Recursos Genéticos

Nossa terra tem palmeiras

10 de fevereiro de 2004

O Brasil tem uma biodiversidade única com mais de 300 espécies de palmeiras

 

SUMMARY

 

 

 

 

Terra Krahô: é rica em palmeiras

A poesia e a lenda, contada aqui de forma breve, ilustram a importância das palmeiras. Importantes, mas pouco estudadas. Em todo o mundo, apenas quatro espécies de palmeiras foram domesticadas pelo homem, de acordo com estudos de 1991, dentre elas o coco-da-bahia (que não é baiano), a tâmara, a pupunha e o dendê (única, das quatro, que tem um parente brasileiro). Entenda-se por domesticação o trabalho de pesquisa que permite conhecer a planta em seus diversos aspectos e selecionar variedades especializadas em produzir determinadas características que interesse ao consumo humano, e que seja passível de cultivo em escala.

Esse deserto de informações científicas já aponta para alguns oásis. Algumas instituições brasileiras, entre elas a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, já desenvolvem pesquisas com palmeiras. E um dos trabalhos ganhadores do Prêmio Frederico de Menezes Veiga(4) do ano passado, 2001, envolvia a exploração racional, manejo e cultivo do Açaí, uma palmeira do estuário amazônico, concedido à pesquisadora Marilene Leão Alves Bovi, do Instituto Agronômico de Campinas, pioneira no Brasil nessa área. O outro trabalho premiado foi do pesquisador Levi de Moura Barros, da Embrapa Agroindústria Tropical, de Fortaleza-CE, responsável pelo desenvolvimento da tecnologia do cajueiro anão precoce, que também já chegou aos Krahô(3).

Índios e palmeiras

Terezinha Borges Dias, pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, líder do projeto Etnobiologia(1), Conservação de Recursos Genéticos e Bem-Estar Alimentar em Comunidades Tradicionais, observou que as palmeiras eram muito importantes na vida do povo Krahô e caiu em campo, em busca de um especialista. Coube ao pesquisador André R. Terra Nascimento, doutorando em Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), iniciar um levantamento das palmeiras existentes na área da reserva, como uma das ações do projeto. "Existem poucos estudos com palmeiras nativas dos Cerrados e o trabalho agrega importantes informações etnobotânicas e ecológicas das espécies", relata André.

Palmeiras nativas são aquelas encontradas naturalmente no território brasileiro, podendo ocorrer também em paises vizinhos. Estima-se que existam mais de 300 espécies, só no Brasil, incluindo híbridos naturais, subespécies e variedades. A maioria com grande potencial econômico. Os indígenas são responsáveis por elaboradas tecnologias de subsistência, envolvendo o cultivo da terra, que atendia apenas uma pequena parte de suas necessidades alimentares. O restante era obtido com o aproveitamento dos recursos genéticos existentes.

A obtenção de alimentos ia desde a coleta pura e simples até sofisticados processos de exploração em que se misturavam coleta, manejo de populações naturais e cultivo. O caso mais conhecido é o do emprego das palmeiras. Delas se extraía materiais para a construção das casas, fibras para vestimentas, ornamentos, redes e apetrechos de pescaria, comida e frutos para o vinho, artesanato, dentre outros. Ao todo, viabilizaram o uso de cerca de vinte espécies de palmeiras, para os mais variados fins.

Índio ajuda na coleta de gens

O trabalho começa às seis e meia da manhã. Depois de abastecer o cantil com água, a mochila com os biscoitos e às vezes doce, André e Aécio Amaral Santos, técnico da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e um membro da comunidade Krahô penetram nos campos e matas que circundam as aldeias. A companhia de um Krahô faz parte da metodologia de trabalho do projeto. A partir daquele momento eles dependem do conhecimento do índio sobre a região e das informações sobre o uso das plantas que serão coletadas.

À noite eles retornam. O trabalho continua, na preparação das exsicatas(5) que serão postas a secar numa estufa improvisada. André já fez coletas em 12 das 17 aldeias da reserva Krahô. Até agora já identificou 18 espécies de palmeiras nativas – 17 delas incluídas na alimentação -, e três espécies introduzidas. "Quando iniciei o trabalho imaginava encontrar de cinco a seis espécies por aldeia. Encontrei entre nove e 12", comemora André. Segundo ele, isso é um indicativo de que a região é rica em espécies e que a natureza está conservada.

A região é formada por diversos tipos de vegetação, ou fitofisionomias, no linguajar técnico, destacando-se os Cerrados, as Matas de Galeria e as Veredas. Das espécies coletadas, cinco se sobressaem como as mais utilizadas: o buriti (Mauritia flexuosa L.), a bacaba (Oenocarpus distichus Mart.), o inajá (Attalea maripa (Aubl.) Mart.), o tucum (Astrocaryum vulgare Mart.) e a macaúba (Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd ex. Mart.). De forma geral ou específica, elas fornecem alimentos, matéria-prima para construções de casas e confecção de artesanato. O buriti e a bacaba são consideradas pelos Krahô como as "árvores da vida". Ambas produzem um vinho muito apreciado. No caso do buriti, as folhas (palhas) são aproveitadas, entre outras coisas, na confecção de adornos de cabeça. A estipe (tronco) é utilizada na corrida de toras, de fundamental importância na cultura Krahô.

Culturas associadas

As espécies de tucum (Astrocarium sp) são as mais importantes fontes de fibras, além de servir como alimento. Até uma larva de inseto que se alimenta da amêndoa serve de alimento. Do coco-cunhã (Attalea sp.), babaçu (Attalea speciosa (Mart.) ex. Spreng), bacaba e piaçava (Attalea geraensis Barb. Rodr.) se extrai um óleo, utilizado na alimentação e como cosmético. A prática, recente, de derrubar a bacabeira em vez de escalá-la para coletar seus frutos e o corte constante de palmeiras de buritis preocupam os técnicos. "A grande diversidade de espécies de palmeiras e sua importância cultural devem ser priorizadas em qualquer plano de manejo, visando sempre o bem-estar das comunidades tradicionais. É importante manter esses recursos genéticos, mas com o cuidado de não interferir na cultura e nos costumes associados a cada planta", observa André.

Preocupações como essas indicam que o trabalho de pesquisa está apenas começando e deve incluir a criação de programas de conservação de recursos genéticos in situ. Depois da coleta e identificação das espécies será necessário um levantamento quantitativo das espécies e produtos extraídos das palmeiras, com potencial para a geração de renda para os Krahô. Comparando o trabalho a um livro, André diz: "Nessa última viagem (março de 2002) imaginei que iria concluí-lo. Descobri que isso é apenas um capítulo".

Pesquisa gera conhecimento

"Apesar do completo domínio da natureza que os cerca, a situação do indígena brasileiro hoje é diferente. No caso dos Krahô, eles ainda dependem de muitos produtos adquiridos no mercado de Itacajá, cidade mais próxima. As pesquisas com palmeiras se constituem num trabalho científico importante e pioneiro e pode apontar formas de geração de renda", comenta Terezinha Dias. André compartilha da opinião e acrescenta: "Aprendi muito com os Krahô e essa troca de conhecimentos é muito importante, aliada à possibilidade de contribuir para a melhoria das condições de vida daquele povo".

Com esses versos, o poeta Gonçalves Dias, que era meio índio, meio negro e meio europeu, encerrou seu poema. Sua preocupação era não morrer antes de retornar para sua terra natal e avistar as "palmeiras, onde canta o sabiá". Amém! Que as palmeiras sobrevivam para inspirar os poetas, alimentar o espírito e alma do povo indígena e as nossas. Que as instituições tenham os meios para estudá-las, e que o Brasil continue sendo o campeão mundial, pelo menos da biodiversidade!