500 Anos no Coração do Brasil
24 de março de 2004Expedição do Jeep Clube de Brasília reconstitui roteiro histórico que demarcou a capital da República
Márcia
Para delimitar o quadrilátero que deu origem ao Distrito Federal, o astrônomo e geógrafo belga Luís Cruls percorreu o Planalto Central durante dois anos. Quatro marcos geodésicos foram colocados pelo pesquisador em pontos da então província de Goyas. Mais de cem anos depois, em comemoração aos 500 Anos do Descobrimento e ao 40ª aniversário de Brasília, o Jeep Clube reeditou com a expedição “500 Anos no Coração do Brasil” um dos trechos da Missão Cruls, visitando o marco geodésico que hoje pertence ao município de Abadiânia, a cerca de 200 quilômetros da capital federal.
Em meio a comemorações tumultuadas patrocinadas pelo governo federal em Porto Seguro, Bahia, onde minorias étnicas foram impedidas de entrar na cidade, em que a nau construída com verba pública (R$ 3,8 milhões) não navegou e diante do protesto de vários grupos contra o governo, a programação organizada pelo Jeep Clube de Brasília – sem recursos oficiais e a mais de 1.000 quilômetros do litoral, foi uma verdadeira homenagem àquele que de fato contribuiu para a interiorização do Brasil. A Missão Cruls uniu o sertão ao litoral e conferiu uma nova identidade ao povo brasileiro.
Missão Cruls
Na manhã da Sexta-feira Santa, 22 jeeps – o mesmo número de pesquisadores que integrava a Missão Cruls, deixou o Memorial JK, no centro de Brasília, em direção a estradas vicinais, de terra, para alcançar o marco geodésico hoje localizado na propriedade do cantor sertanejo Amado Batista, a Fazenda AB. Quando Cruls visitou o local, a área fazia parte do município de Pirenópolis – uma antiga lavra de extração de ouro e esmeraldas que eram levadas para a Corte, no Rio de Janeiro, por um tortuoso caminho sobre a serra do Pireneus, conhecido como Estrada Cavaleira, ou Caminho do Norte.
O marco visitado pelo Jeep Clube delimita a fronteira sudoeste do quadrilátero destinado à nova capital: 14.400 quilômetros quadrados, mais tarde reduzidos aos atuais 5.782 quilômetros quadrados que formam o Distrito Federal. A área original abrangia o que Cruls denominou de “berço das águas”. Altamente irrigada, o pesquisador observou que a população que se estabelecesse no local não enfrentaria problemas no período de estiagem. Com a redução da área escolhida e o inchaço populacional, o Distrito Federal enfrenta problemas de abastecimento durante seis meses do ano.
Em 1992, em homenagem ao centenário da Missão Cruls, o Exército, com o auxílio dos pilotos do Jeep Clube, visitou e recuperou os quatro marcos geodésicos. “Desde então, passamos a fazer a manutenção periódica dos marcos geodésicos”, informa o presidente do Jeep, Marcos Gontijo. Desta vez não foi diferente. Os jipeiros pintaram novamente o marco e colocaram um selo alusivo aos 500 Anos no local.
Até o ano de 1890, Pirenópolis era chamada de Meiaponte graças a ponte mandada construir sobre o rio das Almas pelo bandeirante paulista Manoel Rodrigues Thomaz. A cheia do rio, no entanto, levou metade da obra. A ponte de madeira que até hoje cruza as águas do rio das Almas em Pirenópolis ainda é a mesma.
Meia ponte
Em 1819 quando o pesquisador francês Auguste Saint-Hilaire visitou a região, pode observar que “a povoação de Meiaponte foi edificada em uma espécie de planície rodeada de montanhas e coberta de bosques pouco elevados; estende-se, por um declive muito brando, por sobre a margem esquerda do rio das Almas e defronta a continuação dos montes Pyrineus. Tem aproximadamente a forma de um quadrilátero. Contam-se nela 300 e poucas casas, que são bastante limpas, cuidadosamente caiadas, cobertas de telhas, e bastante altas para o país. Cada uma, como sucede em todas as povoações do interior possui um jardim, ou antes, um quintal onde se veem bananeiras, laranjeiras e cafeeiros plantados sem ordem. As ruas são largas, retas e calçadas dos dois lados”. O pesquisador observa também que existiam cinco igrejas, um hospital da ordem de São Francisco e uma escola, com um professor pago pelo governo.
Cerca de 70 anos depois, quando a Missão Cruls chegou à região, o local continuava semelhante ao descrito por Saint-Hilaire. Mais de um século após a passagem de Cruls, o Jeep Clube de Brasília encontrou uma região distinta. Primeiro, o caminho principal é asfaltado, a cachoeira do rio Corumbá, a cerca de 30 quilômetros de Pirenópolis, antes majestosa e solitária, está cercada por campings, hotéis e clubes. A cidade cresceu de forma desordenada e arames nos montes Pireneus mostram que a área é particular. Alguns locais, no entanto, procuram preservar a história e o meio ambiente, como a reserva particular da fazenda VagaFogo e a reserva ecológica de Vargem Grande.
Mais informações:
História da Terra e do Homem no Planalto Central,
de Paulo Bertran, Solo Editores Fones (61) 349.3126 e 273.7095.
Relatório da Missão Cruls, Editora da Codeplan,
disponível na biblioteca da Codeplan – Fone (61) 214.4229
500 anos de agricultura
Outra iniciativa que deu certo durante o período de comemorações pelo Descobrimento foi a festa organizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que também assinalou seus 27 anos de existência. Realizada em Brasília, a festa marcou a entrega de prêmios de reportagem a nove jornalistas e prêmios especiais a dois pesquisadores. Além de servir como pano de fundo para uma exposição de produtos feitos com a tecnologia da Embrapa e o lançamento do livro Terra e Alimento- Panorama dos 500 Anos de Agricultura no Brasil.
Os trabalhos de pesquisa premiados pela Embrapa são bem distintos: um permitiu a expansão da avicultura brasileira, que se voltou para o mercado de exportação, do Osmane Hipólito, e o outro é sobre sensoriamento remoto e sistemas geográficos de informações aplicados à agricultura, de Eduardo Assad.
O livro Terra e Alimento conta a história da produção dos alimentos no Brasil, a partir do período colonial, sob a ótica da ocupação do território, da formação da cultura brasileira e dos hábitos alimentares. A obra foi escrita pelos historiadores Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira. Na mesma ocasião, foi distribuída a publicação Balanço Social- Pesquisa Agropecuária Brasileira 1999, sobre os programas desenvolvidos e mantidos pela Embrapa.