GHILLEAN PRANCE - Entrevista

Angústia pelo desmatamento e consumo não sustentável da madeira

24 de março de 2004

    FMA – Como o senhor compara a Amazônia dos anos 60 com a Amazônia de hoje? Prance – O que mais me angustia é o volume de desmatamento e o fato de que grande parte da madeira cortada é consumida de forma não-sustentável.  Se tivesse havido desmatamento para a realização de projetos sustentáveis,… Ver artigo

 


 


FMAComo o senhor compara a Amazônia dos anos 60 com a Amazônia de hoje?


Prance – O que mais me angustia é o volume de desmatamento e o fato de que grande parte da madeira cortada é consumida de forma não-sustentável. 


Se tivesse havido desmatamento para a realização de projetos sustentáveis, para alimentar pessoas e tudo mais, teria sido diferente. Mas muito do desmatamento tem sido feito sem planejamento. Agora a Amazônia está muito mais aberta, com o aumento do transporte aéreo, das estradas, dos meios de comunicação e tudo mais. Há muito mais oportunidades na região e, por causa desses avanços, há um grande potencial para se melhorar. 


Também me impressiona muito a forma com que o INPA se desenvolveu. Na minha primeira ida à Amazônia, o INPA era uma micro instituição que funcionava em dois prédios mal conservados no centro de Manaus e que não tinha muita voz. Hoje o INPA é uma grande instituição, com um campus de verdade e que tem bastante força e importância. 


FMAO senhor acha, então, que há mais apoio institucional para questões ambientais?


Prance – Sim, acredito que o Brasil tem dado mais apoio e esse apoio tem crescido ao longo dos anos. O CNPq realmente fez um grande trabalho ao financiar o INPA e permitir que o instituto se desenvolvesse. O Museu Goeldi, em Belém, é outro que me alegra muito ver como se desenvolveu. Hoje eles estão com um novo herbário e um centro botânico e possuem a infra-estrutura necessária para desenvolver pesquisas próprias. Há também muito mais brasileiros treinados com conhecimento e capacidade para desenvolver pesquisas. Isso é um grande avanço. 


FMAPelas suas respostas, vê-se que o senhor não está entre os que defendem a preservação total e absoluta da Amazônia. O senhor admite um certo grau de destruição se for por uma “boa causa”, para promover o desenvolvimento? 


Prance – Absolutamente. Quando é por razões de desenvolvimento sustentável e quando o meio ambiente é levado em consideração. Obviamente, uma das formas mais eficazes de preservar a Amazônia é conseguir o equilíbrio exato entre preservação e uso sustentável. Você não pode esperar que um país do tamanho do Brasil deixe a Amazônia intacta, preservada como uma reserva natural. Portanto, é preciso investimentos em pesquisas para se descobrir qual a melhor maneira de explorar a floresta, gerando um rendimento sustentável para o país e, ao mesmo tempo, preservando a enorme biodiversidade e o papel da floresta no clima da região.


FMAAs últimas análises sobre desmatamento no Brasil indicam que ainda que a taxa de desflorestamento tenha sofrido uma redução, o percentual de toda a madeira extraída no país que é originária de florestas nativas tem aumentado progressivamente desde 1986 e hoje representa 56%. Como o senhor vê isso?


Prance – Com muita preocupação. Vimos o que aconteceu com as florestas da Indonésia e de outros países que extraíram madeiras demais. Porém, se tem uma coisa que é o forte da Amazônia é madeira. Se a extração for devidamente administrada e as pessoas não se comportarem de forma tão gananciosa, a floresta poderá continuar produzindo madeira natural de forma sustentável. O que me preocupa é que isso não está sendo planejado muito bem no momento. É preciso incentivar o replante em áreas que já foram destruídas, para aliviar a pressão sobre a floresta. No caso de madeira para papel e celulose, acho que algumas das plantações de eucalípto no sul do país são muito boas, pois também aliviam a pressão da Amazônia.


FMAA explicação para esse aumento da taxa de mata nativa destruída é a eliminação, em 1986, de um incentivo fiscal para reflorestamento. 


Prance – Esses subsídios eram muito bons. Obrigar as pessoas a replantar é muito importante. Mas aí, a questão que se precisa perguntar é, “com que espécie de árvore?”. Depende muito do que você planta, pois o reflorestamento pode ajudar o ambiente ou então contribuir para destruí-lo ainda mais. Em muitos lugares, o reflorestamento com espécies não nativas só fez deteriorar o meio ambiente. 


FMAO senhor é otimista em relação ao futuro do planeta?


Prance – Sou razoavelmente otimista. Afinal, quando você pensa que menos do que 20% do total da Amazônia foi destruído, isso significa que ainda resta uma quantidade enorme de floresta. O ritmo de destruição das florestas tropicais de outros países tem sido bem pior do que no Brasil. Portanto, de todas as regiões de floresta tropical, a Amazônia é aquela que me deixa mais otimista. Mas será preciso uma ação rigorosa da parte do governo para que isso continue assim e a floresta seja explorada de forma inteligente.


FMAQue tipo de ação o senhor acha que o governo poderia fazer que não está fazendo?


Prance – Duas coisas. Primeiro, estimular pesquisas sobre o uso sustentável do ecossistema. É preciso pesquisar os métodos: o que se pode plantar, qual o melhor sistema de reflorestamento e de manejamento sustentável de madeira. Em segundo lugar, é preciso investir muito mais nas organizações que estão fazendo o trabalho de conservação no Ibama para que elas tenham condição de realmente fiscalizar as áreas de conservação. Muitas áreas de conservação não possuem nenhum guarda, nada. Simplesmente porque não têm recursos e nem pessoal pra fazer isso. Portanto, é preciso investir nas duas áreas: em como usar os recursos naturais e na conservação das áreas selecionadas como reservas florestais. 


FMANa sua opinião, qual a principal ameaça ao futuro do planeta?


Prance – Excesso de população. Isso não é uma crítica ao Brasil, pois as taxas de natalidade no Brasil estão sob controle. Mas de forma geral, o número excessivo de pessoas no mundo significa uma área ainda maior de terra sendo explorada para produzir alimentos e uma produção ainda maior de dióxido de carbono. A outra grande ameaça são as diferentes causas da mudança do clima, como a queima de combustíveis fósseis. Tanto a Convenção do Clima como as medidas para reduzir a emissão de CO2 são extremamente importantes. E digo de forma bastante enfática que uma das maiores tragédias do mundo hoje é o fato dos Estados Unidos não terem ratificado nem Convenção do Clima nem a Convenção da Biodiversidade. Minha críticas são direcionadas bem mais a eles, por ignorarem esses tratados. O Brasil assinou, o Reino Unido assinou e todos nós estamos levando a sério. 


FMAAinda que no Brasil a questão do crescimento populacional tenha deixado de ser um problema, o assunto não costuma cair bem e só serve para acirrar a briga entre os países do norte e do sul. Ao menos enquanto um bebê americano continuar causando mais impacto ambiental e produzindo mais lixo do que 120 bebês em Bangladesh. Os países pobres jamais aceitarão o argumento de que precisam reduzir as taxas de natalidade em nome da preservação ambiental.


Prance – É verdade. O excesso de consumo é um grande problema e devemos atuar nos dois campos: reduzindo o consumo dos países ricos e melhorando os padrões de vida dos mais pobres. No momento, o fato de que 20% da população mundial desfruta de 80% do PIB mundial e que 20% mais pobres dispõem de apenas 1,8% da riqueza global total é sinal que há algo errado na nossa sociedade. Acho importantíssimo associar questões de justiça social com meio ambiente. Essas questões caminham de mãos dadas e se a gente não levá-las em consideração, não vamos chegar a lugar nenhum. É perfeitamente correto o que você disse. Um bebê nos Estados Unidos equivale a 120 em Bangladesh. Mas diante disso, a questão do excesso populacional fica ainda mais pertinente. É um fato digno de nota que em países superpovoados ocorrem inúmeros conflitos. O país mais populoso da América Latina é El Salvador, que passou por anos de guerra civil. O paí

GHILLEAN PRANCE - Entrevista

Angústia pelo desmatamento e consumo não sustentável da madeira

24 de março de 2004

Folha do Meio – O que levou o senhor para a Amazônia na década de 60? Ghillean Prance –  Fui para a Amazônia pela primeira vez em 1964, por causa do meu interesse em uma família de plantas que estava estudando para minha tese de PhD em Oxford. Eu era pesquisador no Jardim Botânico de… Ver artigo

Folha do Meio – O que levou o senhor para a Amazônia na década de 60?
Ghillean Prance – 
Fui para a Amazônia pela primeira vez em 1964, por causa do meu interesse em uma família de plantas que estava estudando para minha tese de PhD em Oxford. Eu era pesquisador no Jardim Botânico de Nova York – que na época estava muito interessado na Amazônia -, e então pude satisfazer meu grande desejo de estudar a flora da Amazônia.


FMA – O senhor lembra quais foram suas primeiras impressões?
Prance – Essa primeira viagem para o Brasil foi pela Universidade de Brasília e portanto, a primeira coisa que vi foi o Cerrado. Então, acho que dá pra imaginar o impacto quando cheguei na Amazônia. Inicialmente fizemos uma expedição para a Chapada dos Veaderos, ao norte de Brasília. Depois disso, fomos até Belém pela recém-inaugurada estrada Belém-Brasília. Na época a estrada ainda não estava pavimentada e paramos ao longo do caminho coletando espécies de plantas. Fui acompanhado de dois guias nativos que não falavam nem um pouco de inglês. E foi assim que comecei a aprender meu português. Só que nesse tipo de viagem você aprende um outro tipo de português: basicamente palavrões!
A primeira impressão que tive do país foi de uma grande excitação. Era um momento de grandes expectativas por causa da criação da nova capital e tudo o que ela iria representar para o país. Havia, obviamente, esperançosos e céticos. Mas o país estava vivendo um momento muito interessante e deu para ver o espírito de esperança que a criação de Brasília deu ao país. Estávamos fazendo uso disso ao percorrer ao longo de estradas que estavam sendo abertas para conectar a capital ao resto do país.


FMAComo o senhor compara a Amazônia dos anos 60 com a Amazônia de hoje?
Prance
– O que mais me angustia é o volume de desmatamento e o fato de que grande parte da madeira cortada é consumida de forma não-sustentável. 


Se tivesse havido desmatamento para a realização de projetos sustentáveis, para alimentar pessoas e tudo mais, teria sido diferente. Mas muito do desmatamento tem sido feito sem planejamento. Agora a Amazônia está muito mais aberta, com o aumento do transporte aéreo, das estradas, dos meios de comunicação e tudo mais. Há muito mais oportunidades na região e, por causa desses avanços, há um grande potencial para se melhorar. 


Também me impressiona muito a forma com que o INPA se desenvolveu. Na minha primeira ida à Amazônia, o INPA era uma micro instituição que funcionava em dois prédios mal conservados no centro de Manaus e que não tinha muita voz. Hoje o INPA é uma grande instituição, com um campus de verdade e que tem bastante força e importância. 


FMA – O senhor acha, então, que há mais apoio institucional para questões ambientais?
Prance – Sim, acredito que o Brasil tem dado mais apoio e esse apoio tem crescido ao longo dos anos. O CNPq realmente fez um grande trabalho ao financiar o INPA e permitir que o instituto se desenvolvesse. O Museu Goeldi, em Belém, é outro que me alegra muito ver como se desenvolveu. Hoje eles estão com um novo herbário e um centro botânico e possuem a infra-estrutura necessária para desenvolver pesquisas próprias. Há também muito mais brasileiros treinados com conhecimento e capacidade para desenvolver pesquisas. Isso é um grande avanço. 


FMA – Pelas suas respostas, vê-se que o senhor não está entre os que defendem a preservação total e absoluta da Amazônia. O senhor admite um certo grau de destruição se for por uma “boa causa”, para promover o desenvolvimento? 
Prance – Absolutamente. Quando é por razões de desenvolvimento sustentável e quando o meio ambiente é levado em consideração. Obviamente, uma das formas mais eficazes de preservar a Amazônia é conseguir o equilíbrio exato entre preservação e uso sustentável. Você não pode esperar que um país do tamanho do Brasil deixe a Amazônia intacta, preservada como uma reserva natural. Portanto, é preciso investimentos em pesquisas para se descobrir qual a melhor maneira de explorar a floresta, gerando um rendimento sustentável para o país e, ao mesmo tempo, preservando a enorme biodiversidade e o papel da floresta no clima da região.


FMA – As últimas análises sobre desmatamento no Brasil indicam que ainda que a taxa de desflorestamento tenha sofrido uma redução, o percentual de toda a madeira extraída no país que é originária de florestas nativas tem aumentado progressivamente desde 1986 e hoje representa 56%. Como o senhor vê isso?
Prance Com muita preocupação. Vimos o que aconteceu com as florestas da Indonésia e de outros países que extraíram madeiras demais. Porém, se tem uma coisa que é o forte da Amazônia é madeira. Se a extração for devidamente administrada e as pessoas não se comportarem de forma tão gananciosa, a floresta poderá continuar produzindo madeira natural de forma sustentável. O que me preocupa é que isso não está sendo planejado muito bem no momento. É preciso incentivar o replante em áreas que já foram destruídas, para aliviar a pressão sobre a floresta. No caso de madeira para papel e celulose, acho que algumas das plantações de eucalípto no sul do país são muito boas, pois também aliviam a pressão da Amazônia.


FMAA explicação para esse aumento da taxa de mata nativa destruída é a eliminação, em 1986, de um incentivo fiscal para reflorestamento. 
Prance – Esses subsídios eram muito bons. Obrigar as pessoas a replantar é muito importante. Mas aí, a questão que se precisa perguntar é, “com que espécie de árvore?”. Depende muito do que você planta, pois o reflorestamento pode ajudar o ambiente ou então contribuir para destruí-lo ainda mais. Em muitos lugares, o reflorestamento com espécies não nativas só fez deteriorar o meio ambiente. 


FMAO senhor é otimista em relação ao futuro do planeta?
Prance – Sou razoavelmente otimista. Afinal, quando você pensa que menos do que 20% do total da Amazônia foi destruído, isso significa que ainda resta uma quantidade enorme de floresta. O ritmo de destruição das florestas tropicais de outros países tem sido bem pior do que no Brasil. Portanto, de todas as regiões de floresta tropical, a Amazônia é aquela que me deixa mais otimista. Mas será preciso uma ação rigorosa da parte do governo para que isso continue assim e a floresta seja explorada de forma inteligente.


FMAQue tipo de ação o senhor acha que o governo poderia fazer que não está fazendo?
Prance – Duas coisas. Primeiro, estimular pesquisas sobre o uso sustentável do ecossistema. É preciso pesquisar os métodos: o que se pode plantar, qual o melhor sistema de reflorestamento e de manejamento sustentável de madeira. Em segundo lugar, é preciso investir muito mais nas organizações que estão fazendo o trabalho de conservação no Ibama para que elas tenham condição de realmente fiscalizar as áreas de conservação. Muitas áreas de conservação não possuem nenhum guarda, nada. Simplesmente porque não têm recursos e nem pessoal pra fazer isso. Portanto, é preciso investir nas duas áreas: em como usar os recursos naturais e na conservação das áreas selecionadas como reservas florestais. 


FMA – Na sua opinião, qual a principal ameaça ao futuro do planeta?
Prance – Excesso de população. Isso não é uma crítica ao Brasil, pois as taxas de natalidade no Brasil estão sob controle. Mas de forma geral, o número excessivo de pessoas no mundo significa uma área ainda maior de terra sendo explorada para produzir alimentos e uma produção ainda maior de dióxido de carbono. A outra grande ameaça são as diferentes causas da mudança do clima, como a queima de combustíveis fósseis. Tanto a Convenção do Clima como as medidas para reduzir a emissão de CO2 são extremamente importantes. E digo de forma bastante enfática que uma das maiores tragédias do mundo hoje é o fato dos Estados Unidos não terem ratificado nem Convenção do Clima nem a Convenção da Biodiversidade. Minha críticas são direcionadas bem mais a eles, por ignorarem esses tratados. O Brasil assinou, o Reino Unido assinou e todos nós estamos levando a sério. 


FMA – Ainda que no Brasil a questão do crescimento populacional tenha deixado de ser um problema, o assunto não costuma cair bem e só serve para acirrar a briga entre os países do norte e do sul. Ao menos enquanto um bebê americano continuar causando mais impacto ambiental e produzindo mais lixo do que 120 bebês em Bangladesh. Os países pobres jamais aceitarão o argumento de que precisam reduzir as taxas de natalidade em nome da preservação ambiental.
Prance – É verdade. O excesso de consumo é um grande problema e devemos atuar nos dois campos: reduzindo o consumo dos países ricos e melhorando os padrões de vida dos mais pobres. No momento, o fato de que 20% da população mundial desfruta de 80% do PIB mundial e que 20% mais pobres dispõem de apenas 1,8% da riqueza global total é sinal que há algo errado na nossa sociedade. Acho importantíssimo associar questões de justiça social com meio ambiente. Essas questões caminham de mãos dadas e se a gente não levá-las em consideração, não vamos chegar a lugar nenhum. É perfeitamente correto o que você disse. Um bebê nos Estados Unidos equivale a 120 em Bangladesh. Mas diante disso, a questão do excesso populacional fica ainda mais pertinente. É um fato digno de nota que em países superpovoados ocorrem inúmeros conflitos. O país mais populoso da América Latina é El Salvador, que passou por anos de guerra civil. O país mais populoso da África é Ruanda e veja o que aconteceu lá. O excesso populacional não apenas implica na falta de alimentos para todos, mas também gera conflitos.


FMA – Está surgindo uma nova onda de protestos contra os efeitos da globalização, a destruição ambiental e a pobreza. Tivemos manifestações em Londres, Washington e Seattle, para citar as mais barulhentas. O senhor acredita que essa nova geração será capaz de mudar os rumos do desenvolvimento?
Prance –
Acho que esses ativistas serão muito úteis, mas não serão capazes de mudar o estado das coisas sozinhos. Há um papel para eles, mas precisamos mais ainda de pessoas que atuam de forma mais racional. Muitas coisas não teriam acontecido de forma tão rápida no âmbito do meio ambiente não fosse a ação desses ativistas. Mas, as mudanças virão das pessoas que realmente estão pensando nas soluções para essas questões. Um dos problemas dos ativistas é que nem sempre eles argumentam com dados corretos. Eles criticam engenharia genética com um grau de desinformação absoluto. E isso me preocupa um pouco. Mas por outro lado, eles têm um papel importante. Certamente, não teríamos ido tão longe e tão rápido se não fosse pelos ativistas protestando contra trangênicos e o perdão da dívida dos países mais pobres. 


FMA – Em seus livros e ensaios, o senhor costuma enfatizar a necessidade de um valor espiritual em relação ao meio ambiente. O que o senhor quer dizer com isso?
Prance –
A crise ambiental é complexa demais para ser tratada apenas com argumentos e dados científicos. Cientistas e ecologistas não conseguirão resolvê-la sozinhos. Há uma dimensão moral e ética muito importante nessa questão ambiental e só conseguiremos reverter o estado das coisas com uma mudança de ordem ética e moral. Voltar à questão do excesso de consumo na Europa e nos Estados Unidos, não vejo como fazer para reduzi-lo sem uma forte motivação ética. Precisamos envolver todas as religiões do mundo para produzir uma ética que diga que precisamos agir como os zeladores do ambiente. Na nossa sociedade, o homem age com uma certa arrogância em relação a natureza, se sente dono e não um zelador que está ali para tomar conta, que tem respeito. Sem essa ética, não acredito que teremos força e nem poder para mudar as coisas.


FMA – Nos últimos anos e meses temos visto enormes avanços no campo da engenharia genética: estamos bem próximos de traçar o mapa genético humano, a clonagem já é uma realidade. Como o senhor vê esses avanços?
Prance –
De forma geral, é muito empolgante. O problema é que muitos avanços científicos podem ser usados para o bem ou para o mal. Veja o caso da energia atômica. Pode ser usada para produzir uma energia que não contribui para o efeito estufa e também para fazer uma bomba. Engenharia genética é a mesma coisa. Pode ser usada por um ditador de uma forma horrorosa, mas também permite adicionar vitamina A ao arroz e introduzi-lo na dieta de um país pobre como Bangladesh, onde há uma enorme deficiência da vitamina. Isto é maravilhoso! Muita coisa boa tem sido feita com engenharia genética, particularmente na medicina. Todo mundo que sofre de diabete deve estar muito feliz com o fato de que se pode produzir insulina a partir de organismos geneticamente modificados.
O perigo, porém, é que muito desses avanços são motivados por empresas multinacionais, cujo único objetivo é engordar as contas de seus acionistas. Eles têm pressa em conseguir lucros e não estão necessariamente preocupados com as consequências éticas. O grande abuso dessas novas tecnologias é que não estão sendo usadas para ajudar as causas dos países pobres. O uso é quase que exclusivo dos ricos pois as empresas estão desenvolvendo apenas produtos que possam interessar aos consumidores do mundo desenvolvido. As questões de patenteamento de organismos ou de parte do genoma humano também me preocupam muito. Trata-se de informações públicas que devem estar disponíveis pra todo mundo.


FMA – Dado que as instituições públicas estão investindo cada vez menos em pesquisas e a ciência está cada vez mais “privatizada”, como fazer para impedir esses abusos?
Prance –
Precisamos estabelecer um código de ética e também conseguir mais investimentos em pesquisa científica para entidades sem fins lucrativos, universidades e instituições públicas. O governo precisaria investir mais e reconquistar o espaço que hoje está sendo ocupado por multinacionais.


FMA – No caso específico dos transgênicos, como o senhor, como cientista, vê a questão dos transgênicos?
Prance –
Os transgênicos podem representar uma séria ameaça ao meio ambiente e portanto precisam ser cuidadosamente controlados. Como biólogo, sei muito bem como o pólen viaja de uma planta para a outra, muitas vezes cobrindo distâncias enormes. Uma das questões básicas que é preciso levar em consideração é que uma espécie geneticamente modificada precisa ser plantada em uma área onde não exista nenhuma espécie “aparentadada” por perto, para impedir que haja hibridação. Na Inglaterra, por exemplo, não há nenhuma planta nativa capaz de cruzar naturalmente com o tomate ou o milho e portanto não há nenhum risco real de um tomate ou milho modificado polinizar outra espécie. ?Oil seed rape?, por outro lado, corre o risco de ser cruzado com quatro plantas diferentes e portanto não deve ser cultivado neste país.
Há vários tipos de controles básicos como este que precisam ser observados mas, no momento, as pessoas olham isso sem muita seriedade. O argumento de que você pode isolar uma plantação de transgênicos colocando uma distância de 500 metros entre uma plantação e outra é furado. A biologia básica ensina que isto não funciona e precisamos ter bastante cuidado. Mas, por outro lado, como o potencial é muito grande, devemos sim fazer experiências.


FMA – Ao menos no âmbito da opinião pública, ninguém costuma entrar nesse nível de detalhes. Ou se é a favor ou contra. Mas aqueles que são contra acreditam que uma vez que se libere o cultivo de transgênicos, nada conterá a ganância de multinacionais. 
Prance –
É verdade. Mas aqui temos um bom exemplo da atuação benéfica das ONGs. Por causa dos protestos das ONGs, a Monsanto desistiu da idéia da tecnologia “exterminadora”, capaz de produzir sementes que não germinam, impedindo aos fazendeiros guardar algumas sementes para plantar no ano seguinte.


FMA – O senhor já recebeu muitos prêmios e condecorações na vida. Como se sente ao receber  a mais alta comenda do governo brasileiro?
Prance –
Me sinto muito honrado. Uma Honra num país estrangeiro significa bem mais do que no seu próprio país, porque é um reconhecimento genuíno. Não são muitos os estrangeiros que são reconhecidos fora de seus países. Eu amo o Brasil e com isso me sinto mais parte do país.


SUMMARY


Stewards needed for Planet Earth
Only with a moral and ethical change will we be able to solve the environmental problem


Mariana Barbosa, de Londres


After almost forty years of total devotion to tropical plants, British biologist Sir Ghillean Prance knows what he says when he talks about the Environment. “The environmental problem is too complex to be dealt with only with scientific facts”, said the ex-director of Royal Botanical Gardens, Kew (greater London) which he headed for 11 years until his retirement last August. At 62 years old, Prance is one of the great specialists in the Amazon Flora, having written many books on tropical forests and the environment, like Extinction Is Forever, The Earth Under Threat and Out of the Amazon. Under his directorship, Kew Gardens was turned into a great partner of the Amazon and of INPA (National Institute of Research in the Amazon), financing numerous researches and projects on preservation. He also developed environmental projects in the Northeast of Brazil, promoting, among other things, the use of plants for medical purposes in poor areas. 
Prance was born in Brandeston, England, and his interest for plants started when he was still very young. He used to go out in the fields collecting species, gradually converting his attic into a small museum of natural history. He deepened his scientific knowledge at Oxford, leaving the university in 1965 with a PhD on plants from the Amazon. Thus he started his long and lasting relationship with Brazil. He even lived there a couple of times for yearly periods and now usually goes back at least once a year, bringing together his wife Ana. With so many comings and goings, it is not surprising that one of his two daughters, Raquel, adopted the country and is married to a Brazilian.
In 1976 Prance became a member of Brazilian Academy of Science. He was a teacher and director of the post-graduation program of INPA in the 70s. As a researcher and later vice-director of the Botanical Gardens in New York, he collaborated with the “Flora da Amazônia” project (1974-88). A partnership between INPA, BGNY and Goeldi Museum of Belém, this project resulted in the collection of more than 60 thousand examples of plants, contributing enormously to the knowledge we have today about the forest’s vegetation.
Since his retirement from Kew his life has been anything but quiet. He is now the scientific director of Eden Project, a sort of museum of plants that is being created in England to stimulate discussion and to show to the general public how important plants are in our life. The museum is still being “planted” and one of its great attractions will be a 5-acre Amazon Forest. “I am very enthusiastic about it as it will allow me to review my career and to share my experiences with the public”, he says.
From August, Prance will become visiting professor of the National Tropical Botanical Garden in Hawaii and in the next year he will go to the Pacific Islands to do a fieldwork in ethno botanics. “It will be very interesting to compare it with the native Indians from the Amazon”, he says, with an enthusiasm that may render many young biologist envious.
Prance talked to the London correspondent of Folha do Meio on the 24th of April, at the Brazilian Embassy’s residence in the British capital just before the ceremony of his decoration as a Commander of National Order of Cruzeiro do Sul, the highest order from Brazil. To Ambassador Sérgio Amaral, this was a gesture of acknowledgement to the great work of this botanist, environmentalist and naturalist that had already received, in 1995, the medal of Great Cross of the National Order for Scientific Merit. What follows is a summary of his views:


Support Amazon
– It distresses me to see the amount of deforestation that has taken place since the 60s and that so much has been unsustainable. If it had been for feeding people, it would have been different. But it is also fantastic to see how Inpa and the Goeldi Museum have developed through these years. In the 60s they had no power and no proper building, today they are great and respected institutions. There is more support particularly through CNPq and it has been building up through the years.


preservation and sustainable
 – One of the best ways to preserve the Amazon is to get the right balance between preservation and sustainable use. You could not possibly expect a country the size of Brazil to leave the entire Amazon pristine as a reserve. We need a great deal more research to find out how to get a sustainable income out of the Amazon and at the same time preserve its biodiversity and its function in sustaining climate in the region.


Pressure on the forest
– Wood is the Amazon’s asset. However, for it to keep on producing it, the exploitation has to be sustainable and people should not be so greedy. There must be an incentive for reforestation to aleviate the pressure on the forest and it is a pity that we no longer have the incentives that existed until 1986. But then, we have to consider what species to plant, because depending on the tree, reforestation can cause even more destruction.


intelligent way
– When you consider that less than 20% of the Amazon was destructed so far, it means that there is still a lot of forest left. The pace of destruction of tropical forest in other countries is worst than in Brazil. But we will need a strong action from the government for it to remain like that and for the forest to be used in an intelligent way.


Biodiversity Convention
– Overpopulation is the great threat. This puts pressure on the environment since more land has to be set aside for agriculture and also due to the increase in the emissions os CO2. The other threat is the different causes of climate change. One of the great tragedies today is the fact that the United States have not yet ratified neither the Climate nor the Biodiversity Convention.


Overconsumption
– Overconsumption is a great problem and we should act on both sides: reducing the levels of consumption in the rich world and improving the living conditions of the poor. It is crucial to associate the issues of social of justice with the environment.


moral-ethical dimension
– The environmental crisis is too complex to be dealt only by scientists with scientific facts. There is a moral and ethical dimension to it and only with a new ethics will we be able to change things. I don’t see how can we solve the problem of overconsumption in Europe and the USA without a strong ethical motivation.


Brazil
– The decoration makes me feel very honored. I love Brazil and this makes me feel a bit more part of it.