Planta com gene resistente à seca

17 de fevereiro de 2004

A ?abundância? faz da água um produto sem preço

 







Roque Tomasini: onde há tecnologia para domínio de água, há poder


Há alguns meses publiquei aqui na Folha do Meio Ambiente um artigo denominado “Consumo de água: a indústria automobilística é mais eficiente do que a pesquisa agrícola”. O artigo abordava o alto consumo de água que, de modo geral, as plantas necessitam para a produção dos produtos na forma de grãos e pastagens. Analisava a forma como o setor agrícola, como um todo, tem sido pouco eficiente para enfrentar o problema da falta de água para fins de produção agrícola. E comentava, ainda, as conquistas do setor automobilístico na busca de melhores relações combustível/km rodado. 


O petróleo, mercadoria em processo de esgotamento, reflete as leis do mercado, maior procura, maior preço. Logo, a indústria que dele depende, procura fabricar produtos mais eficientes para que seus consumidores continuem adquirindo seus produtos. 


A água, produto também em fase de esgotamento, tem sido tratada pelos consumidores do setor industrial e domiciliar, como se fosse inesgotável e portanto, um produto sem preço. Seu baixo custo é uma das razões que levam a um enorme desperdício e a uma falta de conscientização sobre a real situação atual e as perspectivas para os próximos anos. Paralelamente a este desperdício pelos que têm acesso a água, segundo o Banco Mundial, entre 5 e 6 milhões de pessoas morrem todos os anos nos países em desenvolvimento por causa de doenças transportadas pela água e da poluição do ar. Os custos econômicos da deterioração ambiental são calculados entre 4 e 8 por cento do PIB por ano, em muitos países em desenvolvimento.


Estudo publicado pela Revista Science, em 15/junho, comenta que foi identificado gene que pode tornar as plantações resistentes à seca via o controle da retenção de água nas plantas. O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte e da Universidade de Penn State (EUA). Para David Oliver, presidente do departamento de Botânica da Universidade de Iowa,” novas cultivares com esse gene podem se tornar realidade no período de 5 a 10 anos”.


Durante os testes, os cientistas da Universidade da Carolina do Norte realizaram a modificação em uma planta comum e notaram que, assim que o gene foi retirado de ação, a planta murchou. Eles passaram, então, a suspeitar que o gene possuía em seu código uma importante molécula denominada “proteína G”, responsável pelo controle do desenvolvimento da planta. 






Se possuir água para fins agrícolas já dá poder a um país, o que acontecerá se este mesmo país adicionar a esta situação o poder de controlar melhor o uso deste fator restritivo à produção, através de tecnologias que interfiram na fisiologia das plantas? A resposta é óbvia: esse país ficará mais poderoso.


Jin-Gui Chen, um dos pesquisadores envolvidos no projeto, afirmou que “a partir do resultado do teste, concluímos que este gene também controla a retenção de água pelas plantas.” 


Não sei se esta descoberta foi uma destas pesquisas que buscam algo e acabam descobrindo outro não programado. Creio que não. Acho que era este mesmo o objetivo.


O que se pode deduzir desta descoberta? Simples. Num mundo em que cada vez mais as tecnologias estão protegidas por patentes a nível mundial, as Universidades de Penn State e da Carolina do Norte ou quem estiver financiando esta pesquisa, ficará detentora de um imenso poder. Poder não só que lhes possibilitará ganhar dinheiro via o sistema de patentes, mas também poderá servir como instrumento de política comercial a nível internacional.


Embora tenha levado toda a História da raça humana até 1830 para a população mundial chegar a um bilhão de habitantes, levou apenas 100 anos para acrescentar um segundo bilhão (1930), 30 anos para o terceiro bilhão (1960), 16 anos para o quarto bilhão (1976), e 11 anos para o quinto bilhão (1987). Espera-se que a população do mundo chegue a 8,5 bilhões até o ano 2030 (Worldwatch Institute / UMA-Universidade Livre da Mata Atlântica).


Num mundo em que as reservas hídricas estão cada vez mais escassas e em que a população continua a crescer rapidamente, dominar a água, via posse territorial das fontes de superfície ou subterrâneas será, cada vez mais, uma importante fonte de poder político e econômico. Se a posse estiver aliada ao domínio das tecnologias de produção agrícolas, mais poder terá esta comunidade, região ou país. 


Se possuir água para fins agrícolas já dá poder a um país, o que acontecerá se este mesmo país adicionar a esta situação o poder de controlar melhor o uso deste fator restritivo à produção, denominado água, através de tecnologias que interfiram na fisiologia das plantas, na intimidade de suas células? Mais uma vez a resposta é óbvia: fica mais poderoso política e economicamente. 


Continua a política de dominação tecnológica: foi assim em relação as máquinas agrícolas, fertilizantes e outros insumos. Hoje o caminho da dominação tecnológica passa pelo domínio da manipulação da célula, como via o mecanismo da transgênia. É bom lembrar que é na agricultura que é utilizada 70% da água doce deste planeta denominado Terra. Qualquer percentual de economia que esta nova descoberta possa possibilitar sobre um montante tão elevado, é algo que não pode ser desprezado pela humanidade. 


Esta notícia aumentou minha convicção sobre o artigo anteriormente escrito. Diz o ditado que “onde há fumaça há fogo”. Pode-se dizer que “onde há tecnologias de domínio da água há poder”. Na terra dos automóveis, um forte símbolo da prosperidade americana, seus cientistas estão descobrindo “máquinas” mais eficientes em relação ao combustível água.


Estão abrindo os caminhos para a continuidade do seu poderio mundial, não pelas armas, mais pelo domínio das tecnologias de produção de alimentos.


*Roque Tomasini é pesquisador da Embrapa Trigo e operador de ecoturismo rural. [email protected]