A lei brasileira confunde biopiratas com botânicos

17 de fevereiro de 2004

O governo pirateou o projeto de lei da senadora Marina Silva e por Medida Provisória proíbe o acesso à biodiversidade

 






“A grande maioria dos prefeitos não dá a mínima para o verde das cidades. As cidades estão mal arborizadas e nós estamos num país tropical onde deveríamos ter muito verde nas ruas e praças. Mas os cidadãos estão acima do prefeito e deveriam dar sua parcela de contribuição, plantando árvores nas cidades”.
Harri Lorenzi



Folha do Meio – Primeiro tema: qual é o problema que a legislação ambiental está trazendo para os pesquisadores?


Lorenzi – Nós somos uma instituição privada, aliás, a única instituição privada no mundo que se dedica ao estudo taxonômico(8) das plantas. Nosso objetivo básico é fazer aquele elo entre a taxonomia, entre o botânico taxonomista e o público em geral. Isso porque o público não consegue entender a linguagem do botânico. Até mesmo porque, até há pouco tempo, as publicações botânicas convencionais eram escritas em latim. São termos descritivos muito complexos. Então a gente faz esse elo. Por quê? Porque nós entendemos que o público gosta de plantas, ele apenas não tem a oportunidade de ter acesso ao conhecimento a respeito das mesmas. Então o nosso objetivo é popularizar o conhecimento das plantas. E isso nós já estamos fazendo há 25 anos e com um resultado muito bom. O retorno dos leitores é algo fantástico. Eles se interessam por plantas, começam a cultivar, começam a perguntar. O primeiro passo para se exigir a preservação de alguma coisa é conhecer. A gente percebe que as pessoas estão plantando mais, estão se preocupando com a flora brasileira, estão se preocupando em cultivar as nossas árvores. Esse é o nosso objetivo – popularizar o conhecimento das plantas.






Nós precisamos freqüentemente trocar, intercambiar esse material genético para examiná-lo e poder chegar à identificação. Não existe outro meio. As plantas não falam


Bom, para conhecer as plantas, da forma como nós fazemos, ilustrando nossos livros com fotografias de boa qualidade, nós temos que conhecer as plantas lá no seu habitat(9), temos que documentar, fotografar, catalogar e identificar. E para se identificar, é preciso que se colete uma amostra botânica, para se poder mandar para um especialista, ou se estudar aqui mesmo no Instituto Plantarum. Aí nasce o problema. Pois é preciso ter acesso a essa biodiversidade, mas a nova legislação, essa Medida Provisória(*) está realmente proibindo esse acesso.


FMA – Especificamente o que é essa lei?


Lorenzi – É a MP 2186 – edição 14. Na verdade, a origem dessa Medida Provisória é a lei da senadora Marina Silva (PT-AC) de alguns anos atrás, que foi até aprovada pelo Senado. Como foi uma lei que pegou, que teve boa repercusão pública, o governo aproveitou a idéia básica, adicionou alguns tópicos e baixou essa MP. O princípio é o mesmo da lei de Marina Silva. Só que a MP já teve várias edições, várias alterações, mas não parece que até o momento tenha conseguido distinguir a atividade do biopirata da atividade do botânico. Basicamente é esse o grande problema. Ela, como lei preservacionista, como lei para preservar a nossa biodiversidade é perfeita. Realmente ela coíbe a atividade dos biopiratas, só que não contempla a atividade do botânico, que é fundamental para o conhecimento dessa biodiversidade que a lei quer proteger e que ainda não é completamente conhecida. O estudo da biodiversidade no país e no mundo começou em 1753, quando se criou o sistema binomial(4) de nomenclatura botânica. E de lá para cá, é uma rotina entre os especialistas do mundo inteiro trocar material para se identificar. Por que o especialista de um determinado grupo de plantas (família ou gênero) pode estar lá na França, na Inglaterra, nos EUA ou na Alemanha. Então, é um processo normal de você mandar material e receber, não é? E isso, é a parte que a nova legislação mais afetou a botânica taxonômica, porque ela proibiu a circulação de material botânico, que no caso são as exsicatas(10), ou o material herbarizado(11) da planta, seco, desidratado, tratado no álcool. Quer dizer, sem nenhuma possibilidade dele ser utilizado para fins de biopirataria, digamos assim. Esse material vai ser depositado em um herbário na Suíça, nos Estados Unidos, na Alemanha?







Lorenzi em seu jardim botânico


FMA – Ou aqui no Brasil, também?


Lorenzi – Sim, aqui no Brasil também, mas até há trinta anos, ou até menos, todo o material tipo(12), o material que deu origem a descrição de cada espécie do Brasil, não está no Brasil, está lá fora. Então, os taxonomistas precisam freqüentemente trocar, intercambiar esse material para examiná-lo e poder chegar à sua identificação precisa. Não existe outro meio. As plantas não falam. Você tem que olhar para ela e tentar descobrir qual é o seu nome. Para se conseguir isso você tem, numa primeira etapa, que examinar a literatura disponível, quer dizer, a literatura que deu origem à descrição original. Muitas vezes só a literatura não basta, você tem que ver o tipo, você tem que ir lá no herbário na Europa ou EUA, onde estiver depositado aquele tipo e tentar compará-lo com a sua amostra para poder se chegar com segurança à espécie. E isso é um processo contínuo, porque não há alguém que conheça todas as plantas – um “super-taxonomista”, para se chegar até ele e perguntá-lo qual é o nome de uma determinada planta. Cada cientista, cada taxonomista, conhece apenas um pequeno grupo – geralmente um gênero ou uma pequena família. Nós temos mais de 55 mil espécies de plantas descritas em nossa flora, sendo realmente impossível alguém conhecer tudo?


FMA – 55 mil no mundo ou no Brasil?


Lorenzi – No Brasil. O mundo tem 240 mil – 250 mil espécies já descritas ou conhecidas da ciência. Na verdade, o Brasil tem um quarto da biodiversidade botânica do planeta. Realmente isso é muito significativo. Então, é fundamental essa possibilidade de intercambiar informações e material botânico com os herbários de todo o mundo para se poder identificar as nossas plantas. Nosso trabalho e a de todos os botânicos taxonomistas de universidades e instituições públicas do Brasil foram tremendamente prejudicados pela MP. Mesmo que a Medida Provisória vire uma lei e venha a ser regulamentada no seu detalhamento, dificilmente isso vai facilitar a vida para instituições privadas, que no caso ai nós somos a única no país?


FMA – Talvez no mundo?


Lorenzi – Possivelmente não exista nenhuma outra que se dedique ao estudo taxonômico das plantas e que vive disso, digamos assim. Existem fundações, mas instituições privadas que patrocinam sua própria pesquisa e que vivem da venda de suas publicações, que eu saiba, só existe a nossa. Todas as instituições públicas brasileiras produzem e vendem publicações científicas, mas elas não vivem disso; além de não pagarem impostos, o contribuinte é que banca os seus custos. Nós vivemos exclusivamente da venda das nossas publicações. Você nem imagina quanto custa fazer expedições botânicas para a Amazônia e para todos os recantos do território brasileiro para estudar as plantas. Nós fazemos isso praticamente duas vezes por mês, ou fazíamos até antes da Medida Provisória. Hoje fazemos muito menos e, como não podemos mais coletar material botânico, apenas fotografamos e catalogamos. Para tentar resolver o problema da identificação das plantas, estamos levando junto nas excursões alguns botânicos especialistas para tentar identificar o máximo possível de plantas no próprio local, reduzindo significativamente a eficiência e aumentando sobremaneira os custos. Quando encontramos uma possível espécie nova, deixamos para trás porque não podemos coletar o seu material botânico para poder estudá-la melhor e eventualmente descrevê-la. Além de bancar todos os custos das pesquisas de campo e da sua publicação propriamente dita, que no nosso caso são elevadas porque tem alta qualidade gráfica, temos que pagar impostos como qualquer outra empresa porque somos tratados como uma indústria, que paga Cofins, contribuição social, imposto de renda, enfim todos os impostos normais que incidem sobre o faturamento. O tempo total de pesquisa, preparo e publicação de um novo livro como os nossos demora no mínimo cinco anos, chegando em alguns casos a demorar até dez anos.


FMA – Não seria mais fácil você montar uma fundação?


Lorenzi – Bom, fundação tem um problema. Hoje, para se abrir uma no Brasil você tem que ter um capital depositário muito grande, porque fundação virou sinônimo de mutreta política. Muitos políticos tem uma “fundação” para poder pegar dinheiro público. Nós estamos fora disso, não queremos ser taxados de instituição que não seja idônea. Pelo fato de nós produzirmos livros caros o faturamento, na verdade, é alto, mas o lucro é muito baixo; dessa forma, uma parcela muito significativa do nosso lucro é para pagamento de impostos. O baixo poder aquisitivo de nossa população, principalmente de quem necessita de nossos livros – professores, pesquisadores e estudantes, não nos permite uma margem maior de lucro. Como temos alguns pedidos do exterior, principalmente do Primeiro Mundo, temos a oportunidade de vendê-los por um preço maior e com isto subsidiar o leitor brasileiro.






Fundação no Brasil virou sinônimo de mutreta. Muitos políticos tem uma fundação para pegar dinheiro público. Nós estamos fora disso


FMA – Qual a publicação que vende mais?


Lorenzi – Olha, a que vendeu mais foi “Plantas Daninhas”, por incrível que pareça. Mas hoje, o que vende mais é “Plantas Ornamentais no Brasil”. Esse livro vende por volta de mil exemplares por mês. Agora, para isso nós pagamos um imposto elevado. Aliás essa receita proveniente da venda dos livros ainda é utilizada para manter não somente as pesquisas, mas também esse jardim botânico aqui, são 10 hectares e não fica nada barato manter uma coleção de plantas.


FMA – Mas você consegue manter tudo isso só com a venda dos livros?


Lorenzi – Sim, sem dúvida, mas certamente com muita economia. Nossa maior dificuldade é com o pagamento do IPTU de nosso centro de pesquisa onde está localizado também o herbário e o jardim botânico. Estamos localizados em área urbana e o IPTU vem aumentando muito todos os anos. No futuro certamente vai ficar proibitivo mantê-lo nesse local.


FMA – Mas é surpreendente pensar que no Brasil, onde poucos escritores vivem da venda de seus livros, você conseguiu montar tudo isso. Além do mais, você não só vive dos livros como criou uma obra grande e importante. 


Lorenzi – É o resultado de 25 anos de muito trabalho e dedicação. Nós conseguimos isso porque somos os próprios editores de nossos livros, não passamos nada para terceiros, nem mesmo a venda que é feita, na sua grande maioria, diretamente para o leitor. Com isso conseguimos capitalizar alguma coisa mesmo trabalhando com uma margem pequena de lucro. 


FMA – Você é o autor dos livros e das fotos?


Lorenzi – Sim, sou o escritor principal e autor de todas as fotos, contudo temos às vezes parceria de co-autores. Para eles, pagamos royalties e respeitamos religiosamente os seus direitos autorais, até como protesto ao que fizeram comigo quando, uma única vez, submeti um livro a uma editora. Com isso aprendi a lição. Talvez por isso se publica tão pouco no Brasil.


FMA – Biopirataria, qual é o papel da indústria farmacêutica nessa história?


Lorenzi – O que sei sobre isso é do que leio nas revistas e jornais e do que ouço das pessoas. Na verdade, o Brasil até hoje não tem patente sobre alimentos e não tinha sobre remédios. Acontece que as empresas farmacêuticas, a maioria delas multinacionais, hoje estão limitadas na busca de novos fármacos através do processo convencional da química orgânica, porque praticamente já se esgotaram as possibilidades de combinações dos radicais químicos mais promissores. Então, eles descobriram que a natureza pode contribuir bastante agora e por um custo até mais baixo, porque a biodiversidade é livre, ou pelo menos era. É só ir à natureza e buscá-la, principalmente pegando os conhecimentos populares – e isso também a Medida Provisória coíbe. Em função disso, as indústrias farmacêuticas pressionaram os governos dos seus países para pressionarem o Brasil, detentor da maior biodiversidade do planeta, a criar uma lei de patentes. Sem uma lei de proteção, as empresas farmacêuticas ficariam muito vulneráveis – a descoberta de um fármaco na natureza estaria ao alcance de todos e a um baixo custo. Então, eles queriam segurança antes de começar suas pesquisa e por isso pressionaram seus os governos…


FMA – Então, o interesse de se criar a lei no Brasil é também das indústrias, porque elas vão ter garantido o direito sobre aquele produto?


Lorenzi – Bom, eu não poderia dizer que essa é a razão, mas esse fato existe.


FMA – Esse fato existe, tem que ser levado em conta?


Lorenzi – Eu espero que no fundo o governo esteja realmente preocupado com a proteção da nossa biodiversidade. Por outro lado, eu acho que é muito mais importante nos preocuparmos com nós mesmos – os brasileiros, que estão destruindo os habitats das nossas plantas e muitos ecossistemas. Daqui a pouco, não haverá mais biodiversidade para se preservar. O prejuízo causado pela destruição de um ecossistema é irreparável – extinção de uma espécie é para sempre.






Temos que nos preocupar com a nossa flora que é muito pouco estudada. Só se protege bem a natureza, quando se conhece sua diversidade


FMA – As leis existem, mas como cumpri-las? 


Lorenzi – A lei de proteção florestal, o “Código Florestal” é de 1965, mas nunca foi cumprido. Hoje, se cumpre aqui no Estado de São Paulo muito bem, mas fora… Você nunca ouviu falar que alguém tenha sido preso porque ateou fogo em mata, porque destruiu uma floresta, não é? A Medida provisória não contempla esse tipo de infração. Apenas coíbe a biopirataria, porque reza que a biodiversidade constitui nosso patrimônio genético e pertence ao Estado. A nossa preocupação, no momento, em que a MP está em vigor e portanto tem força de lei, é o efeito que tem causado na atividade da botânica taxonômica no país que é responsável pelo estudo e conhecimento da nossa biodiversidade.


FMA – Qual o nível de plantas já estudadas?


Lorenzi – Nós estimamos que pelo menos mais trinta ou quarenta mil espécies de plantas ainda estão para ser descritas, descobertas pela ciência no Brasil. Isso é uma estimativa até não muito otimista, principalmente quando se pensa na Amazônia. E mesmo aqui no Sudeste, anualmente se descobrem dezenas de novas espécies.


FMA – Mas você já encontrou espécies novas?


Lorenzi – Muitas; todo ano encontramos dezenas de espécies novas. Quando nos deparamos com uma nova espécie, passamos para um especialista, ou seja, o “botânico taxonomista” que estuda o grupo a que pertence aquela planta, porque é o único cientista que tem condições de descrever uma nova planta.


FMA – De onde veio esse seu interesse pela botânica?


Lorenzi – Bom, sou de origem rural, de Santa Catarina, de uma região que graças a Deus está extremamente preservada, que é a cidade de Corupá. Convivi com a natureza e participei muito dessas atividades. Sempre tive uma fascinação por plantas. Desde menino, eu queria saber qual que era a canela, qual que era a bocaiúva… Aí, eu queria estudar agronomia, mas não tinha condições. Fiz um esforço brutal e consegui realmente chegar à Faculdade de Agronomia de Curitiba. Desde o início me interessei por plantas daninhas. Meu primeiro livro foi “Principais Ervas Daninhas do Estado do Paraná”, em 1976. Estudo pede mais estudo, pede mais especialização, pede até desenvolvimento de técnicas, como por exemplo o caso das fotos. No início, eu usava um fundo cor de abóbora para as fotos, imagine? O pior fundo possível. Depois mudei para o fundo preto e fui aperfeiçoando. E aí surgiu a oportunidade de trabalhar com reflorestamento de plantas nativas. Aí comecei a estudar plantas nativas, árvores e surgiram outros livros.


FMA -“Árvores Brasileiras, que já vendeu três edições…


Lorenzi – Desde 1992. Interessante é que antes de me dedicar totalmente ao Instituto Plantarum, trabalhei na Copersucar, onde tinha, entre outras atribuições, que fazer paisagismo, quando comecei a estudar plantas ornamentais. Até o dia que decidi fundar minha própria instituição de pesquisa – o Instituto Plantarum. Hoje faço a coisa que todo mundo sonha – estudar as plantas. É uma coisa que me dá muito prazer, muito mais prazer do que dinheiro… Hoje vivo disso e viajo pelo Brasil inteiro estudando plantas – coletando-as, catalogando-as, fotografando-as, enfim, documentando a nossa biodiversidade.


FMA – Você tem o registro de todas as viagens?


Lorenzi – Não sei, são vinte e cinco anos? A gente faz quase duas viagens por mês quando os lugares não são muito distantes. Mas visitei todas as regiões do Brasil e, certamente, em mais de uma oportunidade.


FMA – E fora do Brasil?


Lorenzi – Não. Eu estou preocupado com a flora brasileira. Quem tem que se preocupar com a flora de outros países são eles. Nós temos que nos preocupar com a nossa flora porque a flora brasileira é muito rica e pouco estudada. Para proteger nossa natureza com todos os seus ecossistemas e sua biodiversidade, primeiramente precisamos conhecê-la. E isso, a biodiversidade vegetal, só pode ser conhecida através do estudo da taxonomia, pelos botânicos taxonomistas. É o trabalho que nós e dezenas de botânicos taxonomistas brasileiros fazemos.







Lorenzi não gosta da árvore pintada de branco


FMA – E tem gente que acha perda de tempo?


Lorenzi – Exatamente, só que todos querem saber o nome das plantas. Contudo, ninguém imagina o que tem por trás de um “simples” nome de planta, do tempo e do trabalho que exigiu para se chegar aquele nome. Porque muitas vezes, se é um grupo pouco conhecido, eu tenho aqui vários casos, passam-se anos e você não consegue chegar a nada. Para concluir-se que uma planta é realmente uma espécie nova, você tem que vasculhar a literatura especializada e os herbários do mundo afora para se ter certeza. Todo dia, toda semana, jornalistas de revistas, jornais, gente em geral que liga pra cá perguntando: “Ah, qual o nome daquela plantinha…?” A gente fala o nome. “Ah, tá bom, obrigado”. Ao publicarem esta informação nunca citam nada, não dão a fonte. Isso não é valorizado. E olha, muitos nomes que se falam ou que estão publicados por ai estão errados, e o erro vai se multiplicando e sendo perpetuado. A pessoa pega um livro estrangeiro e compara uma fotografia: “Ah, é parecido com essa, deve ser esta aqui”. Mas existem muitas espécies parecidas muitas vezes, porém se considera uma coisa só. É muito típico isso de revistas populares e jornais sobre plantas ornamentais ou medicinas e principalmente livretos sobre plantas medicinais, que não tem a menor responsabilidade técnica sobre o que falam, escrevem ou publicam. Esta irresponsabilidade, no caso de plantas medicinais, já causou sérias conseqüências. Geralmente é impossível você identificar precisamente uma planta através da comparação com uma foto amadora. Na maioria das espécies, pra se ter certeza da sua identificação, deve-se examinar a sua exsicata.


FMA – Tem muitos detalhes?


Lorenzi – Se têm… Detalhes morfológicos em geral, até seu indumento(2) (pubescência(3)), além de outros dados como região de ocorrência, características do habitat, época de florescimento e frutificação etc. 


FMA – Na edição de agosto, fizemos uma entrevista com o prof. Ozanan, de Brasília, sobre arborização urbana. Ele falava da importância dos prefeitos. O prefeito é essa figura chave da política. E são os prefeitos que devem cuidar das plantas, eles que devem arborizar, não é?


Lorenzi – Realmente existem prefeitos conscientes, não há dúvida, não podemos generalizar que são todos desinteressados. Mas a grande maioria não dá a mínima para o verde das cidades. As cidades estão mal arborizadas, nós estamos em um país tropical onde deveríamos ter muito verde nas ruas e praças. Mas os cidadãos estão acima do prefeito e dão sua parcela de contribuição, plantando árvores nas cidades. Poucas cidades tem um programa de arborização urbana. E o que as prefeituras geralmente fazem é pintar as árvores de branco – uma coisa horrorosa, ridícula que é até prejudicial para as plantas. Mas realmente fazer os cuidados, dar os tratos necessários geralmente não fazem.


FMA – Mas pintar de branco não evita doenças e formiga?


Lorenzi – Não, não tem nada disso. Pode evitar até a presença de líquens(5), mas líquens fazem parte do ecossistema da árvore. Pintar uma árvore não traz nenhum benefício e, provavelmente, também nenhum malefício grave. Mas é horrível. Eu acho que podiam investir esse dinheiro em tinta e mão-de-obra em novos plantios.






Fomos a Belém, carregamos o caminhão mas tivemos que esperar quase uma semana para ter a autorização do IBAMA. E as mudas no caminhão quase morrendo. Porque os caras queriam suborno. Nós não pagamos, não fazemos isso


FMA – E a idéia de cortar árvores porque elas sujam? 


Lorenzi – Folha não é lixo. Lixo é papel, sacos plásticos, toco de cigarro que tem para todo o lado. Aliás, na avenida aqui na frente do instituto, nós fazemos uma catação semanal de todo o lixo da rua, porque é uma vergonha. Muitas pessoas jogam o lixo nas vias públicas e quanto mais lixo encontram, mais eles jogam.


FMA – A questão das plantas exóticas. Parece que a própria legislação de uma certa maneira está facilitando que a gente trabalhe mais com planta exótica, porque o risco de ser preso é menor.


Lorenzi – Realmente, esse é um problema que existe não só depois da Medida Provisória, mas vem de antes disso. Nós mesmos tivemos sérios problemas. Por exemplo, há algum tempo atrás ganhamos uma quantidade de mudas de essências nativas de uma empresa de Barcarena – PA. A legislação exige que além da nota fiscal de aquisição das mudas, deve-se obter uma autorização do Ibama para o seu transporte. Bom, nós já sabíamos disso. Carregamos o caminhão e fomos a Belém para obter a autorização do Ibama, onde tivemos que esperar quase uma semana para obtê-la antes de prosseguir viajem. Resultado: o tempo de espera e o calor insuportável dentro do caminhão matou quase todas as plantas. Queriam que pagássemos suborno. Como não pagamos, tivemos que esperar alguns dias.






E cada cidadão precisa conhecer e preservar, pois são os próprios brasileiros que estão destruindo os ecossistemas do país numa velocidade impressionante. É assustador!


FMA – A legislação está ajudando a desestimular o plantio de espécies nativas?


Lorenzi – Sem dúvida alguma, está realmente prejudicando. Porque hoje, por exemplo, mesmo que você queira reflorestar com essências nativas uma área de preservação permanente de sua propriedade na beira de um córrego que esteja largada com capim, você tem que ter um projeto, uma autorização. Você não pode simplesmente chegar lá e ir plantando. E se fizer isso vai ser multado com certeza. Principalmente aqui no Estado de São Paulo onde a legislação funciona; fora daqui a coisa pode ser diferente.


Se você tem uma matinha, quer plantar, por exemplo, palmito para uma exploração racional, você não pode sem ter um projeto aprovado pelo Ibama de uma exploração racional da floresta, não é? Nesse caso particular, eu acho até que essa precaução é válida porque, de repente, o proprietário tira o palmito alegando que o plantou. O princípio da lei é mais abrangente.


FMA – Áreas reflorestadas podem ser exploradas racionalmente…


Lorenzi – É verdade. Vou até citar exemplos. Na Europa, se começou a reflorestar já há mais de cem anos. Hoje por exemplo, lá não é vedada a exploração racional das florestas, porque você sabe que as árvores da mata chegam ao ponto da maturidade e acabam morrendo naturalmente. Eu mesmo vi isso nos Estados Unidos em parques nacionais, onde empresas especializadas são contratadas para explorar a madeira dentro dos parques. Lógico, são madeiras determinadas, que estão na idade da maturidade, que se deixadas podem cair, vindo a destruir muitas outras. Em alguns lugares chegam até a utilizar helicópteros para içar as árvores para fora da mata sem destruir nada. E aqui no Brasil, por enquanto, a legislação não permite isso. Com isso as pessoas se desestimulam a plantar uma floresta, porque sabem que nunca vão poder tirar uma madeira, um palmito etc. Eu acho que nós precisamos realmente repor nossas florestas porque foram largamente destruídas aqui no Centro-Sul, mas acho que deve ser dado uma abertura na legislação para que num futuro distante, quando atingirem a maturidade elas possam ter uma exploração racional, uma exploração manejada. Não vejo nenhum problema nisso. Na minha terra, em Santa Catarina, desde meu tempo de moleque já se fazia isso, se tirava a madeira e até hoje as florestas estão lá do mesmo jeito e até hoje se continua tirando madeira.






É preciso planejamento. Eu sei que os prefeitos adoram ter uma alameda com um único tipo de planta, mas isso só funciona para o urbanismo. Na natureza não é assim. Ela é diversa


FMA – E sobre a poda das árvores nas cidades? Tem mais valor a fiação do que a árvore. 


Lorenzi – Esse é um bom ponto. As pessoas envolvidas com urbanismo, plantio, sempre querem saber, me ligam, escrevem: “Indique-me uma árvore que tenha uma raiz de tantos metros de diâmetro, tantos metros de altura, que não derrube folhas, que floresça exuberantemente etc, etc.”. Eles sempre querem que a árvore se adapte às circunstâncias, mas eles não fazem nada. Que inventem alguma coisa e se adaptem a elas! Em muitas cidades estão usando fiação encapada para evitar os problemas do contato com as folhas. A rede subterrânea é a solução ideal, porém é uma coisa muito mais cara. Poucas cidades, como Brasília, a tem.


FMA – A impermeabilização das vias, o lixo, as enchentes, o corte das matas ciliares, os poços artesianos, tudo vai comprometendo a qualidade de vida? 


Lorenzi – Parece o progresso, mas não é. Um dos benefícios da arborização urbana, além de manter a temperatura mais agradável, é proporcionar sombra e principalmente contribuir para a absorção das águas superficiais. Do jeito que estamos caminhando, impermeabilizando tudo, aeroportos, estacionamentos, shoppings, nós vamos ter cada vez mais problemas de enchentes e de comprometimento da qualidade de vida. Não adianta plantar, como se vê muito por aí, com a calçada encostada no tronco. Não tem área de absorção, de infiltração de água. Então é preciso que seja previsto isso também, com grades para a infiltração e absorção de água.






Do jeito que estamos caminhando, impermiabilizando tudo, aeroportos, estacionamentos, nós vamos ter cada vez mais problemas de enchentes


FMA – Aquela grade que se põe em volta da planta?


Lorenzi – Sim. E deixar espaços. É lógico que as nossas áreas urbanas não foram planejadas e o espaço que se dispõe é tão pequeno que se começar a encher de árvores, vai faltar espaço para as pessoas caminharem, não é? Mas, não há dúvida que é importante. Outro aspecto interessante é que se procure cada vez mais diversificar o espectro de espécies plantadas. Eu acho que dependendo da situação, todas as espécies de árvores podem ser utilizadas. Onde nós temos limitação de altura, nós devemos plantar espécies não muito altas, mas num canteiro central de uma grande avenida, podemos plantar espécies de porte médio, ou alto, que não há problema. O que é preciso é planejamento. Eu sei que os prefeitos adoram ter uma alameda com um único tipo de planta; isso só funciona talvez para o urbanismo, mas na natureza não é assim, a natureza é diversa.






Eu queria conclamar aqui, através da Folha do Meio, que as pessoas de posse dessem alguma contribuição para preservar nossa biodiversidade. Que procurem enquadar suas reservas, suas fazendas, dentro da legislação das RPPNs


FMA – Principalmente uma natureza tropical …


Lorenzi – Principalmente! A regra da natureza é essa: diversidade. Então por que plantar tudo igual? Vamos intercalar espécies, aqui na Av. Brasil, (avenida onde se localiza o instituto que foi arborizado por Lorenzi, em Nova Odessa-SP) você viu, nós colocamos praticamente uma de cada. Vira um carnaval, mas isso não importa, a mata é assim. E principalmente se você quiser hoje plantar uma floresta com espécies nativas, jamais você pode fazer uma plantação homogênea, tem que ser heterogênea, tem que ser diversificada, porque do contrário, certamente vamos ter um desequilíbrio e problemas entomológicos(13) ou fitosanitários(14), com desenvolvimento de pragas e doenças. Então, tem que ser heterogêneo porque essa é a regra da natureza. Quanto mais diverso, mais estável o ecossistema e menos problemas nós teremos com a flora.


FMA – Por que fazer tanto por conta própria?


Lorenzi – Eu sou partidário da iniciativa privada em todos os setores, até na pesquisa e eu sou exemplo disso, de que tudo pode ser privatizado. E até a preservação pode ser privatizada. Aliás, hoje a legislação oferece uma grande oportunidade para quem deseja dar sua contribuição para a preservação da nossa biodiversidade, através das RPPN(6) – Reservas Particulares do Patrimônio Natural. Através dela você pode preservar uma área de qualquer ecossistema, seja de mata, de campo ou de cerrado, enfim…com isenção total de impostos. Eu queria conclamar aqui, através da Folha do Meio Ambiente, às pessoas de posse desse país que queiram dar alguma contribuição à preservação da nossa biodiversidade, à preservação do nossos ecossistemas, para que façam sua contribuição dessa forma, adquirindo ou colocando parte de áreas que já possuem, para serem enquadradas dentro da legislação das RPPNs. Já existem no Brasil mais de seiscentas áreas, de um hectare até cem mil hectares. Então, não importa o tamanho, se você tiver em sua fazenda uma área de mata procure enquadrá-la dentro de uma RPPN.


FMA – E a Amazônia? Corre perigo?


Lorenzi – Veja bem, a floresta amazônica ocidental está intacta. Não tem nada, o único meio de transporte é o rio. Manaus mesmo, na Amazônica Central, você procura lá e encontra poucas áreas abertas, muito poucas ainda. Agora, o Acre, apesar de estar muito destruído onde faz divisa com Rondônia e a Bolívia, a maior parte do estado está intacta e protegida por leis (reservas extrativistas, reservas indígenas, parques e florestas nacionais).






Difícil encontrar alguém que foi preso nesse país por ter infringido a lei ambiental


FMA – E além da Amazônia, como estão as outras regiões, como a Mata Atlântica?


Lorenzi – Veja bem, as áreas escarpadas da Mata Atlântica ainda estão preservadas, as áreas de serra, de altitude. Mas olha, eu acho que nós temos que preservar os ecossistemas não só na área da Mata Atlântica, nós temos que proteger as matas da Bacia do Paraná, o Cerrado, as Caatingas, os campos de altitude, os campos rupestris etc. A biodiversidade está em todos os lugares, cada região tem a sua flora, a sua fauna específica, não é? Então, é importante que se preserve mesmo fragmentos, não importando o tamanho. As áreas que foram destruídas não têm mais volta. O que se perdeu é para sempre. Acabou! 


FMA – A impressão é que as pessoas só têm nostalgia das florestas quando se fala de destruição da Amazônia. É importante lembrar que aqui onde estamos também existiu uma floresta maravilhosa. 


Lorenzi – Esse é o grande problema, as pessoas e até elementos da mídia acham que mata só tem na Amazônia, que só a Amazônia é importante. Eu acho que nós temos que nos preocupar com os outros ecossistemas também. Aliás, um dos habitats mais ameaçados é o Cerrado e é muito importante. Ele está sendo destruído numa velocidade impressionante, talvez nunca antes visto. Ao lado do poder político, no quintal do poder central do país, o Planalto Central, o Cerrado está sendo destruído totalmente e nada se está fazendo. Até a faixa ao longo das rodovias está sendo destruída e incorporada a atividade agrícola. É uma vergonha para o país. As pessoas chegam a plantar até na beira da estrada, mas aquela faixa da via é importante também como área de preservação. Onde não existe mais a reserva, ela é importante para a preservação da biodiversidade local. Se você viajar hoje de Brasília até Barreiras, no oeste da Bahia, por exemplo, onde até 5, 6 anos atrás era quase totalmente coberta por cerrado, você pode ver áreas onde por mais de 300 km não há mais um único fragmento da vegetação local, nem mesmo ao longo da faixa da rodovia. Onde está a lei? A lei existe desde 1965, ela proíbe isso. E por que não se faz cumprir a lei?


FMA – O senhor acha que a política ambiental não é feita para o meio ambiente e, sim, para mídia? 


Lorenzi – É feita para impressionar, para inglês ver.


FMA – O caso da prisão do roceiro que estava raspando uma árvore…


Lorenzi – É ridículo, é absurdo. Uma lei, como disse, para inglês ver, mesmo. Aquele sujeito que destruiu milhares de hectares, colocou fogo, acabou com as matas ciliares nem foi notificado. 


E já alteraram, mudaram ao longo desses 36 anos, mas eu nunca ouvi falar que alguém tenha sido preso, a não ser o cara que tirou a casca da árvore lá em Goiás.






É muito importante que se plante, que se recupere, mas que se preserve também o que ainda existe


FMA – E o programa “Um Pé de Quê?” que você está fazendo com a Regina Casé,? 


Lorenzi – A Regina já queria há algum tempo fazer um trabalho com as árvores na TV, porque ela adora árvores, planta árvores? Então eu perguntei: “Regina, como você vai fazer um programa sobre árvores para o público em geral, o público não vai entender”. – “Não, eu vou tentar ilustrar de alguma forma para ficar mais a vontade, usando humorismo, usando cultura geral, história”. Como boa comunicadora que é, realmente está conseguindo dar o recado. A minha participação é apenas escrever uma monografia sobre a planta e uma consultoria na parte técnica. É um programa simples em termos de nível técnico, mas é real, é verídico, é correto? O mais interessante, aliás, é que tudo isso, como também o interesse do público em geral cada vez maior por nossas árvores e por nossa flora surgiu de uns anos para cá e, certamente, a publicação de nossos livros pode ter contribuído para isso. As pessoas estão plantando árvores nativas, estão fazendo coleções de plantas, estão estudando e preservando as plantas e finalmente o tema das nossas árvores chega até à televisão. Eu acho que isso é uma coisa muito positiva porque as pessoas após a sua conscientização sobre as coisas é que vão se interessar por elas. Assim, o conhecimento das nossas plantas é fundamental para se poder exigir a sua preservação.


FMA – O senhor acha que a globalização, a oportunidade de conhecer outros países, outras realidades, está mostrando aos brasileiros a importância da preservação?


Lorenzi – Não sei, talvez em alguns lugares. Nesses vinte e cinco anos que estamos andando por ai, o que nós vimos é alarmante, é assustador do que se modificou nos ecossistemas. Áreas imensas foram totalmente destruídas. Áreas que antes eram florestas, não restou mais nada. Muitas árvores que eu via e voltava para rever, para colher sementes ou fotografá-las em flor ou em frutos, já não existem mais. Muita coisa realmente foi destruída nesse período e eu sou testemunha disso porque faz muito tempo que estou andando. É realmente assustador e por isso eu me preocupo com o futuro. Mas por outro lado, alguma coisa boa foi feita. Muitas áreas têm sido recuperadas nesses últimos anos, mas não dá para comparar com o que foi destruído realmente. É muito importante que se plante, que se recupere, mas que se preserve também o que já existe. Eu acho que é fundamental que se parem totalmente com as destruições de novas áreas. Não há necessidade disso. Eu sou também produtor rural e engenheiro agrônomo de formação e profissão e sei que não há necessidade de incorporar novas áreas para incrementar a produção agrícola porque nós já as temos de sobra. Existem áreas mal exploradas que estão por aí, quase abandonadas. No momento em que um produtor rural transforma sua área em pasto, é porque ele desistiu realmente de produzir. Pastagem, na maioria das situações, é uma área subexplorada. Então, não há necessidade de incremento de novas áreas para produção, não há absolutamente. As futuras gerações vão lamentar profundamente as nossas atuais atitudes. É preciso melhorar a tecnologia usada para aumentar a produtividade e aumentar a produção se for necessário, usando as áreas agrícolas já existentes e, com isso, preservar as áreas nativas que sobraram.







As obras de Harri Lorenzi chamam a atenção pela beleza gráfica e pela riqueza do conteúdo técnico 


FMA – E esse crescimento desordenado nas cidades brasileiras. Essa coisa absolutamente fora de controle?


Lorenzi – Na verdade, o governo só acha que deve ser preservada a Amazônia. O mundo inteiro também acha, porque a Amazônia é grande e muito importante para a vida no planeta. Mas eu ainda acho que devemos preservar aqui também, não adianta só a Amazônia. Acho que por pressões internacionais a Amazônia vai ser mais ou menos preservada. Mas e aqui, o Cerrado, a Mata Atlântica, a Caatinga, a Mata Semidecídua, os campos rupestres, as matas ciliares, as florestas de altitude, os campos meridionais etc.? São ecossistemas importantes e ninguém está falando neles. Acho que tudo isso é tão importante quanto a Amazônia. Então, é preciso que se preservem áreas em todos os ecossistemas brasileiros, qualquer que seja seu tamanho.


FMA – Basta ver esse trecho de rodovia de São Paulo para Nova Odessa. Não é nem cidade nem campo.


Lorenzi – Mas pior que isso, é quando se caminha em certas regiões como o oeste São Paulo, a Noroeste, que foram abandonadas, porque as terras ficaram empobrecidas, erodidas, e ficou abandonado aquilo lá. Então eu fico realmente deprimido quando ando em uma região como aquela. Talvez uma das áreas mais degradadas do país seja a região do Pontal de Paranapanema, onde os leitos do que eram rios estão encostando nas pontes porque os rios foram totalmente assoreados devido a total destruição da vegetação existente.


FMA – Sua biblioteca é imensa e tem até uma edição completa da “Flora Brasiliensis” do von Martius. Como você conseguiu?


Lorenzi – A “Flora Brasiliensis” é apenas um dos nossos exemplares. Nós temos hoje praticamente quase tudo que se publica no mundo sobre plantas tropicais, os principais periódicos para o estudo da botânica. Estamos adquirindo mais, pois pretendemos expandir essa biblioteca. Mas a “Flora Brasiliensis” tem importância histórica. É praticamente a primeira grande publicação do Brasil e uma das maiores do mundo. A “Flora Brasiliensis” com 40 volumes, em latim, e publicada a partir de 1843, é uma obra maravilhosa.


FMA – Como você conseguiu este exemplar?


Lorenzi – Bom, pelo que eu saiba há 18 cópias da “Flora Brasiliensis” no mundo. No Brasil existem seis cópias. Há uns 20 anos, desmontamos uma coleção inteira, os 40 volumes, conseguimos que a IBM fornecesse uma máquina especial de xerox e copiamos todas as folhas e encadernamos inteirinha no mesmo formato. Então praticamente nós temos uma cópia da “Flora Brasiliensis” original e novinha. É uma fonte permanente de consulta, não somente por mim mas por todos os taxonomistas brasileiros. Porque existem muitos grupos de plantas, muitas famílias, muitos gêneros, que ainda não houve nenhum estudo depois de Martius. As combretáceas, por exemplo.


FMA – Que plantas são essas?


Lorenzi – São as terminárias, são as guarajubas, os combretos etc. É um grupo importante, mas que nunca se fez nenhum estudo adicional. Para esse grupo, a única fonte de referência é a “Flora Brasiliensis”. Outros grupos já foram estudados, já têm revisões mais modernas, mais recentes. Na época do Martius parece que foram levantados seis mil espécies de plantas e hoje já são conhecidas no Brasil mais de cinqüenta e cinco mil espécies.






Existem muitos grupos de plantas, muitas famílias, muitos gêneros, que ainda não houve nenhum estudo depois de von Martius


FMA – No Brasil, todo livro é caro. Mas os técnicos são pra lá de caros. Você não acha que há uma grande falta de estímulo a que se tenham publicações mais baratas?


Lorenzi – O livro convencional realmente é muito caro e não há uma saída técnica para isso. Por isso eu acho que os seus dias estão contados. A Internet veio para ficar e será a grande fonte de informação no futuro. Há alguns anos disseram que o CD-ROM seria o livro do futuro, e até entrei nessa e caí do cavalo. Foi o CD-ROM que morreu por causa da pirataria. Mas eu acho que a grande saída para se reduzir o custo da informação técnica vai ser também a Internet. Até já estamos pensando nisso. No futuro teremos uma enciclopédia virtual aberta a consultas, de uma forma que pudesse ser cobrada. Alguma coisa que a pessoa pagasse por tempo de utilização ou consulta, alguma coisa desse tipo.


FMA – Esse centro de informação que você está construindo?


Lorenzi – Sim. Além disso, a disponibilização de imagens e informações na Internet tem custo, não somente para hospedá-las num provedor, mas principalmente para obtê-las. É o resultado de nossas viagens de pesquisa pelo território brasileiro que consomem quase todo nosso orçamento.


FMA – A partir do momento que o Brasil cria barreiras, outros países também criam dificuldades. Como isso prejudica a ciência?


Lorenzi – O grande problema é esse, os tipos da maioria de nossas plantas, pelo menos grande parte daquelas descritas há mais de 30 anos, não estão depositados nos herbários brasileiros. Estão em herbários estrangeiros. Para os taxonomistas terem acesso tem que ir lá, ou pedir emprestado, mas é evidente que com a MP muitos já não estão emprestando mais, e os que já estão aqui por empréstimo, provavelmente não poderão ser devolvidos. Com isso os herbários se fecharam e, provavelmente, no futuro vão até nos proibir de irmos até lá para consultar.


FMA – Nem aqueles que foram emprestados, podem ser devolvidos?


Lorenzi – Essa situação parece que não está totalmente esclarecida. Em princípio, as consultas que fizemos foram categóricas – não poderiam ser devolvidos. Aliás, a repatriação dos tipos de nossas plantas é uma antiga reinvindicação dos botânicos brasileiros, o que nunca foi aceito pelos herbários estrangeiros. Consideram que é um acervo que pertence a eles, apesar de terem levado daqui. Mas, há cem ou duzentos anos não teríamos nem como guardá-los por aqui. Então, nós não podemos culpá-los por isso, na verdade, nós devemos é agradecê-los pela contribuição que deram na identificação da nossa biodiversidade. Pelo contrário, se nós esperássemos até a metade do século XX, quando começaram os estudos botânicos brasileiros, muita coisa teria sido perdida antes de ser conhecida. Então foi muito importante o trabalho desses pioneiros. Muitas espécies brasileiras que nós temos hoje em coleção em nosso jardim botânico, que já estão extintas no país, eu as trouxe de fora. Graças aos “biopiratas” do passado, estamos recuperando espécies perdidas. A família gesnereaceae é um exemplo típico disso, onde temos pelo menos quatro espécies aqui em coleção que já estavam definitivamente extintas no seu habitat natural e que consegui, através das associações de colecionadores, localizá-las na Europa, de onde adquiri algumas sementes e as multipliquei. Numa segunda etapa, pretendemos levar de volta para a natureza, se a lei não impedir.


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