Professor Ozanan: romântico nas cidades são os parques, os jardins e as flores

17 de fevereiro de 2004

Brasília vai discutir, em outubro, gestão urbana durante o IX Encontro Nacional de Arborização Urbana

 







Ozanan Correia e Ernesto Silva que, aos 84 anos, é o único membro da primeira diretoria da Novacap vivo


FOLHA DO MEIO – Finalmente, Brasília vai sediar um Encontro Nacional de Arborização Urbana?


OZANAN COELHO – Pois é, e isso é importante para o Encontro e para Brasília. Eu participei dos outros encontros anteriores e sei muito bem o que esse evento vai significar para a nossa região. O último encontro foi no Rio de Janeiro. Esses encontros são promovidos pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana e o atual presidente da SBAU, o gaúcho Flávio Barcellos, tem o maior interesse em fazer destes eventos um espaço para debates, trocas de informações técno-científicas, melhor gestão do ambiente urbano e favorecer a qualidade de vida nas cidades. Brasília, por ser uma cidade onde a sociedade e os governos investiram muito em arborização, está muito feliz com a realização deste encontro e tem muito a apresentar aos visitantes e muito ainda a aprender com eles. Nestes cinco dias de outubro, teremos palestrantes renomados brasileiros e estrangeiros, grandes pesquisadores, urbanistas, que mostrarão a importância do Verde Urbano, para valoração da qualidade de vida dos habitantes dos centros urbanos.


FMA – Como se conseguiu trazer esse evento para Brasília?


OZANAN – Veja bem, Brasília é a primeira cidade do país em área verde por habitante. São 120 metros quadrados de floresta urbana por pessoa. Trocando em miúdos, são exatamente 50 milhões de metros quadrados de gramados, 1.000 canteiros com flores variadas, 4 milhões de árvores plantadas. Brasília é uma cidade que construiu o seu verde. Isso é um exemplo. A maioria das cidades poluem seus lagos, seus rios e destroem suas árvores. Nós invertemos esse processo. Construímos nosso verde. Brasília era e continua sendo uma cidade em temos arquitetônicos perfeita. Foi concebida a partir de parâmetros de engenharia do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Mas a parte do verde falhou, pois a cidade havia nascido do nada, e tudo não passava de sonhos, utopias e fantasias, cujo ideais de seus construtores era de que o Plano Piloto fosse feito a partir da idéia de que os edifícios surgissem de dentro da floresta, segundo Lúcio Costa. Tendo idealizado o projeto, foi a vez de cuidar das áreas verdes que teriam lugar em Brasília. Trouxeram então mudas de árvores exóticas de grande beleza, mas que passados cerca de 5 anos da fundação da cidade tiveram que ser substituídas, pois não se adaptaram ao clima de nossa cidade. Tivemos então que fazer a troca de cerca de 50.000 árvores e plantas, que fossem resistentes ao clima e solo do cerrado. Foi assim que se deu origem a um projeto de pesquisa e coleta de sementes que dura até hoje. As sementes são apanhadas periodicamente em um raio de 500km em volta de Brasília. São apanhadas milhões de sementes, dando origem a uma produção de 300 mil mudas de árvores e plantas nativas do cerrado por ano.







O governador Joaquim Roriz planta um pé de Urucum no Viveiro 1 da Novacap, localizado no Núcleo Bandeirante, onde está localizado o Projeto Urucum


FMA – Existe alguma espécie de placar, por assim dizer, que possa nos dar uma idéia se existem outras iniciativas tão bem sucedidas como o nosso atual projeto de áreas verdes?


OZANAN – Qualitativamente, é claro que há outras cidades que tem projetos belíssimos, realizados com grande competência. Muitos destes projetos, muitas destas iniciativas serão apresentadas aqui por seus autores. E isso significa uma troca de informações, uma troca de experiência e um dos pontos mais fortes do nosso Encontro.


FMA – Como ocorreu essa mudança aqui na arborização de Brasília, com o aparecimento de canteiros floridos?


OZANAN – Há algum tempo, precisamente em agosto do ano de 1991, o governador Joaquim Roriz fez uma viagem aos Estados Unidos e, ao visitar Washington, voltou inteiramente encantado com a exuberância e a beleza dos jardins florindo avenidas, tomando conta de todos os locais onde ele esteve. Ao chegar, me chamou em seu gabinete e disse que queria que Brasília ficasse da mesma forma. E mais: eu teria um prazo de apenas quatro meses para realizar o projeto. Isso significava que eu teria até o Natal para deixar a cidade toda florida. Arregaçamos as mangas e fomos à luta. As primeiras mudas foram adquiridas em Goiás, Belo Horizonte e São Paulo. Então, o governador me disse que aquelas mudas eram as últimas que a Novacap compraria fora. Dali para frente era minha responsabilidade manter os jardins, substituir as plantas e flores que necessitassem ser repostas. E tudo o mais que eu precisasse, teria que ser providenciado aqui em Brasília, pois não teríamos outro recurso a não ser os nossos. Sobretudo das mudas. Tínhamos que fazê-las aqui mesmo.


FMA – Não deve ter sido fácil!


OZANAN – No princípio tivemos uma reação bastante negativa de parte da população. Ninguém entendia para que tanta flor e tinha gente até que dizia que era um desperdício enfeitar a cidade. Que essa seria uma novidade passageira. Chegaram até a depredar alguns canteiros, motoristas atropelavam e muita gente colhia flores. Mas nós persistimos e eu estava sempre lembrando do governador, que costuma dizer que isso ia mudar, pois as pessoas tinham costume de pisar na grama, mas jamais pisariam em uma flor. Neste ponto, o governador foi um visionário. Hoje, os canteiros são o único bem público totalmente livre de qualquer tipo de vandalismo. Ou de qualquer outro tipo de atitude de destruição e depredação. Há um respeito fantástico pelas flores dos canteiros brasilienses.


FMA – E como se conseguiu essa auto-suficiência das mudas das flores?






Hoje, os canteiros são o único bem público totalmente livre de qualquer tipo de vandalismo


OZANAN – Essa é uma história bonita. Não foi fácil deixar de importar as mudas, mas foi um esforço que valeu a pena, pois criamos um projeto que produziu empregos, produziu cidadania e também produziu flores. Em primeiro lugar começamos a criar o gosto pelas flores em áreas públicas e ensinar jovens a produzir mudas e ter gosto pela natureza. E olha que fomos buscar jovens desempregados, crianças de rua e até pessoas com algum tipo de deficiência. Assim, foi criado um projeto chamado Projeto Urucum, que tinha por objetivo dar cidadania a maioria destes jovens que estavam na marginalidade. Assim eles aprenderam a preparar mudas. Eles trabalham cerca de quatro horas diárias e as outras quatro horas são destinadas aos estudos. Temos em mente a frase do escritor e cartunista Ziraldo, ao visitar Brasília, que na boca do menino maluquinho elogiou a iniciativa de enfeitar a Capital: “As flores são o sorriso de Deus”. E não podemos esquecer da frase de Dom Helder Câmara que costumava dizer que “Quem não tem instrução, não pode pensar”. No sorriso de Deus e fazendo os jovens pensar, o Projeto Urucum chegou mais perto dos céus, pois em dez anos de programa já formamos 2.257 meninos e meninas. Atualmente temos em nosso quadro cerca de 300 crianças, além de 100 deficientes físicos que estudam e trabalham. Assim, as flores embelezam e resgatam a cidadania. Digo isso por estar sempre presente à nossa sede, nas proximidades do Núcleo Bandeirante. A grande novidade desse projeto é que há dois anos ele me soava bastante machista por não aceitar meninas. Agora também elas participam e a experiência já é vitoriosa. Temos hoje 20 meninas no programa. Existem tarefas que elas surpreendem e se mostram altamente qualificadas.







Ozanan e o engenheiro agrônomo Roosevelt Nader, criador do DPI


FMA – Quais as exigências para que os jovens participem do Projeto Urucum?


OZANAN – Não basta que trabalhem e estudem. Exigimos boas notas na escola, comportamento exemplar diante da família e amigos. Não podemos nos dar ao luxo de que entre nossos jovens, pessoas em plena formação, aprendizes de uma das mais sensíveis artes, pois estão reproduzindo e cuidando de vidas, exista algum que ao sair da área do projeto, cometa qualquer delito. Para que isso não ocorra, temos profissionais qualificados que fazem periodicamente a avaliação dos jovens, inclusive visitando suas famílias.


FMA – E os resultados?


OZANAN – Uma maravilha! Seja do ponto de vista produtivo, seja do ponto de vista social. Todos os jovens que ingressaram em nossa oficina e que fizeram parte do nosso projeto, saíram de lá prontos para a vida. É um resgaste da cidadania.


FMA – Voltando ao Encontro, o que o senhor espera dele?


OZANAN – Ah, espero mais do que troca de experiências e de informações. Espero mais do que estudos técnicos e científicos. Espero que os visitantes, palestrantes e participantes do evento, encontrem uma Brasília numa bela primavera. As chuvas já chegaram, as árvores e jardins estarão floridos, a grama verdinha. Poderão ver até um sonho de qualquer administrador sendo realizado: a volta dos pássaros para os centros urbanos. É que os passarinhos voltaram a encontrar abrigo e comida. Um fato interessante com relação as espécies nativas do cerrado, é que nós tínhamos plantado aqui no terreno da NOVACAP, algumas mudas de “pombeiros”, uma árvore muito bonita, que produz uma frutinha. Tal foi minha surpresa, quando, certa manhã, ao chegar ao trabalho, vi nas árvores uma nuvem de papagaios comendo as frutinhas. Tenho inclusive uma fotografia, mostrando aquele momento tão interessante. Foi uma emoção. Esse é o resultado positivo de nosso trabalho.







No IX ENAU será lançado o livro Árvores de Brasília, que terá uma edição ampliada com a inclusão de novas espécies nativas do Cerrado, introduzidas pelo Departamento de Parques e Jardins na arborização da cidade


Então, espero poder ajudar a convencer a sociedade e nossos administradores públicos que a vida humana depende muito do verde e o verde deve ser tratado como ciência. É partindo desse princípio que as pessoas irão aprender que é preciso dar valor à natureza que nos cerca.


FMA – Como está a preparação para o grande Encontro de Arborização?


OZANAN – Há cerca de dois anos estamos preparando este evento. Tudo começou com uma carta pessoal do governador Joaquim Roriz a então presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, solicitando que o IX ENAU fosse realizado em Brasília. Depois de analisar os pedidos de diversas cidades, a Sociedade optou pela nossa capital. Foi um sonho que estamos realizando. Na data do dia 22 de outubro, estarão presentes a esse encontro diversas autoridades federais e muitos técnicos e cientistas brasileiros e do exterior. Participarão, também, estudantes e professores universitários de todo o país. Estamos trabalhando junto com muitas entidades, como o Sebrae-DF (Newton de Castro), o Fundo de Apoio à Pesquisa (Marília de Barros Santos), o Departamento de Engenharia Florestal da UNB (Prof. Alexandre Florian da Costa) e tantos outros parceiros, não menos importantes, mas que muito estão ajudando para o sucesso do Encontro.


FMA – E sobre a seca aqui no DF?


OZANAN – De fato, Brasília sofre muito com o período de seca. Nesse no IX Encontro será apresentada uma novidade: uma máquina ceifadora que ao cortar a grama transforma o repasto em matéria orgânica que é absorvida pela própria grama, não deixando que se formem grandes camadas de repasto seco. Esse é o grande agente para a formação de queimadas nos gramados. As altas temperaturas e a baixa umidade do ar colaboravam para a ocorrência desse fenômeno.






Paulo Castelo Branco


O advogado Paulo Castelo Branco, da janela de seu hotel, na cidade de São Paulo, documentou como as árvores estão sendo acuadas pela civilização. Veja a luta silenciosa de uma árvore ao fundo da demolição. Por quanto tempo mais ela irá resistir?


FMA – Há intercâmbio entre a Novacap e outras instituições para troca de experiências?


OZANAN – Aqui no Departamento de Parques e Jardins da Novacap estamos sempre em contato com universidades, entidades de classe, órgãos de governo, condomínios, auxiliando futuros agrônomos, arquitetos, paisagistas e administradores. Tudo é feito gratuitamente. Partimos da máxima de um antigo diretor da casa, o Sr. Bernardino Jardim de Oliveira, de que o verde foi o maior fator de fixação do homem em Brasília. Para que você tenha uma idéia, já prestamos essa assessoria a pelo menos 300 pessoas e entidades que nos procuraram. Esse intercâmbio também nos interessa. Hoje, mesmo, vou receber aqui no DPJ os senhores Gilberto Abreu, Antônio de Paula Eduardo e o Reginaldo que fazem parte do Departamento de Gestão Ambiental da cidade de Ribeirão Preto, em São Paulo. Assim, muitos outros centros urbanos mais velhos e mais antigos do que Brasília, buscam nossa experiência de gestão de apenas 41 anos de cidade para implantar em seus municípios.


FMA – E qual o futuro das cidades?


OZANAN – Olha, é nas cidades que está a maioria da população. Acho que as cidades brasileiras sofrem de dois males: primeiro, a falta de um plano diretor que mostre onde elas devem crescer, onde devem estar as grandes avenidas, como arborizá-las, como proteger os parques e os jardins, como diminuir a poluição das águas, como minimizar o desperdício, como favorecer o trânsito, como tratar do lixo, do saneamento etc. Em segundo lugar, precisamos ter administradores mais conscientes de suas responsabilidades, para que a gestão urbana traga sempre uma melhora da qualidade de vida. É bom que a população se preocupe com o desmatamento da Amazônia, o desaparecimento de animais. Mas é também muito importante que a sociedade preserve os ambientes criados pelo próprio homem moderno que são as cidades, onde estão (ou deveriam estar) os parques, os jardins, a arborização nas avenidas e ruas, os gramados e as flores. É a natureza que ameniza o clima e estabelece um conforto maior para os habitantes do que prédios sofisticados, estações e monumentos. A natureza é romântica. Já as luzes, os anúncios coloridos, a energia, a fiação, o estresse, os estacionamentos, os ruídos, os edifícios, o trânsito, as buzinas e os agitos podem ser modernos, mas não são nada românticos. E a vida sem romantismo, é muito pouco.








Os Dez Mandamentos da Arborização Urbana


1 Plantar espécies nativas da região
2 Adequar a espécie ao espaço disponível
3 Planejar a arborização de tal modo que a cidade esteja florida o ano inteiro
4 Estudar o sistema radicular das árvores plantadas para que ele não interfira em redes subterrâneas e edificações
5 Não plantar espécies frutíferas em áreas muito próximas às residências e edificações comerciais, pois pode atrair animais indesejáveis, como morcegos
6 Não realizar podas desnecessárias, interferindo o mínimo possível na arquitetura da copa das árvores
7 Fazer a poda apenas dentro dos padrões técnicos recomendáveis, ouvindo sempre o órgão responsável pela arborização
8 Abolir completamente machados e facões na poda das árvores, utilizando instrumental adequado, como motosserra, facilitando a recuperação das cicatrizes nas plantas
9 Manter um canal de comunicação permanente com a população para atender os pedidos de poda em no máximo 48 horas, preservando assim a credibilidade da instituição governamental
10 Não plantar árvores na estação da seca, evitando-se a onerosa e ineficiente irrigação através de carros-pipas ou consumo de água potável da rede pública


Mais informações sobre o IX ENAU


Objetivos: Incentivar a preservação natural do meio ambiente; Mostrar a importância da responsabilidade das empresas públicas e privadas que atuam na arborização, como parte das políticas sociais, ambientais, históricas, econômicas e culturais de uma cidade.


Temas a serem abordados: Gestão urbana com enfoque no desenvolvimento sustentável – planejamento e arborização urbana – arborização com utilização de espécies nativas – áreas degradadas/plano de recuperação – parques urbanos – jardins históricos – o jardim moderno.


Mais Informações: Novacap Setor de Áreas Públicas – Lote “B” CEP 71.215.000 – Brasília – DF
Telefax: 0 xx 61 234-6701 – Pabx: 233-8099 ramais 123 e 124
Site: www.novacap.df.gov.br
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