica
Espaço geográfico contornado pelos divisores de água, onde parte das águas de chuvas escoa superficialmente, uma segunda parte se infiltra nas camadas do solo e uma terceira se evapora, sendo que a parte escoada carrega consigo matéria sólida em direção a um ponto único desse espaço para formar uma foz (também dita embocadura) ou um exutório (ponto de saída).
3. Montante – Região para o lado da nascente de um curso d’água, ou seja, para a parte mais elevada da bacia hidrográfica. Diz-se que o ponto “A”, como exemplo, está a montante do ponto “B”, ambos sobre um mesmo rio, quando as águas passam primeiramente por “A” e, depois, por “B”.
4. Jusante – Região para o lado da desembocadura de um curso d’água, isto é, para onde corre o rio. Diz-se que o ponto “A”, por exemplo, está a jusante do ponto “B”, ambos sobre um mesmo rio, quando as águas passam primeiramente por “B” e, depois, por “A”.
5. Águas de mananciais
Águas de rios, lagos, lagoas, lagunas, quedas d’água, aqüíferos e todas as demais formas de acumulação de águas, mesmo artificiais como açudes, diques etc.
6. Transposição
Retirada de água de uma bacia hidrográfica e transporte dessa água para outra, em regime permanente ou provisório quanto ao horizonte de projeto, e em regime permanente ou intermitente quanto ao sistema de operação.
Rios foram fator de divisão política
Bacias hidrográficas ajudaram a formar as províncias, que formaram os países que formam os continentes
FMA – O senhor falou de federalismo de jure e federalismo de facto. O sistema de gestão por bacia tem alguma outra característica que assegure a contribuição para o fortalecimento do federalismo brasileiro?
Garrido – Não há dúvida nenhuma que sim. O federalismo de facto, ou seja aquele que é auto-sustentável, depende de três fatores: o primeiro deles é que as diferentes esferas governamentais devam ter responsabilidade sobre suas economias regionais. O segundo fator sugere que haja livre mercado entre os subgovernos, combatendo-se, desta forma, os protecionismos locais. E, o terceiro, impõe a necessidade de os subgovernos terem auto-sustentação orçamentária.
FMA – O que o senhor chama de subgovernos?
Garrido – Quero apenas dizer os governos de grau hierárquico mais baixo. Mas voltando ao assunto, a gestão por bacia, em sua configuração completa, lhes provém com as condições básicas para a autonomia orçamentária, que deve ser dada pela arrecadação da cobrança pelo uso da água. Ou já, o “governo” da bacia, que seria um subgoverno no contexto do País, se já não nascesse autônomo em termos orçamentários, um dia iria chegar em que essa autonomia seria certamente alcançada, porque esse é o objetivo da cobrança. Assim, a verdadeira onda que vem varrendo o planeta, a demonstrar que a gestão por bacia constitui uma aplicação, ou então mais uma faceta da democracia participativa, pode ser o embrião de novas formas de governo que prosperarão no futuro.
Não se pode deixar de considerar que os continentes, antes de terem sido divididos em países, e estes em estados, províncias ou departamentos, eram, e ainda são, todos divididos pela natureza em bacias hidrográficas. Seria, aliás, uma boa maneira de se definir um continente: é um conjunto de bacias hidrográficas. Ou melhor, para que esta resposta fique bem ao estilo de um debate sobre federalismo: os continentes da Terra são bacias hidrográficas unidas e autônomas!
Mais informações: Secretaria de Recursos Hídricos:
(61) 317-8258/8230/1007
GLOSSÁRIO
7. Top-down – Processo que se desenvolve de cima para baixo. No sentido empregado, trata-se de um movimento que começa no topo de uma determinada hierarquia e se desenvolve, por assimilações ou imposições sucessivas, até o mais baixo nível dessa mesma hierarquia.
8. Bottom-up – Processo que se desenvolve de baixo para cima. No sentido empregado, trata-se de um movimento que começa nas camadas mais baixas de uma determinada hierarquia e se desenvolve, por assimilações sucessivas, até o mais elevado nível dessa mesma hierarquia.
9. Federalismo de jure – Federalismo que nasce por imposição constitucional, tendente a perder, ou jamais ter, auto-sustentação, sobretudo pela falta de autonomia orçamentária em algum ou em todos os níveis de sub-governos.
10. Federalismo de facto – Federalismo que surge da vontade dos estados em se unirem, tendente a perpetuar-se com base em relações autônomas naturais, observando-se, normalmente, equilíbrio nas relações decorrentes dos interesses entre os mesmos. São sistemas autosustentáveis. É o caso do federalismo dos Estados Unidos.
11. Águas para balneabilidade – São águas destinadas à recreação de contato primário. A origem da palavra é latina: balneare, significando algo relativo a banho, ou próprio para banho. O verbo balnear significa “dar banho em” ou mesmo “tomar banho”.