Da Amazônia ao Pacífico pelos Andes

24 de março de 2004

Jornalistas saem do Acre, atravessam as cordilheiras e chegam ao Pacífico peruano

 




Existem alguns caminhos na Terra que, por serem muito altos, dá a sensação aos que os percorrem de estarem entrando literalmente no céu.


Foi assim que me senti ao passar por Ticclo, a mais alta das montanhas das Cordilheiras dos Andes, situada a 4 mil e 800 metros acima do nível do mar. Ali, o ar é muito rarefeito, a temperatura chega a até cinco graus negativos e o segredo é passar quietinho, calado, admirando a beleza e o esplendor da neve e do gelo que cercam e encantam todo o lugar.


A passagem por Ticclo foi apenas uma das inúmeras aventuras que vivi junto com o fotógrafo Raimundo Paccó e o empresário Thális Barduzzi, do Acre, na fantástica viagem que realizamos no final do ano passado entre a Amazônia brasileira e o Pacífico peruano.


Saímos de Rio Branco, capital do Acre, a bordo de um Gol 1000 e, durante 17 dias, percorremos 5,5 mil quilômetros por entre as florestas brasileira e peruana, subimos as Cordilheiras dos Andes, cruzamos centenas de montanhas geladas, passamos por desertos e chegamos nas águas geladas do Pacífico, do outro lado da América do Sul.


Nossa viagem teve por objetivo provar que já é possível, sim, sair da Amazônia brasileira e chegar, em poucos dias, no litoral do Pacífico, numa rota que começa a ser percorrida por turistas do mundo inteiro, interessados em viver aventuras indescritíveis em caminhos tão pouco conhecidos do planeta.


Os Andes peruanos formam um desses fantásticos caminhos da Terra, que vai incrementar as relações comerciais, científicas e culturais entre a população da Amazônia Ocidental brasileira e o povo peruano descendente da grande civilização Inca.


“Adentramos a floresta, andamos no coração e nas artérias das Cordilheiras do Andes. Fotografamos o povo da floresta e a beleza extraordinária do Peru. Dizem que Deus é brasileiro, mas, depois dessa viagem, penso que ele mora no Peru”, disse, empolgado, o fotógrafo Raimundo Paccó, ao final de nossa viagem pela nova rota rodoviária entre o Atlântico e o Pacífico.


Raimundo Paccó tem muita razão. O Peru e seu povo são de uma beleza contagiante. O colorido das montanhas, dos animais, das aves e das vestes do povo peruano chamam a atenção de todos que se dispõem a visitar este país ainda pouco explorado, que tem nas montanhas sagradas do Incas, alcançadas a partir de Cuzco, o ponto alto de atração do turismo internacional.


A viagem


Nossa viagem começou em Rio Branco, no final de setembro. Equipados com corda, picareta, lanterna, roupas leves, para enfrentar o extremo calor amazônico e de frio para andar pelos Andes peruanos, saímos da capital do Acre pela BR-317 em direção à fronteira tripartite entre o Brasil, Bolívia e Peru.


Facilmente, percorremos os 220 quilômetros de asfalto que separam Rio Branco de Brasiléia, na fronteira com a Bolívia. Antes, passamos por Xapuri, terra natal do ecologista Chico Mendes, que se notabilizou internacionalmente por defender a preservação da floresta amazônica. 


De Brasiléia, alcançamos a fronteira peruana depois de percorrermos com relativa facilidade os 110 quilômetros de estrada de chão e de muitas ladeiras que dão acesso à pequena cidade de Assis Brasil, ponto final da BR-317, rodovia escolhida pelos governos brasileiro e peruano para servir de nova rota entre o Atlântico ao Pacífico. 


A pavimentação desta rodovia, que foi iniciada pelo governador Jorge Viana, do Acre, é obra prevista no Plano Plurianual (PPA) de 2000 a 2003 e no programa Avança Brasil, do governo Fernando Henrique.


A BR-317 termina na pequena cidade de Assis Brasil, na fronteira entre o Brasil, o Peru e a Bolívia. Ali, acreanos, bolivianos e peruanos vivem há anos em harmonia, dividindo os espaços dos rios e igarapés da selva amazônica e tendo em comum a extração da borracha e da castanha como principais atividades econômicas.


Iñapari


Entramos em território peruano pela pequena cidade fronteiriça de Iñapari, separada de Assis Brasil pelo rio Acre, que, de tão estreito, na época de verão amazônico (de maio a novembro), pode ser atravessado a pé. Os veículos passam de um lado para o outro por de uma pequena e estreita ponte de madeira. Do lado da Bolívia, não existe cidade na fronteira.