Ética: a linguagem do século 21
24 de março de 2004Abrigo o sentimento profundo de que a Educação do Caráter será o grande desafio que a humanidade terá de enfrentar no século 21. Este sentimento é corroborado pelo destaque especial dado ao tema no Congresso da Associação Americana de Supervisão e Currículo (ASCD), do qual participei em março do corrente ano, em New Orleans, Louisiana,… Ver artigo
Abrigo o sentimento profundo de que a Educação do Caráter será o grande desafio que a humanidade terá de enfrentar no século 21.
Este sentimento é corroborado pelo destaque especial dado ao tema no Congresso da Associação Americana de Supervisão e Currículo (ASCD), do qual participei em março do corrente ano, em New Orleans, Louisiana, Estados Unidos, com a presença de cerca de 14.000 educadores, de 30 países do mundo.
Rushwort Kidder, jornalista e educador, em sua palestra, falou da necessidade urgente de uma nova linguagem: a da ética. Usou vários exemplos, como o de Chernobyl e do menino de 6 anos que matou a coleginha com uma arma, para ilustrar a capacidade da tecnologia de provocar desastre e ignorar a ética. Nas instituições educacionais, cerca de 80% dos alunos do segundo grau afirmam ter colado, de uma forma ou outra. Há indícios de professores ajudando os estudantes nos testes padronizados.
Pela primeira vez, em 1999, uma pesquisa nacional mostra que ética, moralidade e valores familiares são os itens mais preocupantes na agenda do povo norte-americano. “Vivemos um profundo colapso moral e não sobreviveremos no próximo milênio com a ética do século 20”, afirma Kidder.
Apresentou ele dados de pesquisa realizada em varias nações do mundo, que permite elencar um conjunto compartilhado de valores, universalmente aceitos. São eles compaixão (amor); respeito; equidade; honestidade e responsabilidade.
Arun Ghandi, autor e educador, neto do grande líder espiritual da Índia, Mahatma Ghandi, fez uma palestra emocionante, com palavras cheias de sabedoria e suavidade. Contou várias historias das lições aprendidas com o avô sobre respeito, relacionamento, compreensão e apreciação.
Uma delas merece ser recontada. Um dia quando criança, voltando da escola, Arun resolveu jogar fora, no mato, um pequenino lápis. Ao chegar em casa, informou que precisava de um lápis novo. “O que aconteceu com o que você possuía”, perguntou o avô. O neto contou o que havia feito. Ghandi, dando ao menino, uma lanterna, pois era noite, pediu que ele fosse buscar o lápis. Depois de mais de 1 hora de busca, o neto entregou o objeto ao avô, recebendo dele a seguinte lição. Muitos recursos foram usados para produzir este lápis. Jogar fora, quando ele ainda pode ser útil, é uma violência contra a natureza. Muitas pessoas pobres não têm acesso a este tipo de bem; logo é também uma violência contra a humanidade.
Arun Ghandi questionou como os norte-americanos podem ser ao mesmo tempo a maior potência econômica e o país mais violento do mundo. Ele enfatizou que a mudança tem de começar em cada pessoa, controlando e usando a energia da raiva para realizar uma ação positiva. Os adultos precisam viver o que desejam que as crianças aprendam, pois são verdadeiros modelos vivos.
Pais e professores devem agir como fazendeiros, dizia Mahatma Ghandi, plantando sementes da não-violência e esperando que elas cresçam na mente dos filhos e alunos. Assim, no raiar de um novo dia, a próxima geração agirá afirmativamente, no sentido de construir um mundo de paz e harmonia.
Estamos assistindo à chegada de um novo milênio. A hora exige decisão e ação. Algo significativo precisa ser feito imediatamente. É fundamental consensuar um novo código de ética para o século 21, incorporando os valores compartilhados socialmente.
A transformação efetiva tem condições de ser iniciada já, na família e na escola, lugar ideal para ensinar às crianças e aos jovens aquilo que se constitui na essência da experiência humana. É, sem dúvida, uma tarefa a ser compartilhada por pais e professores.
O alvo de um enfoque holístico para Educação do Caráter aponta no sentido de levar os estudantes a terem maior respeito por si mesmos e pelos outros; adotarem uma postura de maior responsabilidade pessoal e social; valorizarem sua própria identidade; apreciarem e participarem do mundo; celebrarem sua própria cultura e individualidade; valorizarem outros colegas e pessoas; comprometerem-se com a excelência pessoal, profissional e humana; agirem com cortesia e gentileza; demonstrarem empatia e compaixão.
Algumas escolas encontram-se envolvidas na execução de programas de desenvolvimento de valores. Propondo estratégias e atividades desafiantes e interessantes, como histórias ao redor do mundo, personagens da literatura, jogos, artes, vídeos, músicas, modelos humanos atuais, artigos, brincadeiras, figuras históricas, estão conseguindo alimentar o caráter dos educandos, engajando sua mente e tocando seus corações.
Nestas instituições educacionais são oferecidas aos alunos oportunidades de resolverem problemas, de forma cooperativa; buscarem alternativas para a resolução pacífica de conflitos; controlarem o próprio comportamento; entenderem, gerenciarem as emoções, expressando-as de forma produtiva; fazerem escolhas morais, aceitando a responsabilidade pelas conseqüências das opções feitas.
Estas escolas estão mostrando que é possível influenciar e mudar os comportamentos das crianças e jovens. Alguns resultados iniciais apontam que estudantes estão demonstrando: atitudes mais positivas perante o mundo; maior respeito e tolerância para com os outros; mais preocupação com o próximo; maior cooperação; mais delicadeza no trato aos colegas; menos violência nas relações; e maior proficiência no fazer amigos.
Há esperança de que estes educandos crescerão como adultos responsáveis e sensíveis, capazes de fazer diferença em sua própria vida e na vida dos outros, em casa, na escola e na comunidade; enfim no mundo do próximo milênio.
A nova visão da educação para o século 21 aponta a necessidade e a urgência de se obter a integridade do ensinar e do aprender. A educação como um processo que visa educar a pessoa inteira, resgatando a humanidade e a vida interior de cada ser humano. Uma educação autêntica, com “alma e espírito”.
A Educação do Caráter pode começar na família e na escola, envolvendo posteriormente os demais segmentos representativos da comunidade. Este caminho nos permite sonhar e antecipar o surgimento de uma nova Cultura do Caráter, com condições efetivas de se entranhar e frutificar no seio da sociedade brasileira e mundial.