Turismo e exploração de água mineral. Até quando?

13 de fevereiro de 2004

Cidadania é arma contra o descaso do poder público e da empresa que só vê o lado comercial

Uma parte desta água infiltra-se no interior do solo, descendo lentamente até atingir os aquíferos, que são as águas subterrâneas armazenadas em rochas no subsolo. E é esta capacidade de armazenamento que permite sua extração econômica. As chamadas fontes de águas minerais são extraídas do subsolo e muitas vezes utilizadas para fins terapêuticos.


Estas fontes são definidas pelo “Código de Águas Minerais” como: “Aquelas provenientes de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas que possuem composição química ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas das águas comuns, com características que lhes confiram uma ação medicamentosa”.







Parque das Águas de São Lourenço


As fontes estão secando?O circuito das águas, no sul de Minas, conhecido no Brasil inteiro pelas propriedades de suas águas minerais, também tem sofrido com os altos e baixos de turistas. O motivo? A repercussão negativa na mídia sobre a suposta escassez de suas águas, principalmente em Caxambu e São Lourenço. Temendo perder seu principal produto – as águas minerais – e sua principal fonte de renda – o turismo – moradores e ativistas de ONGs locais de São Lourenço têm promovido constantes passeatas em defeza das águas. A última manifestação em 17 de novembro, com cerca de 300 pessoas, contou com a participação de diversos estudantes e membros de partidos políticos. Com isso os ativistas esperam mobilizar a população em torno da superexploração das fontes pela Nestlé.






São Lourenço – Estância Hidromineral no Sul de Minas, a 275 km do Rio de Janeiro, 297 km de S. Paulo e 390 km de Belo Horizonte, está situada aos pés da Serra da Mantiqueira, às margens do Rio Verde. Possui uma riqueza mineral única, suas fontes de água com reconhecida propriedade terapêutica. Por São Lourenço passam por ano mais de 400 mil turistas que ocupam seus 53 hotéis e mais de 30 pousadas.


Indicações das águas minerais:


Ferruginosa: anorexia, anemia, astenia
Alcalina (Vichy): arteroesclerose, hipertensão, insuficiência cardíaca
Sulfurosa: laxante, colites, diabetes, alergias
Gasosa: diurética, digestiva, desintoxicante
Magnesiana: insuficiência hepática e colites.


No Brasil temos as fontes de águas radioativas de Araxá/MG, as sulfurosas de Caxambu/MG, as alcalinas e magnesianas de São Lourenço/MG.


Já há algum tempo fechada, a fonte de água magnesiana não jorra mais. Por outro lado, a fonte de água ferrruginosa, altamente explorada, sofre uma descaracterização mineral e é adicionada de sais, tornando-se assim a “Pure Life”.


A Empresa de Águas São Lourenço, do grupo Perrier /Nestlè, se defende dizendo que a água ferruginosa, devido a sua facilidade de oxidação, é imprópria para o engarrafamento, por isso a necessidade de sua desmineralização para fins comerciais. Aí está o principal ponto de atrito entre a empresa e a comunidade. A empresa aumentou sua área de capacitação e engarrafamento, bem como a exportação de seu principal produto, a “Pure Life”.


Mas e as águas? Elas estão realmente diminuindo? De acordo com o geólogo Gabriel Junqueira, a “Pure Life” poderia ser feita com qualquer outra água, e não necessariamente com a ferruginosa, que tem um dos maiores índices de teor deste mineral no Brasil.


A comissão das águas, criada pela câmara municipal de São Lourenço, tem recorrido à Justiça com o objetivo de esclarecer e investigar a atual situação das águas minerais de São Lourenço.


A questão é, além de ambiental, política. Há muitos anos a política brasileira vem facilitando a entrada de grandes multinacionais com concessões e poderes inimagináveis, tudo dentro da lei. E agora, o que fazer com o politicamente correto? Esperar mais alguns anos até que a Justiça decida, as leis mudem, o povo esqueça e a água acabe.


Ranoya: a Nestlè só quer o lucro da exportação da água
Exploração exagerada da água mineral está prejudicando os turistas que visitam São Lourenço


O questionamento que a população de São Lourenço está fazendo sobre a super-exploração dos vários tipos de água mineral do subsolo, pela Nestlè, chegou a tal ponto, que a cidade criou um movimento de defesa chamado “Cidadania pelas Águas”. O movimento não só pede para racionalizar, ou mesmo, para paralizar a exploração das águas como também denuncia o abandono do Parque das Águas, coração e alma da estância. Já foram feitas audiências públicas, passeatas e até visitas a autoridades, com o objetivo de evitar que outras fontes de água sequem como aconteceu recentemente com a magnesiana. Veja, a seguir duas entrevistas. Uma com o líder do Movimento “Cidadania pelas Águas” Fábio José Ranoya Assumpção, e outra com o diretor da Empresa de Águas São Lourenço, Marcelo Marques:



A indignação de Fábio José Ranoya Assumpção


Folha do Meio – Quais as principais denúncias que o grupo “cidadania pelas águas” faz contra a Empresa de Águas São Lourenço?


Fábio Ranoya – Em primeiro lugar a superexploração das águas minerais. A Empresa de Águas São Lourenço aumentou a extração de água do subsolo de 580.000 litros/dia para 1000.000 litros/dia. A ilegalidade da desmineralização da água do poço primavera (água ferruginosa) para a produção da “Pure Life”. Por que a fonte magnesiana secou e as outras estão com vazão reduzida? Nós questionamos também os estudos hidrogeológicos feitos por uma firma contratada pela própria empresa de águas.


Folha do Meio – Como isso afeta o turismo na cidade?


Fábio – Se continuarem com esta superexploração, dentro de poucos anos não haverá mais turismo algum por falta da água mineral.


Folha do Meio – Só pela água mineral?


Fábio – Apesar de outros atrativos, São Lourenço ganhou fama nacional como estância hidromineral. Este é o principal atrativo turístico. Ter água mineral no subsolo é um privilégio que poucos municípios têm. É saúde que oferecemos aos nossos visitantes e isso tem que ser preservado.


A cidade ganha mais com a visita do turista do que com a exportação das águas pela Nestlè.


Folha do Meio – O que vocês esperam com estas denúncias?


Fábio – Que o poder público tome alguma providência para a paralização da produção da água “Pure Life”, sendo este o nosso principal objetivo.



As explicações de Marcelo Marques, Gerente da Nestlé


Folha do Meio – A “Empresa de Águas São Lourenço” está superexplorando as águas minerais das suas fontes?


Marcelo Marques – A acusação de superexploração das fontes não tem o menor fundamento. As fontes estão trabalhando abaixo dos limites máximos permitidos pelo órgão fiscalizador, DNPM, que é o Departamento Nacional de Produção Mineral. Este órgão estabeleceu os seguintes limites máximos para uma exploração sustentável: Fonte primavera (águas ferrruginosa) – 25m3 – a empresa trabalha com 18m3, fonte oriente (água gasosa) – 35m3 – a empresa trabalha com 12m3.


Folha do Meio – E quanto à desmineralização da água ferruginosa para a produção da “Pure Life”?


Marcelo – Não há brecha na lei que proíba tal recurso.


Folha do Meio – Por que a fonte de água magnesiana está fechada?


Marcelo – A situação da magnesiana é um pouco mais complexa. Devido a composição das rochas do subsolo na horizontal, o fluxo da água vem sofrendo baixas há vários anos, mesmo antes da Nestlè comprar parte das ações da Perrier, o que tem demonstrado várias perfurações feitas no local. Portanto, a fonte não secou, apenas sua







O movimento Viva São Lourenço Viva é uma ONG que visa o desenvolvimento da cidade por meio de iniciativas próprias ou em conjunto com outras entidades. A preservação do meio ambiente, o fomento do turismo e a promoção cultural são algumas das principais áreas de atuação. O movimento está aberto à participação de toda sociedade são-lourenciana e amigos de São Lourenço.


Mais informações: R. Dr. Olavo Gomes Pinto, 61 – sala 208 – [email protected]
(35) 3332.2577 – Centro -37470-000 – São Lourenço – MG


captação se tornou mais difícil, o que a empresa vem tentando sanar com estudos mais específicos para reativar a vazão da água.


Folha do Meio – Na audiência pública, em maio, a “Empresa de Águas” se prontificou a colaborar com a comunidade e esclarecer quaisquer dúvidas. O que tem sido feito desde então?


Marcelo – Naquela ocasião a empresa se mostrou aberta ao diálogo, atendendo inclusive ao pedido do grupo “Cidadania pela Águas” em receber peritos para a fiscalização tanto no engarrafamento quanto nos poços do parque, bem como o acompanhamento de uma universidade de pesquisa. No entanto, há poucos meses, surgiu o interesse isolado de um estudante da UFRJ, na área de recursos hídricos. O mestrando Ségio Luiz Ortiz, sob a orientação de Otto Rotunno Filho, tem em andamento uma tese baseada na “Modelagem de fluxo de água subterrânea das fontes hidrominerais do Sul de Minas”. A empresa tem dado todo o apoio necessário ao trabalho acadêmico.


Folha do Meio – Juridicamente qual a situação da “Empresa de Águas São Lourenço”?


Marcelo – A empresa tem colaborado com toda a documentação exigida pela promotoria pública. O que nos resta, então, é aguardar os resultados do inquérito civil para mostrar a veracidade dos fatos.