Petróleo e o Ambiente

Petróleo ameaça estuário do rio Amazonas

20 de fevereiro de 2004

Prospecções começam sem EIA-RIMA e deputada Socorro Gomes (PCdoB – PA) exige programa de gestão ambiental integrada


    A produção de petróleo em águas profundas na bacia da foz do rio Amazonas, nos Estados do Pará e do Amapá, poderá ser iniciada dentro de pouco tempo, caso obtenha o resultado esperado a perfuração de um poço iniciada em março passado, na costa da região paraense de Salinópolis, pela BP Brasil, empresa do grupo BP Amoco. Essa foi ganhadora do direito de exploração da área, concedido pela Agência Nacional de Petróleo – ANP.

Ocorre que, embora os trabalhos de perfuração tenham sido iniciados no dia 27 de março, até agora as autoridades ambientais, nem federais nem estaduais, aprovaram qualquer plano de gestão ambiental da área.


Preocupada com a possibilidade da ocorrência de um acidente ambiental sem precedentes na região, a deputada paraense Socorro Gomes (PCdoB – PA) apresentou indicação encaminhada ao Ministério do Meio Ambiente, exigindo a “implantação, no mais breve prazo possível”, de um Programa de Gestão Ambiental Integrado abrangendo toda a área do estuário do rio Amazonas.


Desinteresse


Em 14 de março último a deputada apresentou um requerimento de informações ao Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, indagando quais as medidas de controle e gestão ambiental que estão sendo adotadas em relação a explorações petrolíferas e de gás no estuário do rio Amazonas.


Queria saber também qual a participação da Agência Nacional do Petróleo – ANP – e da Petrobras em relação às empresas envolvidas com os processos exploratórios primários e conseqüentes avanços para os definitivos.


Quais as providências adotadas e os resultados obtidos em função das exigências de implantação das medidas de controle ambiental e qual o interesse manifestado pelo Ministério do Meio Ambiente com relação ao processo exploratório petrolífero e de gás, já em curso no estuário do Amazonas.


Como, decorridos mais de trinta dias, as indagações não foram respondidas, a parlamentar decidiu-se pela apresentação da indicação que, do ponto de vista do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, é uma ação mais incisiva.


Socorro Gomes considerou, em seu requerimento de informações, que a retirada e o transporte contínuo de grandes massas líquidas de hidrocarbonetos e de gás, geralmente ocasionam situações de alto risco ao meio ambiente, por decorrência de fatores não controláveis e próprios dos processos exploratórios e definitivos para busca e comprovação da existência de petróleo.


A situação torna-se mais sensível em virtude da natureza do ecossistema dominante e típico do estuário do Amazonas, que conta com enorme riqueza em biodiversidade fluvio-maritima quando comparado a outros locais do planeta.








O petróleo amazônico


Há milhões de anos os rios amazônicos arrastam sedimentos mineralógicos e orgânicos em direção ao oceano. Calcula-se que essa massa de sedimentos é da ordem de um bilhão de toneladas anuais. As ilhas do estuário, criadas ao longo do tempo, são de formação essencialmente orgânica.


Por essa razão, os especialistas jamais descartaram a existência de extensos lençóis petrolíferos e de gás no estuário do maior rio do mundo. 


Em meados da década de 70, em plena crise do petróleo e em plena era do “Brasil grande”, o Ministro das Minas e Energia do então Presidente Geisel, o paulista Shigeaki Ueki, desembarcou no aeroporto de Val de Cans, em Belém, vindo da ilha de Marajó, com alguns frascos contendo um líquido escuro e viscoso.


Ante um batalhão de jornalistas, Ueki anunciou que aquele líquido era o petróleo do Amazonas, a redenção de um país que, naquela época, importava 75% de suas necessidades petrolíferas.


A continuação das pesquisas, contudo, demonstrou que o petróleo marajoara era de pequena expressão econômica, não justificando elevados investimentos para produzi-lo. 


Dez anos depois o então Presidente José Sarney anunciou, bombasticamente, pela televisão, a descoberta, na mesma ilha de Marajó, de um lençol petrolífero semelhante aos existentes na Arábia Saudita. Uma semana depois, em nota resumida, a Petrobras encarregava-se de desfazer a euforia.


Nessa nova investida não há entusiasmo exagerado. A British Petroleum e a Exxon, detentoras da concessão adquirida em concorrência pública promovida pela Agência Nacional de Petróleo, estão trabalhando discretamente, dia e noite, em busca de petróleo.


Ao largo de Salinópolis, no litoral paraense, está fundeado o mais moderno navio de pesquisa e perfuração de poços de petróleo no mundo, contratado pela BP para encontrar petróleo na Amazônia.


O Glomar C. R. Luigs, norte-americano de bandeira panamenha, é capaz de fazer perfurações de até seis quilômetros de profundidade, sendo um quilômetro e meio na lâmina d’água e até quatro quilômetros e meio no subsolo marinho.


O de Salinópolis é o terceiro poço a ser cavado pelo moderno navio. Os dois anteriores foram perfurados no México. Se tudo correr bem, dentro de dois meses se saberá se existe ou não gás e petróleo comercialmente exploráveis na costa atlântica do litoral norte do Brasil.


Se o poço demonstrar que há petróleo e gás economicamente exploráveis, plataformas submarinas serão instaladas na região, navios-tanques e rebocadores serão deslocados e até refinarias poderão ser instaladas. Será uma parafernália igual à existente na bacia de Campos, no Estado do Rio. Com uma diferença essencial: ela operará em plena Amazônia, em meio à mais rica biodiversidade existente no planeta, com rios, florestas e mais de dois mil quilômetros de manguezais.


Luta inglória


Flávio Garcia alertou a secretária, Mary Alegrette, para a necessidade de um posicionamento do MMA em relação à exploração petrolífera na foz do Amazonas







Mary Alegrette frustrou trabalho de ambientalista


Ex-consultor do PNUD, Flávio Garcia tentou sensibilizar o Ministério do Meio Ambiente para obter seu apoio a um programa de gestão ambiental do estuário do Amazonas.


Atuando na Secretaria de Coordenação da Amazônia, pertencente à Coordenação de Gestão Ambiental do Ministério e à Secretaria de Coordenação da Amazônia, Garcia alertou a secretária, Mary Alegrette, para a necessidade de um posicionamento do Ministério em relação à exploração petrolífera no estuário do Amazonas.


A Secretária – conforme Garcia relatou à Folha do Meio Ambiente – chegou a estimulá-lo a promover uma reunião com todos os setores interessados.


A reunião foi realizada no dia 12 de dezembro do ano passado, e o produto resultante foi uma minuta de Portaria, a ser assinada pelo Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, constituindo um Grupo de Trabalho de Gestão Ambiental do Estuário do Amazonas.


A proposta foi levada a Alegrette que jamais se pronunciou sobre o assunto, nem deu qualquer explicação. Essa frustração, segundo Garcia, foi o principal motivo que o levou a não renovar o contrato de trabalho com o PNUD. Seu contrato encerrou-se no dia 28 de fevereiro passado, e ele achou melhor afastar-se do Ministério do Meio Ambiente.


O risco ambiental de um poço de petróleo


A perfuração de um poço submarino, segundo os especialistas, gera uma quantidade significativa de fragmentos de rocha, que devem ser gerenciados. Segundo o senador paraense Luiz Otávio, um dos entusiastas da exploração petrolífera na Amazônia, e particularmente, em seu Estado, os executivos da BP “já têm planos consolidados para limpeza e remoção desses fragmentos, inclusive como parte do estudo ambiental de pré-produção”.


O senador afirmou, baseado em garantia que lhe teria sido dada por um diretor da BP, que a empresa “adotou todos os cuidados necessários para que as operações de perfuração não resultem em emissões não controladas de substâncias nocivas ao meio ambiente, sejam elas sólidas, líquidas ou gasosas”.


Mas os ambientalistas temem que o pior possa acontecer e lembram que a Equatorean Amazon, empresa da Petroecuador, estatal de petróleo do Equador, está processando a Texaco, sua antiga parceira, por ter devastado, em vinte anos de exploração petrolífera, na floresta amazônica equatoriana, um santuário de biodiversidade, com mais de dez mil espécies de vegetais, peixes e aves.


Devido aos rejeitos tóxicos da exploração ou do vazamento de óleo cru, – mais de 50 milhões de barris – surgiram entre os 30 mil habitantes de San Carlos, cidade da região, inúmeros casos de câncer. Os ambientalistas acham que a catástrofe ecológica promovida pela Texaco, nessa parte da Amazônia, foi superior à causada, há tempos, pelos vazamentos de óleo da Exxon Valdez, no Alaska.