Retrospectiva ambiental de 2002

Como foi o ano de 2002 para o ambiente?

2 de fevereiro de 2004

Agenda 21, Rio+10 e Kyoto marcaram o meio ambiente em 2002. Leis para resíduos sólidos e saneamento básico ficaram para 2003

O lançamento da Agenda 21 brasileira, a ratificação, pelo Congresso Nacional, do Protocolo de Kyoto e a realização, em Johannesburgo, da Rio+10, um balanço dos dez anos de realização da RIO}92, foram os pontos mais marcantes no meio ambiente no ano que se finda. Porém duas das mais aguardadas legislações, a lei de disposição dos resíduos sólidos e a lei que dispõe sobre o saneamento básico, ficaram para o próximo ano. A dos resíduos resumirá os 74 projetos em tramitação na Câmara dos Deputados e a lei do saneamento básico depende ainda de muita negociação, que agora terá de ser feita pelo novo governo que assumirá em primeiro de janeiro. A ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, eleito com mais de 52 milhões de votos e um programa
ambiental definido, dando ênfase à gestão das águas e ao desenvolvimento com sustentabilidade, abriu espaço para as lideranças ambientalistas mais à esquerda assumirem um papel importante na condução da política ambiental nos próximos quatro anos.


O presidente Fernando Henrique Cardoso regulamentou a Lei dos Agrotóxicos e o projeto Sivam começou a operar na Amazônia com os primeiros aviões e radares de observação. O Conselho Nacional do Meio Ambiente aprovou a regulamentação dos transgênicos, pondo fim a uma longa disputa e a Cúpula Mundial de Alimentação decidiu advertir as nações mais ricas para o perigo de um acentuado aumento da fome no mundo.
O Senado criou uma CPI para investigar a atuação das ONGs no Brasil, a qual apresentou um relatório final denunciando o envolvimento de várias dessas entidades em irregularidades associadas à compra ilegal de terras. Os resultados da CPI foram encaminhados ao Ministério Público para o aprofundamento das investigações e a abertura de processo.


Um plano para a sustentabilidade
Em julho o presidente FHC lançou a Agenda 21 brasileira, cujo texto estava sendo discutido desde 1997. A agenda brasileira estabelece seis áreas temáticas: agricultura sustentável, cidades sustentáveis, infra-estrutura e integração regional, gestão dos recursos naturais, redução das desigualdades sociais e ciência e tecnologia.
Foi definida uma plataforma de 21 ações prioritárias rumo à sustentabilidade: produção e consumo sustentáveis; ecoeficiência e responsabilidade social das empresas; retomada do planejamento estratégico; energia renovável; informação e conhecimento para o desenvolvimento sustentável; educação permanente para o trabalho e a vida; promover a saúde e evitar a doença, democratização do SUS; inclusão social e distribuição de renda; universalização do saneamento ambiental; gestão do espaço urbano; desenvolvimento sustentável do Brasil rural; promoção da agricultura sustentável; promoção da Agenda 21; implantação do transporte de massa; preservação e melhoria das bacias hidrográficas; política florestal e controle do desmatamento; descentralização do pacto federativo; modernização do Estado: gestão ambiental e instrumentos econômicos; relações internacionais e governança global; formação de capital social e pedagogia da sustentabilidade.


Protocolo de Kyoto já é lei no Brasil
Em junho, cinco anos após ter assinado o Protocolo de Kyoto, com mais de 150 nações, o Brasil ratificou o documento, cujo efeito é transformá-lo em compromisso legal do país. Com a ratificação pelo Brasil, chega a 56 o número de países que se comprometeram a aplicar o Protocolo de Kyoto, o qual estabelece que os países industrializados – Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão – devem reduzir suas emissões de gases de efeito estuda em pelo menos 5% abaixo dos níveis de 1990, no período de 2008 a 2012.
Contudo, sua vigência plena dependerá da adesão de um número de países que contribuam com, pelo menos, 55% do volume de gases poluentes lançados atualmente na atmosfera, o que exige a participação dos países industrializados, campeões da poluição mundial. O Japão foi o último país industrializado a reconhecer Kyoto, e o Canadá deverá ser o próximo.


Impasse empurra lei do saneamento para 2003
As divergências entre as lideranças dos partidos no Congresso, envolvendo especialmente os partidos integrantes da base governista, empurraram para 2003, ou seja, para o novo Congresso e o novo governo, a votação do projeto de lei que trata da universalização dos serviços de saneamento, regulamenta o setor e define a titularidade das concessões de água e esgoto.
De iniciativa do presidente Fernando Henrique, o projeto completou seu segundo ano de tramitação sem que as divergências permitissem pelo menos a elaboração de um parecer para discussão nas comissões e no plenário da Câmara dos Deputados, para onde a matéria foi remetida com pedido de urgência, posteriormente retirado.
A divergência principal envolve a transferência da titularidade dos serviços do município para o estado, nos casos em que as etapas da produção de água são compartilhadas por mais de uma cidade. É o exemplo das Regiões Metropolitanas, que despertam interesse, sobretudo, porque concentram 70% do faturamento das empresas.


Johannesburgo e os compromissos no papel
A RIO+10, uma tentativa de avançar na agenda aprovada em 1992 pela Cúpula do Rio, reuniu, em Johannesburgo, na África do Sul, no final de agosto e em setembro, 193 países, 86 organizações internacionais, 7.200 delegados oficiais e 40 mil participantes. Durante dez dias eles discutiram a erradicação da pobreza, o desenvolvimento social e a proteção do meio ambiente.
A Declaração Política firmada pelos países participantes não conseguiu avançar além da retórica, face à resistência imposta pelos países industrializados que, em alguns casos, tiveram até o apoio de países em desenvolvimento. Reduzir à metade até 2015 a população com renda inferior a um dólar por dia; estabelecer um fundo mundial de combate à pobreza; melhorar o padrão de vida de 100 milhões de favelados; reduzir, até 2015, a mortalidade infantil em dois terços, foram alguns dos pontos mais expressivos da declaração. Mas não houve um compromisso real de pô-las em prática. O que realmente contava – um compromisso firme dos países ricos de transferir recursos para os programas ambientais e sociais dos países pobres – ficou para depois.
A proposta brasileira de ampliar nos próximos anos a oferta de energia de fonte renovável e não poluente sensibilizou muitos países, mas no final ficou de fora da Declaração Política.


CPI aponta ONGs ao Ministério Público
A CPI criada no Senado para investigar as atividades das ONGs concluiu seus trabalhos encaminhando um Relatório ao Ministério Público pedindo a abertura de inquéritos para apurar irregularidades envolvendo diversas entidades, entre elas a Associação Amazônia, a Focus e a Coperíndio, que atuam nos estados de Rondônia, Roraima e São Paulo.
As denúncias contra as ONGs investigadas envolvem a aquisição irregular de terras na Amazônia e doações de recursos em dinheiro do exterior sem registro nos órgãos de controle do governo. Um dos depoentes, Paulo César Monteiro de Medeiros, ex-empregado da Associação Amazônia, informou que a ONG vende pacotes turísticos a US$ 7 mil sem registrar os valores ou repassá-los para algum programa de desenvolvimento sustentável da localidade.
Também foram mencionadas no relatório da CPI, a Coordenação de União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Mato Grosso e Sul do Amazonas – Cunpir – e a Proteção Ambiental Cacoalense – Paca.


Política Nacional dos resíduos sólidos fica para 2003
A falta de vontade política das lideranças partidárias e o envolvimento dos parlamentares na campanha eleitoral acabaram adiando para o próximo ano a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O projeto, que resume as principais propostas das 74 proposições que, sobre a mesma matéria, tramitam na Câmara, foi elaborado pelo deputado Emerson Kapaz (PPS-SP) e tem pouca coisa do projeto original, apresentado em 1991.
Trata-se de um verdadeiro código sobre resíduos sólidos, com 184 artigos e mais de mil dispositivos, cuidando de todas as vertentes dos resíduos sólidos. O projeto institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, seus princípios, objetivos e instrumentos, e estabelece diretrizes e normas de ordem pública e interesse social para o gerenciamento dos diferentes tipos de resíduos sólidos.
Institui fundos de caráter nacional, regional e municipal para os resíduos sólidos; cria planos de gerenciamento para resíduos urbanos, sólidos especiais e resíduos perigosos; institui a figura do poluidor pagador; dispõe com detalhes sobre a criação e operação de aterros sanitários e trata de temas dos mais variados, como a disposição para os remédios vencidos, os pneus, as embalagens, a incineração e uma política de incentivos fiscais para a reciclagem.


Reciclagem sem IPI
Vem aí uma nova era: o ministro José Carlos Carvalho e o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, se acertaram, e dizem que chegou a hora do Brasil fazer desenvolvimento sustentável para valer. Para isto o governo programa lançar mão de instrumentos tributários, fiscais e créditos para estimular quem defende o ambiente. As indústrias que utilizarem plástico reciclado em seus produtos terão um crédito do IPI de 15%.


Regulamentação dos agrotóxicos, treze anos depois
Com um atraso de treze anos, o presidente FHC regulamentou a lei nº 7.802, de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem, a rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.
A regulamentação foi feita por meio de um decreto, segundo o qual os agrotóxicos só podem ser produzidos, comercializados e manipulados se previamente registrados nos órgãos federais competentes, no caso, o Ministério do Meio Ambiente, quando se tratar de utilização em ambientes hídricos, e o Ministério da Agricultura, quando o agrotóxico tiver de ser utilizado em ambientes urbanos, industriais e domiciliares.


Radiografia da Amazônia, dia e noite: é o Sivam
O ano que se finda marcou também o início das operações do maior e mais sofisticado projeto ambiental do mundo: o Sistema de Vigilância da Amazônia, ou Sivam, que foi desenvolvido ao longo dos últimos cinco anos, a um custo de US$ 1,4 bilhão.
Tendo como campo de atuação uma área de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, compreendendo toda a extensão da Amazônia Legal, correspondente a mais da metade dos Estados Unidos ou a toda a Europa Ocidental, o Sivam começou a desvendar, pela eletrônica, a maior reserva natural do planeta.
Seus radares, no ar e em terra, vão vigiar 67% das florestas tropicais do mundo, 22% das espécies de plantas conhecidas no planeta, 20% da água doce da terra, mais de 300 espécies de mamíferos, 517 de anfíbios, 1.300 de pássaros, 1.400 de peixes, US$ 1,7 trilhão em madeira de lei, US$ 1,6 trilhão em metais nobres, sem falar do petróleo que nem começou a ser pesquisado.


Conama põe transgênicos sob controle
Depois de dois anos de impasses, confrontos e conflitos aparentemente intransponíveis foi, afinal, regulamentada por uma resolução do Conama a questão dos transgênicos ou organismos geneticamente modificados. A resolução tornou obrigatória a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e do Relatório de Impacto no Meio Ambiente – Rima – para a liberação de qualquer organismo geneticamente modificado.
Na disputa, os órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente levaram vantagem sobre a CTNBio, que reivindicava a competência para deliberar sobre a matéria. A resolução estabeleceu que os transgênicos são causadores de poluição e, portanto, sujeitos ao controle ambiental, e que por meio desse controle a sociedade pode participar das etapas do processo de licenciamento, via audiências públicas.


Cúpula da fome não sai das promessas
Delegações de 179 países, inclusive 73 chefes de Estado, reuniram-se em Roma, em junho, para avaliar os resultados da Cúpula Mundial sobre a Alimentação, realizada em novembro de 1996, e chegaram a uma triste conclusão: as promessas de seis anos atrás ainda não saíram do papel.
Diante disso, só restou aos participantes insistir na cobrança. O compromisso mais importante de 1996 foi reduzir para 400 milhões até 2015, o número de pessoas que passam fome no mundo. Atualmente, segundo cálculos da ONU, 800 milhões de pessoas vivem esfomeadas. Como os países pobres não têm como investir na agricultura, e os países em desenvolvimento investem pouco, pois têm de competir no mercado internacional com os produtos agrícolas dos países ricos, altamente subsidiados, o resultado é uma produção de alimentos muito aquém das necessidades dos consumidores, especialmente dos mais pobres.