Saneamento e abastecimento

Belém e Recife Poluição ameaça abastecimento urbano

24 de março de 2004

O avanço da poluição em rios e lagos compromete até o lençól freático, provocando racionamento

 


Depois de Recife, agora é a vez dos 1,6 milhão de habitantes de Belém e de sua Região Metropolitana temerem pelo colapso no abastecimento de água ou, na melhor das hipóteses, pela imposição do racionamento.


É que os dois lagos que abastecem Belém – o Bolonha e o Água Preta – estão em rápido processo de assoreamento, decorrente sobretudo do aumento da poluição. Preocupada com a possibilidade de um encurtamento da vida útil dos dois lagos, a Companhia de Saneamento do Pará – Cosanpa – está sendo obrigada a bombear água do rio Guamá, que banha boa parte de Belém, para ajudar no abastecimento da capital.


Além de altamente poluído, tanto em sua nascente, como no percurso em que é navegável, em virtude do grande número de barcos que despejam óleo, dejetos e detritos, o Guamá está também sendo afetado por agrotóxicos oriundos das atividades agrícolas desenvolvidas ao longo de suas margens.


Conforme o senador Ademir Andrade, do PSB paraense, se nada for feito para salvar os dois lagos, não existirá outra alternativa senão aumentar o bombeamento de água do rio Guamá, apesar de todos os riscos existentes.


Poluição e miséria


Recuperar o Bolonha e o Água Preta fica cada vez mais difícil, pois a poluição que afeta os dois lagos resulta, diretamente, da ação imprevidente dos mais de cem mil moradores que habitam suas cercanias e que vivem como favelados, em situação de miséria. Como não há saneamento básico, os esgotos e as águas pluviais que carregam poluentes despejam diretamente nos dois lagos.


Por ocasião das enchentes, freqüentes em Belém no período das chuvas, a situação torna-se ainda mais dramática: as águas invadem as casas dos favelados e refluem para o lago, carregando toda sorte de imundície.


A miséria potencializa a poluição e ainda causa várias doenças, inclusive infecciosas, aumentando a taxa de mortalidade, sobretudo entre as crianças até um ano de idade.


Projeto paralisado


Desde o início da década de 90 o Governo do Pará tem um projeto de saneamento da área dos dois lagos, que se depara com uma tarefa gigantesca: remanejar cerca de dez mil pessoas que moram nas proximidades dos lagos, na faixa considerada área de risco.


O projeto prevê o reflorestamento e a recomposição da fauna do Bolonha e do Água Preta, praticamente dizimada pela poluição. O Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID – concedeu ao Estado do Pará um financiamento de R$ 14 milhões, incluída a contrapartida do Estado, para a construção de um sistema de esgoto na área, através do Programa de Ação Social de Saneamento – Prosege.


Segundo o senador Ademir Andrade, embora a verba tenha sido integralmente liberada, “a área continua sem esgotamento sanitário e a população acredita que o Governo do Estado literalmente enterrou na lama esses R$ 14 milhões”.


A Comissão das Entidades Comunitárias do Entorno dos Lagos Bolonha e Água Preta, que engloba dez associações de moradores e centros comunitários da região, denuncia que o sistema de esgoto construído pela Companhia de Saneamento do Pará encontra-se totalmente entupido com areia, lixo e lama trazidos pelas enchentes.


Todas as tampas dos poços de visitação e de inspeção desapareceram ou foram destruídas pelo tráfego de automóveis e caminhões. As três estações elevatórias erguidas no local, duas delas praticamente concluídas, estão em estado lastimável. Uma delas corre o risco de ser engolida por um imenso buraco provocado pela erosão, demonstrando ter sido construída em terreno inadequado.


As obras do Prosege, nos bairros da Marambaia e Guanabara, este último um dos mais populosos da área de entorno dos lagos Bolonha e Água Preta, foram embargadas em maio de 1997, às vésperas de serem concluídas, e decorridos três anos, até agora o serviço não foi reiniciado.


Relatórios da Companhia de Saneamento do Pará apontam diversas falhas na execução do projeto, tais como caixas de inspeção mal feitas e entupimentos e obstruções em vários pontos ao longo do sistema, resultantes da utilização de material inadequado.


O Ministério de Orçamento e Gestão ameaçou cancelar o programa e exigir a devolução dos recursos, enquanto a Secretaria do Meio Ambiente do Pará fez várias exigências para a concessão da licença ambiental, inclusive a solução para o problema do lançamento de esgoto in natura nos igarapés Água Cristal e São Joaquim. O Igarapé Cristal é um dos maiores da Bacia do Una, que corresponde a cerca de 40% das áreas alagadas e alagáveis de Belém.


Erros imperdoáveis


Lembra o senador Ademir Andrade que numa cidade como Belém, que possui apenas 6% de esgotamento sanitário; onde a população mais pobre sobrevive em condições degradantes; onde os mananciais de água são tratados como depósitos de lixo, erros como o ocorrido no Prosege são imperdoáveis.


Os equívocos na concepção do projeto e a utilização de material inadequado, além de provocarem atrasos e outros transtornos, estão gerando gastos adicionais de mais de 50% sobre o custo inicial.


Tal como Recife, Belém demonstra que não basta ter água para evitar crises no abastecimento de água da população. O avanço da poluição sobre rios, lagos, açudes e outros reservatórios que destinam seus recursos hídricos ao atendimento dos habitantes das grandes cidades, inclusive através do comprometimento do lençol freático, resulta em um problema de saneamento público, para cuja solução devem ser mobilizados em recursos nem sempre disponíveis pelo poder público.