SERRA NEGRA

Um pedaço de Mata Atlântica no coração da Caatinga

17 de fevereiro de 2004

Serra Negra é um santuário natural voltado exclusivamente para a pesquisa científica

 







Uma mancha de Mata Atlântica em Serra Negra


Como reserva biológica, Serra Negra é um santuário natural fechado a visitação pública, voltado exclusivamente para a pesquisa científica. O seu ecossistema não pode ser alterado. O Ibama classifica a vegetação local como mata umbrófila (escura, densa), de formação orográfica (resultado da conjunção de fatores como correntes de ar e altitude elevada). Considerado brejo de altitude, ecossistema incluído no programa Reserva da Biosfera (instrumento de proteção vegetal instituído pela Unesco, os brejos de altitude são, segundo pesquisadores, resquícios da vasta e exuberante floresta que cobriu o Sertão no período Quaternário, iniciado há 1 milhão de anos.


Apesar de oficialmente demarcada, e sem nenhuma pendência fundiária, essa condição não tem sido de grande ajuda para a sua proteção. Diversas trilhas clandestinas dão acesso ao topo em diferentes faces da serra. As cercas de arame farpado, que teoricamente protegeriam o lugar, estão no chão. Parte sequer é cercada.







Estudantes visitam a 1ª reserva biológica do Brasil


A fiscalização é precaríssima e na prática não há qualquer controle efetivo. O responsável pela reserva mora no Recife e os dois fiscais, que se revesam semanalmente, residem há mais de 70 km. Se morassem no lugar a situação não seria diferente. A reserva não dispõe de infra-estrutura mínima. Não há transporte, comunicações e os 40 km de acesso a partir da PE 390, são carroçáveis. O único luxo é o alojamento dos pesquisadores e água, bombeada da única fonte no raio de quilômetros, localizada dentro da reserva.


Logo na entrada da reserva, bodes pastam com tranqüilidade. No topo, cujo micro-clima abriga espécies seculares que chegam a 30 metros (a média na Caatinga não costuma passar dos 7 metros), vê-se árvores marcadas à faca e até cortadas, para a retirada de mel e ninhos. Caçadores, segundo os moradores da região, nunca foram estranhos ao lugar. “A gente vê o movimento deles pras bandas da reserva”, revela um assentado que mora nas redondezas.


Posseiros – As condições sócio-econômicas da região, marcada pela pobreza, agravada pela seca, e o baixo nível educacional, são complicadores. O local é habitado por pequenos posseiros que ocupam a terras devolutas há várias gerações, projetos de assentamento sofríveis e grandes propriedades.


A falta de estrutura e o isolamento explicam , segundo o Ibama, o baixo índice de produção científica. Duas pesquisas apenas estavam em andamento no ano passado. Apesar disso, nos últimos anos duas novas espécies foram identificadas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a Eugenia sp e a Bunchosia pernambucana, da família da goiaba, e da pitanga e da acerola, respectivamente.


Ibama e UFRPE precisam catalogar fauna e flora da área
Lampião e a Coluna Prestes buscaram proteção em Serra Negra







A beleza de uma Caraibeira florida







O contraste do Pau D’Arco com o Mandacaru


Entre as espécies da fauna existentes em Serra Negra está tatu, peba, veado, gato maracajá, caititu, onças de pequeno porte, papagaio e jandaia. A flora inclui massaranduba, sucupira, pau d`arco, pau d`alho, pau louro, mameluco, barriguda, licuri, bromélias e a surpreendente Tillandsia usneoides, além de espécies endêmicas. “Trata-se de um banco genético rico e pouco estudado que precisa de toda a atenção do poder público, responsável direto pela reserva”, afirma o ambientalista Cláudio Novaes, do grupo SOS Caaatinga.


O próprio Ibama ainda não dispõe de um levantamento florístico e faunístico, trabalho que está sendo feito pela UFRPE, segundo o superintendente do Ibama em Pernambuco, José de Anchieta Santos, 6 anos à frente do órgão. A situação preocupa ambientalistas. O professor João Luiz da Silva, que mantém na área o programa Conhecer para Proteger, que já envolveu mais de 500 estudantes de escolas públicas, teme o saque de espécies como as orquídeas. “A Cattleya labiata, primeira orquídea identificada no Brasil e raramente encontrada no seu habitat natural, não é mais vista aqui como há dez anos”, revela João.


Terra sagrada e história – A área da reserva foi terra ancestral dos índios Kambiwá, até serem expulsos por grandes fazendeiros no início do século passado. Há cerca de 5 anos o Ibama autorizou o acesso dos índios à reserva para a realização de cultos e rituais sagrados como a festa do Ouricuri, que acontece em outubro. A tribo de 3 mil índios habita hoje a planície arenosa que circunda parcialmente a reserva e é considerada pela Funai como a mais pobre do Nordeste.


Sua posição estratégica fez de Serra Negra refúgio de perseguidos e renegados. Figuras lendárias como Lampião e a Coluna Prestes buscaram a proteção do lugar nas décadas de 20 e 30 do século XX. A área voltou a ser palco da história em 1987 quando o Governo Federal cogitou utilizar a planície como depósito do lixo radioativo do acidente do césio 137 de Goiânia. Palco de histórias tão ricas quanto seu ecossistema, o coração verde da caatinga ainda pulsa. Mas até quando?