O índio, a natureza e o turismo
11 de fevereiro de 2004Como inserir os índios na civilização do homem branco, garantindo a eles um desenvolvimento econômico e social digno, sem agressões à sua cultura e à sua individualidade
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Idealizado pelo homem branco, o Dia do Índio é mais uma data para reflexão. No passado, índio era um problema a parte das grandes questões nacionais. Veio a ocupação do território. A preocupação dos exploradores europeus era a mesma das igrejas. Todos tinham preconceito em relação ao índio e todos trabalhavam para dominá-lo. O índio foi forçado a abdicar de sua cultura (língua e costumes) e adotar modos civilizados. Até mesmo decorar a Bíblia. Passado o tempo da conquista, veio o tempo do abandono e depois o da preservação. Aí a proposta era outra: garantir aos indígenas a vida num espaço especial, como fosse um grande aquário, e deixá-los lá dentro vivendo da caça e da pesca. Uma espécie de museu vivo, para de quando em vez ser visitado, estudado e contemplado pelo homem branco.
Hoje os tempos são outros. A exemplos dos brancos, os índios também têm que ter direito à saúde, devem ter direito à educação e, sobretudo, precisam ter direito à terra, aos recursos naturais e à exploração de seus bens para o desenvolvimento saudável de sua gente e de suas gerações. Mas como fazer isso sem agredir sua cultura? Evidente que, em primeiro lugar, mudando nossa postura em relação aos índios. A verdade é que a partir de abril de 1.500, com o descobrimento, os cerca de 5 milhões de habitantes desta terra de Vera Cruz se tornaram presas fáceis das ações do homem branco. Aos poucos foram perdendo sua liberdade na floresta. Cada vez mais acuados, mais oprimidos, eles acabaram por viver todas as mazelas de pobreza e doenças do branco. Hoje não passam de uns 300 mil índios, nos 8.547.403km2 desse nosso Brasil. Vivendo em parques demarcados, em reservas administradas pela Funai, na periferia de centros urbanos ou próximos a fazendas de cacau, de café ou de gado, os índios brasileiros pedem socorro. E só podem pedir socorro ao homem branco. Só ele, com inteligência e boa vontade, pode usar sua força, ciência, tecnologia e dinheiro para salvá-los.
O índio é uma realidade que não pode ser incômoda. Pelo contrário, os brasileiros deveriam se encher de orgulho por mais essa rica diversidade, por esta cultura fantástica e por esse pluralismo étnico. |
Mas não basta ter boa vontade. Não basta o interesse e o esforço de alguns antropólogos, professores, ONGs, empresas, governos e igrejas em querer ajudar os índios. Temos que criar programas sérios, permanentes para garantir-lhes saúde, acesso à educação e formas de utilizar a terra para seu desenvolvimento econômico e social. Só assim poderemos garantir-lhes a liberdade. Entre esses programas está a venda de produtos da floresta e a exploração do turismo.
O índio é uma realidade que não pode ser incômoda. Pelo contrário, os brasileiros deveriam se encher de orgulho por mais essa rica diversidade, por esta cultura fantástica e por esse pluralismo étnico. Os índios foram uma das causas do Brasil ter hoje esse espaço continental.
Dignidade – Mas a pergunta é inevitável: como inserir os índios nesta civilização de brancos como forma de garantir a eles um desenvolvimento econômico e social digno, sem agressões à sua cultura e à sua individualidade? A resposta não é fácil. Mas tem que existir. O Brasil tem hoje tribos em vários estágios de civilização. Muitas aptas a convivência com o homem branco. Prontas a uma integração e que podem muito bem ser parceiras para exploração do turismo. Afinal de contas, a realidade está aí para quem quiser enxergar.
Atividades indígenas na mídia internacional
A cultura indígena é rica em danças, folclore e música. E a realidade dessa manifestação está presente em vários eventos:
• Índios já viraram parceiros de grifes internacionais e tribos são fornecedoras exclusivas de produtos da floresta para grandes indústrias de produtos de beleza;
• As tradições indígenas, com danças e cânticos, sobrevivem no Parque do Xingu (que abriga 17 etnias) e atraem cientistas, pesquisadores, estudantes, autoridades e convidados do mundo inteiro. O Kuarup é todo ano coberto pela grande mídia e instiga o homem branco a conhecer e participar;
• Os Jogos dos Povos Indígenas, a Taça das Nações Indígenas de Futebol e as Olimpíadas Indígenas Mundiais são sucessos que crescem a cada ano;
• O Encontro Nacional de Pagés promovido pela Funai e Fundação Nacional da Paz, em abril de 1998, foi uma universidade de conhecimento da tradicional cultura indígena que encantou intelectuais, estudiosos e toda raça branca;
• Tribos pataxós, guató, bororó, paresi e kamayurá que estão em vários estados (Bahia, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso) já buscam no turismo os recursos para conseguir dignamente o seu pão de cada dia. Uma exploração do turismo que transcende cachoeiras, trilhas e vendas de artesanato. É o turismo étnico. Os principais produtos são suas manifestações culturais e o próprio índio.
• Em Mato Grosso, índios têm sua primeira experiência universitária: é o Projeto 3º Grau Indígena
O fato é que, erguendo ocas mais sofisticadas – até com banheiros – para receber os turistas, os índios vão criando um fato consumado. É hora, portanto, das autoridades governamentais, do Congresso Nacional, dos antropólogos e dos órgãos responsáveis assumirem esta responsabilidade. Não adianta fechar os olhos para esta nova realidade. É um turismo que precisa ser bem ordenado, pois gera impacto negativo forte. Não só pela questão de doenças, costumes e hábitos dos brancos que atingirão as aldeias, como o consumismo, a destinação do lixo, a disputa pelo dinheiro mas até mesmo a produção de alimentos pode ser afetada pela super valorização da produção do artesanato.
Volto a questão inicial: temos que encontrar alternativas de auto-sustentação dos povos indígenas para que eles, pela educação, pela saúde, pela produção de alimentos e pela exploração de seus recursos naturais, inclusive o turismo, levando em conta seu estágio de contato com a civilização, possam conseguir o bem estar e a liberdade. Também eles têm direito a ser indivíduos felizes e realizados.
Assim, o Dia do Índio transcenderá a uma simples homenagem. É mais uma oportunidade de reflexão. É mais uma oportunidade de buscar a resposta correta para a questão que se nos apresenta: como levar ao índio as vantagens da civilização e do progresso sem agressões à sua cultura e sem comprometer o seu futuro?