Projeto de lei do saneamento fica para setembro

18 de fevereiro de 2004

Governo retira urgência para facilitar negociações


 





SUS e o saneamento


Enquanto ganhava tempo para contornar as divergências entre deputados da oposição e do governo, em torno da titularidade dos serviços de saneamento, a Câmara dos Deputados promovia um amplo debate, com os diversos segmentos da sociedade, sobre a questão do saneamento no Brasil.


O debate envolveu os dois projetos em tramitação: o do governo, que institui o Plano Nacional de Saneamento Básico, e outro, de autoria do deputado Sérgio Novais (PSB-CE) tratando da mesma matéria.


A parte mais destacada dos projetos, revelada pelos debates, foi o conceito de universalização do atendimento. Ou seja, o ponto central do projeto do governo é chegar à meta de 100% de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto nos 5.500 municípios brasileiros, um objetivo que sequer foi sonhado pelo antigo Plano Nacional de Saneamento – Planasa.


A criação de uma agência reguladora também foi outro tema bastante mencionado pelos debatedores. Tal como já existe em outros segmentos da infra-estrutura econômica, como energia, petróleo e telecomunicações, a agência reguladora da prestação de serviços de saneamento público alcançará, com seu poder regulador, tanto os prestadores públicos como os privados.


O relator Adolfo Marinho sugeriu, durante os debates, que o Sistema Único de Saúde – SUS – passe a investir em saneamento. Citando estatísticas, Marinho diz que as doenças de origem e veiculação hídrica são responsáveis por 70% das internações hospitalares no Brasil.


Projeto Alvorada


Cerca de 3,4 milhões de pessoas foram internadas nos hospitais públicos brasileiros entre 1995 e 1999, vítimas de doenças provocadas pela falta ou por sistema de saneamento básico inadequado. Desse total, 45% residem na Região Nordeste.


Os dados, fornecidos pelo presidente da Fundação Nacional de Saúde – Funasa, Mauro Ricardo Machado Costa, mostram a gravidade do problema sanitário brasileiro e, ao mesmo tempo, a urgência para uma solução.


Costa citou dados da Organização Panamericana de Saúde para informar que investimentos em saneamento básico reduzem em 80% o número de casos de febre tifóide, de 60% a 70% a incidência de tracoma e esquistossomose e diminuem de 40% a 50% os casos de disenteria bacilar e amebíase.


Mas o presidente da Funasa deu uma boa notícia: os investimentos orçamentários destinados ao saneamento básico aumentaram de uma média de R$ 300 milhões até o ano passado para R$ 1,9 bilhão este ano.


A mudança ficou por conta do Projeto Alvorada, que reservou R$ 1,3 bilhão para o saneamento básico, dos quais cerca de R$ 600 milhões serão aplicados no Nordeste.


A primeira parte da sessão legislativa deste ano encerrou-se no dia primeiro do corrente mês de julho, sem que a matéria tivesse sido incluída em votação, como desejava o Palácio do Planalto e as lideranças dos partidos governistas.


Em conseqüência, o adiamento da votação tornou-se inevitável, estabelecendo-se a data de 11 de setembro, dando tempo para que, durante o recesso de julho e no mês de agosto, os líderes possam alcançar um acordo, com os dois lados cedendo o que for possível.


Estados X Municípios – A intenção do governo de transferir dos Municípios para os Estados a titularidade dos projetos do Plano Nacional de Saneamento Básico criou uma polêmica que está inviabilizando a tramitação da matéria na Câmara.


Como os prefeitos são contrários a essa transferência, e muitos deputados federais dependem de seu apoio para reeleger-se, ou desejam mesmo candidatar-se a prefeito em 2002, a pressão surtiu efeito, e a discussão do projeto foi paralisada.


O líder do governo na Câmara, deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), foi incumbido pelo Presidente FHC de conversar com cada um dos parlamentares insatisfeitos, com o objetivo de convencê-los a votar o projeto.


Simultaneamente, o relator da matéria, deputado Adolfo Marinho (PSDB-CE), tenta compor as divergências entre oposicionistas e governistas, conversando também com os prefeitos mais resistentes ao projeto.


Todavia, o trabalho de convencimento dos dois deputados não surtiu efeito. A urgência foi retirada para dar tempo à montagem de um acordo, que acabou não acontecendo, levando as lideranças da base aliada a propor ao Planalto que o ponto mais polêmico – a titularidade – seja decidido no voto a voto.
Para tanto, os líderes teriam de convocar todos os parlamentares da base, de modo a formar um quorum em torno de 470 parlamentares, o que, provavelmente, permitiria a obtenção da maioria.


Relator quer pacto – Segundo o relator, dos 5.500 municípios existentes no Brasil, 5.200 não estão preocupados com o projeto, pois o saneamento continuará sendo um serviço local. A titularidade atingiria apenas os 300 restantes, porém a gestão seria compartilhada com os respectivos Estados.


Lembra o relator que, de acordo com o projeto, a gestão das atividades de saneamento ficará a cargo de um Conselho Deliberativo com representação paritária, ou seja, metade de representantes do Estado e a outra metade do respectivo Município.


Com esse argumento, o relator Adolfo Marinho pretende negociar um pacto entre governadores e prefeitos. Ocorre que essa minoria de 300 municípios que serão afetados pelo projeto é constituída justamente dos mais populosos e mais desenvolvidos e, portanto, com um forte poder político.


E é justamente nesses municípios, em geral com população superior a 50 mil habitantes e localizados sobretudo no Sudeste, que a oposição vem concentrando seu trabalho de combate à titularidade, dificultando o convencimento dos deputados governistas que representam essas comunidades, que temem posicionar-se contra o prefeito e a comunidade, às vésperas de uma eleição.


Além da questão da disputa do poder, a concessão da titularidade dos serviços de saneamento aos Estados é considerada inconstitucional por muitos deputados, inclusive da base do governo.


Eles entendem que a titularidade é matéria definida no âmbito da Constituição. Portanto, qualquer alteração só poderá ser feita mediante emenda constitucional e não através de lei ordinária.


Caso o relator Adolfo Marinho fracasse em sua tentativa de pacto entre governadores e prefeitos, dificilmente o líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira, terá chances de convencer a maioria da base aliada a votar com o projeto do governo.