A colheita da discórdia
5 de fevereiro de 2004Congresso quer regulamentar plantio da soja e parlamentares aguardam apenas decisão sobre safra
A Câmara dos Deputados poderá votar em abril o projeto de lei nº 2905, de 1997, que trata da rotulagem e regulamenta
o plantio e a comercialização dos alimentos geneticamente modificados. O projeto já tem parecer do relator, deputado
Confúcio Moura (PMDB-RO), e estabelece que as indústrias serão obrigadas a informar na embalagem de seus produtos
se eles contêm substâncias geneticamente modificadas.
As lideranças no Congresso aguardam apenas a definição do governo em relação ao que será feito com a safra de soja transgênica deste ano, para incluir o projeto na ordem do dia da Câmara dos Deputados em regime de urgência, conforme garante o deputado Luiz Carlos Heinze (PPB-RS) um dos articuladores da aprovação do projeto.
Os representantes do Rio Grande do Sul, Estado que colheu mais de quatro milhões de toneladas de soja transgênica este ano, estão divididos. Um grupo majoritário defende a liberação tanto do plantio como da comercialização, e outro, constituído sobretudo pelos representantes do PT e pelas lideranças ambientalistas, acha que é preciso ir com cuidado, proibindo-se o plantio e a comercialização até que fique cientificamente provado que a soja transgênica não faz mal ao meio ambiente e à saúde dos consumidores.
Trata-se da tese da precaução, pregada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, quando ainda não havia assumido o Ministério.
Pensando no assunto
Na esfera do Executivo também há um esforço para solucionar o problema. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem sendo pressionado pelos dois lados. Os produtores que estão convencidos de que a soja transgênica é a melhor opção, pediram ao Presidente que sejam liberados para escolher o tipo de soja que desejam plantar. A reivindicação foi feita pelo presidente da Cooperativa Agropecuária Mourãoense – Coamo – localizada na região noroeste do Paraná. Ao receber o presidente da entidade, José Aroldo Galassini, Lula prometeu “pensar no assunto”.
PT e ambientalistas
Mas as lideranças petistas e ambientalistas respondem com argumentos como o da deputada Luci Choinacki (PT-SC), para quem é no mínimo intrigante que uma empresa como a Monsanto, produtora de veneno, “que vende seu produto como água em qualquer lugar, e sem nenhum critério, invente uma semente transgênica que não utilize mais veneno no futuro.”
Enquanto isso, o grupo interministerial criado pelo Presidente da República para orientá-lo sobre a política a ser seguida em relação aos transgênicos, atua sem muita pressa. O grupo é constituído pelos ministros Roberto Rodrigues, da Agricultura, Marina Silva, do Meio Ambiente, Roberto Amaral, da Ciência e Tecnologia, Humberto Costa, da Saúde, e Luiz Furlan, do Desenvolvimento, e não tem prazo para entregar a Lula os resultados do seu trabalho.
Defesa com números
Em recente reunião da bancada do PFL, o deputado Onyx Lorenzoni (RS) exibiu uma pesquisa tentando demonstrar as vantagens da soja transgênica e conclamando seu partido a votar a favor da liberação do plantio e da comercialização do produto.
Segundo o parlamentar, a semente de soja transgênica garante uma redução de 60% no uso de herbicidas na soja e no milho. Com isso, o custo de produção por hectare de soja convencional, que é de US$ 66, cai para US$ 22 na soja transgênica.
Esses dados são constatados pelo pesquisador Eliseu Alves, ex-presidente da Embrapa. Segundo Eliseu Alves, a produtividade é praticamente a mesma, em se tratando de soja convencional ou transgênica. O que acontece é que, na soja transgênica, há uma redução de 60% na utilização de herbicidas.
É essa diferença que faz com que haja uma redução nos custos de produção da soja transgênica de 15% a 25%, em relação à soja convencional. Esse é o maior atrativo para a preferência dos produtores em plantar a soja transgênica.
Do ponto de vista ambiental, o deputado pefelista assegura que a soja transgênica, plantada pelo sistema direto, na palha, é mais vantajosa do que a soja convencional.
Na safra que está sendo colhida, 17 milhões de hectares foram plantados na palha, dos quais cinco milhões de hectares somente no Rio Grande do Sul. Citando estatísticas internacionais, ele lembrou que 58 milhões de hectares estão sendo cultivados com OGM, produzindo alimentos para 3,5 bilhões de pessoas em todo o mundo.
A soja e o seqüestro de carbono
Deputado diz que soja favorece seqüestro de carbono. Pesquisador argumenta
o contrário e prova que resultado não é vantajoso
Milano Lopes, de Brasília
Segundo o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), a lavoura de plantio direto, na palha, viabilizada economicamente pela transgênia, favorece a vida na Terra. E exemplifica: a lavoura de milho pelo plantio direto retém seis vezes mais CO2, liberando mais oxigênio do que uma floresta do mesmo tamanho. Essa relação é de quatro vezes mais no plantio de trigo e duas vezes mais no plantio de soja.
Para Lorenzoni, nos últimos dez anos o plantio direto na palha no Brasil resultou em:
— Preservação de um bilhão de toneladas de solo;
— US$ 11 bilhões economizados em químicos;
— 1,3 bilhão de litros de combustível economizados; e
— 500 milhões de ton de CO2 seqüestrados.
Mas essas afirmações também são contestadas por Eliseu Alves. Ele considera que, em termos líquidos, levando em conta a retenção e a liberação do CO2, o resultado não é muito vantajoso em função do curto ciclo da plantação. Quando se fala em seqüestro de carbono, as melhores vantagens estão ou nas pastagens ou nas florestas.
A proposta do deputado ao PFL foi a de que o partido deve lutar para que o produtor rural tenha liberdade de escolher qual a melhor semente para plantar de acordo com a sua convicção, interesse e rentabilidade.
O efeito negativo do plantio clandestino
Os defensores da soja transgênica garantem que a polêmica envolvendo a comercialização do produto colhido no Rio Grande do Sul já provocou dois efeitos colaterais danosos: primeiro, desestimulou o setor privado a investir em tecnologia, em especial, em biotecnologia.
Os investimentos, no ano passado, somaram cerca de R$ 20 milhões, mas poderão cair acentuadamente este ano, se os investidores perceberem que não há retorno na aplicação do seu dinheiro. Eles garantem que todas as pesquisas com soja, e não apenas com variedades transgênicas, foram paralisadas em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, embora a Embrapa continue pesquisando em outras regiões do País.
O segundo efeito colateral da proibição é o estímulo ao ingresso de sementes contrabandeadas da Argentina, de qualidade duvidosa. Mesmo as sementes de qualidade vindas do país vizinho – as chamadas Maradonas – plantadas no Rio Grande do Sul, são reproduzidas na safra seguinte, a partir do produto colhido no Brasil, com perda de qualidade, por não seguir os padrões de seleção.
Para os técnicos que lidam com essa questão, o pior é o engessamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e do próprio Ibama, hoje proibidos de conceder autorização para novos experimentos com a soja transgênica.
A decisão do governo de retirar da CTNBio a atribuição de órgão deliberativo, deixando-lhe uma função meramente consultiva, repercutiu no Congresso. Para o deputado Marcondes Gadelha (PFL-PB) trata-se de uma represália ao fato de a comissão ter votado a favor da liberação da soja transgênica round-up ready, da Monsanto.
Tecnologia X Ideologia
O que fazer com a soja transgênica?
A produção brasileira de soja, este ano, deverá ser de 50 milhões de ton, das quais seis milhões de ton são de soja transgênica, colhida ou em processo de colheita, principalmente no Sul. Dos 8,5 milhões de toneladas da safra gaúcha deste ano, mais de 4 milhões de toneladas foram de soja transgênica.
Como, desde junho de 1999, por decisão do juiz federal Antônio de Souza Prudente, está proibido o cultivo e a comercialização da soja transgênica, o problema foi criado: o que fazer com os seis milhões de ton dessa soja?
Mesmo os mais radicais adversários da transgênia admitem que uma solução precisa ser alcançada para evitar prejuízos irremediáveis aos agricultores que plantaram o produto.
Até a deputada Luciana Genro, filha do ministro Tarso Genro, uma das representantes das alas radicais do PT e militante
anti-transgênia, admite que uma solução de compromisso deve ser encontrada, pois boa parte da soja colhida foi plantada por pequenos produtores rurais (até pelo MST) estimulados pelas notícias de alta produtividade e baixa utilização de agrotóxicos.
Os produtores alegam que plantaram soja amparados por lei. No âmbito estadual, a lei n.º 11.463, de 2000, e no âmbito municipal leis aprovadas pelos municípios de Tupanciretã. Cruz Alta e Jóia. Confrontando essas leis existe a decisão da Justiça Federal de primeira instância.
A Advocacia Geral da União já recebeu instruções do Palácio do Planalto para entrar na questão, aparentemente com o propósito de encontrar uma solução que atenda aos produtores sem recorrer da decisão judicial.
A alternativa mais viável é a exportação. À exceção do Brasil, os grandes produtores de soja, como os Estados Unidos e a Argentina, já utilizam largamente a soja transgênica, tanto para comercialização interna como para exportação. Aparentemente, o que não falta é mercado para o produto.
Mas a exportação cria um problema para a indústria gaúcha: a falta de matéria prima para a produção de óleo e farelo. A alternativa seria a compra de soja em grão de outros Estados produtores, porém neste caso o empecilho é o custo mais elevado.
Parlamentares a favor e contra a soja transgênica concordam num ponto: a questão maior não é liberar ou não a soja transgênica, mas definir o que acontecerá daqui por diante. Qual será a política do Presidente Lula para a transgenia.
A definição dessa política, segundo essas mesmas lideranças, passa pela solução de outra questão ainda mais complexa: convencer os produtores rurais, em especial os pequenos e médios, de que não devem continuar plantando a soja transgênica. O bolso sempre fala mais alto. E aí, perguntam os parlamentares, perguntam os cientistas e os produtores rurais: será que a tecnologia mais uma vez venceu a ideologia?