Dia do Índio - 19 de Abril

O retorno às origens

26 de fevereiro de 2004

Embrapa usa banco genético para ajudar povo indígena Krahò a resgatar sua tradição na agricultura

 







Comida farta, sorriso aberto e 
saúde nos olhos


     Dizimados pelas doenças dos “homens brancos” e massacrados culturalmente, o povo indígena Krahò perdeu-se em meio à vida moderna. Agora tenta voltar a viver como seus ancestrais. Ocupando 320 mil hectares de terra em uma reserva indígena no estado de Tocantins, os Krahòs estão divididos em 17 aldeias e hoje são mais de dois mil índios que tentam manter sua rica cultura e tradições milenares, assim como a sua própria língua. 


A introdução da monocultura de arroz e do milho híbrido na agricultura Krahò fez com que eles perdessem as sementes utilizadas nas lavouras diversificadas, sistema utilizado desde os tempos antigos. O arroz não deu certo em terras indígenas e a sua população teve dificuldades para se alimentar, até decidir recuperar suas antigas tradições agrícolas com a policultura. 


Como há muito não se plantava outra coisa, a não ser arroz, os Krahòs já não tinham mais as sementes que costumavam cultivar e começaram uma busca pelas sua antigas plantas. E as encontraram. Foi no banco de germoplasma da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia – Cenargen que os Krahòs recomeçaram a sua história, agora com a esperança de fartura na alimentação com as sementes coletadas na década de 70.


“A recuperação das sementes de milho dos Krahòs deflagrou uma revolução nessa comunidade, trazendo um impacto cultural positivo. Isso porque eles voltaram a se lembrar dos bons tempos, quando não faltava comida nas suas refeições”, lembra o indigenista Fernando Schavini, da Fundação Nacional do Índio – Funai. 


Com apenas algumas sementes do milho tradicional, os indígenas iniciaram o plantio com os conhecimentos dos mais antigos, resgatando alguns costumes, como a conservação das sementes de milho em cabaças ou na própria palha. Agora, cinco anos depois, a produção de alimentos está diversificada e já se tem plantios de mandioca, batata-doce, amendoim, coco, banana, urucum, gergelim, algodão, abóbora, maxixe, mamona, pimenta, laranja, manga, quiabo e maracujá. 


Na comunidade Krahò não circula dinheiro e o comércio é feito à base de trocas. Além da agricultura, as famílias também se dedicam a outras atividades, como a criação de gado e ao artesanato, com a confecção de colares e pulseiras que são comercializados nas cidades vizinhas.







A agricultura trouxe o bem estar da tribo


Apoio da Embrapa


Além de resgatar suas tradições, os Krahòs ainda ganharam mais: a Embrapa, que cedeu as sementes para a implantação das roças, interessou-se pela sua história e fez diversos estudos com essa população. A partir disso, os pesquisadores estão ensinando técnicas e conhecimentos agrícolas para incrementar a produção de alimentos nas aldeias, mas respeitando as tradições Krahòs. Além das técnicas, a pesquisa também está indicando um calendário com as melhores épocas para plantio e colheita. 


O método antigo


Uma das preocupações dos pesquisadores é conciliar a atividade agrícola e a conservação dos recursos naturais da reserva indígena, a fim de proporcionar o bem-estar alimentar dessa comunidade. 


O povo Krahò era auto-suficiente, vivia da caça, da pesca e da coleta de frutos e raízes. Havia fartura na sua alimentação e, mesmo com a implantação da agricultura, o sistema de produção adotado foi o de roças familiares, em regime solidário, que não trouxe restrições alimentares para a população. 


Mas o método utilizado pelos Krahòs era o de cultivar uma determinada área por dois anos e depois abandoná-la, passando a plantar em outro local. Esse método de cultivo provoca a degradação das áreas já utilizadas, podendo comprometer, futuramente, a produção agrícola. Antes isso não era um problema, já que o Krahò era um povo nômade. Agora, com um espaço limitado, esse se torna um dos desafios para a pesquisa: buscar uma solução que não comprometa a atividade agrícola na comunidade e ao mesmo tempo não afete o modo como eles cultivam a terra, já que agora se sabe que as tecnologias utilizadas pelos agricultores não se adaptam ao modelo de vida indígena. 


Mas com todos os problemas enfrentados, ainda hoje prossegue uma luta entre a monocultura e a diversidade agrícola. A volta às origens deverá ser um processo gradativo, já que essa é a terceira geração que convive com o sistema de monocultura. 


A esperança


A pesquisa se encerra em 2002 e até lá espera-se ter desenvolvido técnicas próprias para a comunidade Krahò. Toda a recuperação da reserva indígena está sendo feita com as próprias espécies vegetais encontradas na área, como conta a pesquisadora do Cenargen, Patrícia Bustamante, que enfatiza a importância da participação da comunidade nesse processo: “O mais importante é dar alternativas aos Krahòs para que eles possam dar continuidade ao processo, sem depender da pesquisa. No futuro, nós esperamos que a Embrapa apenas apoie o projeto e os próprios Krahòs administrem a sua produção”.


A Embrapa também ganha com a convivência com os Krahòs: nesse trabalho, os pesquisadores aprenderam a conhecer a cultura, a biodiversidade e os sistemas dessa comunidade e a metodologia resultante poderá ser aplicada em outras comunidades indígenas e tradicionais.