Multiplicação dos Peixes

Sudoeste do Paraná: parceria ampla repovoa rios e restaura matas ciliares

12 de fevereiro de 2004

Doze mil alunos de 40 escolas assistiram à distribuição de 1,9 milhões de alevinos em 29 rios do Paraná

Pelas crianças, o programa de peixamento atinge as famílias e toda sociedade


 


A Estação de Aqüicultura do Ibama em Francisco Beltrão foi implantada em 1985 para fomentar a piscicultura regional, englobando 42 municípios. Hoje ela mantém intensa colaboração com a Estação de Chapecó, em Santa Catarina. Desde a sua fundação um convênio com o sindicato rural prevê a doação sistemática de alevinos para projetos de assentamento e reforma agrária do Incra e secretarias estaduais de Agricultura e Meio Ambiente. “Mais do que a reintrodução das espécies nativas ameaçadas de extinção”, diz Valdemir Dal Prá, único técnico na estação de Francisco Beltrão, “o objetivo é conseguir sensibilizar o maior número de alunos e professores, pois ambos são formadores de opinião, sentimento de cidadania e educação”.


Com alguma produção já efetivada, teve início em 1999 a tarefa de repovoar rios atingidos pelo assoreamento das margens, muitos já secando e quase sem vida, ou poluídos pelas plantações de soja e milho que atingem a beirada dos rios. Em muitas propriedades da região é possível notar alguma regeneração de florestas (matas secundárias). E a razão dessa recuperação não é ambiental: simplesmente reflete a falência da agricultura em pequena escala.


Anterior a esse trabalho de repovoar rios está o investimento que algumas prefeituras da região estão realizando para recuperar as matas ciliares, providenciando o cercamento da área vizinha às margens (30 metros de cada lado, como prevê o código florestal) e plantando árvores nativas para solidificar os solos. A necessidade imposta pela  falta de água está forçando os municípios a gastar o pouco que o governo estadual distribui, inclusive por meio do ICMS Ecológico. Recuperadas, as matas ciliares ajudam a clarear as águas, funcionando como filtro dos compostos ferrosos encontrados no agrotóxico. Segundo o Ibama-PR, outros dois poluentes das águas e dos solos, muito comuns na zona rural são o carboreto, produto usado para retirar oxigênio da água e facilitar a pesca, e o verderame, utilizado para matar fungos nas plantações de uva.


Para a maioria dos pequenos proprietários é difícil respeitar os 30 metros de cada lado. No município de Ámpere, vizinho a Francisco Beltrão, foi instalado recentemente o conselho municipal de meio ambiente, mobilizando empresários, produtores, professores e políticos. “Para se ter uma idéia do pequeno tamanho das propriedades, a proteção da nascente e do curso inicial do rio Sarandi, em pouco mais de 12 quilômetros, envolve nada menos do que 59 proprietários”, informa Ildo Marchiori, diretor técnico da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Ámpere. “Essa situação foi criada pela própria forma como foi feita no passado a demarcação legal dos terrenos, descrevendo os limites em termos de ‘até as margens do riacho A, divisa do braço B do rio C'”, exemplifica o vice-prefeito de Ámpere, Nereu Perondi.


As medidas que estão sendo tomadas pelo governo municipal para compensar a “perda” pelo pequeno produtor da área vizinha às margens vão desde a construção de casas e benfeitorias, passam pela doação de cabeças de gado e chegam à distribuição de calcário para recuperar solos agricultáveis longe das margens dos rios. “Nós temos que dar o exemplo local”, diz Perondi, para ressaltar a contribuição de cada localidade à questão global. O município de Francisco Beltrão, com 60 mil habitantes, por exemplo, está tocando um aterro sanitário que apresenta indicadores expressivos, como um atestado de ausência total de moscas.


Repetir, repetir, repetir
Bruno Müller, diretor da unidade exportadora da Sadia em Francisco Beltrão, acredita que  o envolvimento das crianças em palestras e na distribuição de alevinos nos rios eleve em suas mentes a importância do meio ambiente para a sobrevivência do ser humano. “É importante repetir nos próximos anos esses dias de soltura, marcar nas crianças esses dias de prática da cidadania”, destaca. A empresa participa com o provimento de ração para alimentar as matrizes em formação e os alevinos, e ainda com recursos humanos, limpeza dos tanques e dos locais de trabalho. “Em parceria com o Ibama e as prefeituras, a Sadia lançou este mês na região um programa de reflorestamento das matas ciliares, apoiando a produção, distribuição e o plantio de mudas de espécies nativas”, informa Müller. Ele defende a ampliação da parceria, dizendo que é intenção da sua empresa adiantar-se à cobrança pelo uso da água dos rios, a ser introduzida em todo o país pela ANA.
A Copel fornece as larvas das espécies nativas e ajuda na captura das matrizes com risco de extinção. O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e o Exército colaboram na distribuição monitorada dos peixes. Recentemente a comunidade encabeçada pela Associação Sadia pôs em uso, para as atividades de educação ambiental, uma pick-up Toyota que havia tempos estava encostada na estação do Ibama, reconstruiu o galpão, acoplando-o a um pequeno laboratório, e adquiriu equipamentos para o transporte de peixes.
Geraldo Stumm, técnico em piscicultura da Copel, diz que os dirigentes  da estatal sabem do valor da educação ambiental e vêem com otimismo a parceria com o Ibama e a Sadia. Ele aposta em um impacto positivo na formação do sentimento preservacionista das crianças em idade escolar. “Dessa forma, atingiremos também as famílias de uma vasta região”. Por meio da sua equipe de gestão ambiental e da Estação de Estudos Ictiológicos, localizada na Usina Hidrelétrica Ney Braga, a empresa vai continuar formando larvas de peixes.


Mais informações:
Estação de Aqüicultura de Francisco Beltrão – telefone/fax: 5247030
Ibama de Curitiba – telefone: 3225125
Ramal 251


O trato das espécies


Somadas as temporadas de soltura (de setembro a abril) nos anos de 1999/2000/ 2001/2002, cerca de 13 mil alunos de 40 escolas assistiram às palestras e distribuíram 2 milhões de alevinos em 31 rios. As espécies reproduzidas foram a jundiá (Rhandia branneri), cascudo (Hypostomos myersi) e saicangas (Oligosarcus paranensis). Outras espécies são cultivadas na região para serem soltas somente no rio Uruguai  (que fica na divisa com Santa Catarina, e vai desaguar no grande rio da Prata): a piaba (Cnesterodon sp) e o curimatã (Prochilodus sp). As larvas, que são o resultado da eclosão das ovas, têm uma sobrevida de apenas três dias. Um grama delas pode gerar até mil alevinos.
“No decorrer do programa descobrimos que havia a necessidade de adaptação do alevino ao meio natural. Uma vez que ele é desenvolvido com ração balanceada ‘artificial’, foi preciso adaptá-lo a alimentos mais fáceis de encontrar em seu hábitat”, conta o técnico Dal Prá. A opção adotada foi a introdução gradativa de larvas de moscas e outros produtos vegetais, como resíduos de milho e soja. Também são utilizados na alimentação ‘próxima ao natural’ os subprodutos do frango e vísceras. “Habituando-se a comer sangue de frango, depois ele passa a devorar peixes menores, como acontece no meio natural”. A partir do 30º dia, até mais ou menos o 60º dia, os alevinos estão aptos a sobreviver na natureza. É feita então a soltura, se possível, perto das nascentes.
A diferença entre a alimentação de peixes nativos e a de exóticos é que o peixe exótico cria-se através da larvicultura e termina a engorda também à base de ração artificial. Para o peixe nativo, a primeira alimentação é à base de alimentação artificial, rica em proteínas, feita de farinha de carne de peixe (64%). Aos poucos ele “aprende” a se virar e passa a engolir insetos, raízes, terra, frutas. Quanto mais adaptado ele estiver, obviamente maior será o índice de sobrevivência da espécie.
Periodicamente é necessário secar os tanques para deter o impulso instintivo de indivíduos comerem outros da mesma espécie. Alguns alevinos, nascendo antes, crescem mais rapidamente, passando a se alimentar dos recém-nascidos. Geralmente a cada 30 dias ocorre o manejo das espécies, em cada um dos 14 tanques da estação.