Agenda 21 Brasileira

MMA debate Agenda 21 com os estados

3 de março de 2004

Sete estados apresentaram 1.262 propostas e o tema Agricultura Sustentável foi o mais discutido


     A Agricultura Sustentável parece ser a grande prioridade do século XXI para os brasileiros. Pelo menos é o que se constata, considerando os resultados parciais dos sete primeiros debates estaduais da Agenda 21 Brasileira, realizados nos meses de setembro e outubro. Entidades e instituições governamentais, civis e do setor produtivo de Alagoas, Sergipe, Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Santa Catarina apresentaram o total de 1.262 propostas referentes aos seis eixos temáticos da agenda nacional, sendo eles: Gestão de Recursos Naturais, Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Redução das Desigualdades Sociais, Infra-estrutura e Integração Regional, e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável. Duzentas e noventa e três propostas (23%) foram endereçadas ao tema Agricultura Sustentável. O tema Gestão de Recursos Naturais ficou em segundo lugar, recebendo 174 propostas (13%), até o momento.

Os debates estaduais da Agenda 21 Brasileira já foram realizados em cerca de um terço da federação. É certo que ainda faltam os estados mais populosos, ricos e complexos, porém é bem possível que a tendência apontada se mantenha e o país venha a ter uma Agenda 21 com conteúdo bastante voltado para as gestões ambiental e rural. Curiosamente o tema Redução das Desigualdades Sociais, que abarca a complexa e dramática situação das questões sociais do país, só obteve a maioria das propostas no Estado do Maranhão (40%).


Após a realização dos debates estaduais, que se estenderão até final de fevereiro, estão programados os encontros regionais, quando as propostas e contribuições recebidas nos estados serão discutidas novamente e pactuadas por região. Só depois desses encontros é que a CPDS-Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21 Nacional, responsável pela elaboração e implementação da agenda, concluirá o documento final, que será lançado oficialmente e entregue à Presidência da República e ao Congresso Nacional, em meados de 2001. 


A partir de seu lançamento, começará a etapa de implementação da agenda, durante a qual o engajamento da sociedade civil organizada e do setor produtivo será fundamental para que os projetos, programas, legislações, instrumentos econômicos, entre outros, sugeridos ao longo do processo de elaboração da agenda, transformem-se em realidade. A agenda deverá ser utilizada como instrumento para o planejamento do país e planos de desenvolvimento, que vier a ter no século XXI. Ela também será uma excelente ferramenta de controle social sobre as políticas públicas privadas.


O objetivo principal da Agenda 21 é a mudança do padrão de desenvolvimento praticado pela humanidade, até o século XX, e que tem sido extremamente predatório tanto em termos sociais como ambientais. Desenvolvimento Sustentável é o nome desse novo conceito de desenvolvimento e a sua implantação no planeta depende de todos os países. Além de ser um compromisso internacional, a Agenda 21 e o Desenvolvimento Sustentável podem redirecionar os rumos da humanidade e garantir a qualidade de vida às gerações futuras.


Brasil quer resgatar os compromissos da RIO’92


O Brasil tem um papel especial na concretização desta “utopia”, pois esta idéia e o compromisso internacional em torno dela foram lançados aqui. Além disso, as propostas que estão sendo apresentadas nos debates estaduais poderão redirecionar o desenvolvimento brasileiro rumo a um futuro socialmente mais justo, ambientalmente mais equilibrado e economicamente mais eficiente, se forem implementadas. ” O Brasil poderá resgatar a Agenda 21 e transformar-se em um excelente laboratório para o Desenvolvimento Sustentável”, afirmou Ignacy Sachs, um dos mentores do Desenvolvimento Sustentável e um dos idealizadores da Eco-92, durante entrevista concedida à Folha do Meio Ambiente, em outubro/99. 







Debates da Agenda 21 no Ceará. Acima: Dagoberto Araújo,
  da Sudene;  Francisco Mavignier França, do Banco do Nordeste;
  Fernando Almeida, do CEBDS e Renato Aragão, superintendente
  de Meio Ambiente do Ceará


As grandes ausências


Infelizmente, nem tudo são rosas. Ao mesmo tempo, observa-se também a ausência de segmentos e setores importantíssimos nos debates – e eles têm sido convidados em todos os estados – que deveriam estar participando das discussões com mais afinco, como é o caso do setor produtivo, ou seja, das entidades patronais e representativas dos trabalhadores. A omissão da mídia e a falta de participação e comprometimento dos donos dos veículos de comunicação e das entidades que os representam, somadas a total ausência dos profissionais de imprensa, publicidade e Marketing e de suas respectivas entidades também têm sido observada. 


A partir da constatação dessas grandes ausências e de que os debates estão acontecendo a contento, conclui-se que este país é realmente surpreendente. Fatos extraordinários acontecem no Brasil sem o apoio da mídia e do setor produtivo. Acredita-se, no entanto, que mais cedo ou mais tarde esses setores se engajarão no processo, devido a força que ele acumulará ao longo dos debates estaduais e dos encontros regionais da Agenda. (VB)














Balanço dos sete debates estaduais
 da Agenda 21 Brasileira


Est.


AL


SE


PI


RN


MA


MT


SC


Totais


nº part.


200


120


150


230


120


270


080


1.170


nº prop.


158


077


061


222


099


220


425


1.262


Tema + debatido


 Gestão de Rec.Naturais – 37


 Gestão de Rec.Naturais – 28 


 Agricultura Sust. – 21


 Gestão de Rec.Naturais – 109


 Red.Des.Sociais – 40 


 Agricultura Sust. – 109 


 Agricultura Sust – 163


 


percentual


24%


37%


34%


49%


40%


50%


38%


 


As propostas mais comuns


Transgênicos – O país deve adotar o princípio de precaução e só liberar a comercialização das sementes e produtos geneticamente modificados, após a comprovação científica de que não fazem mal à saúde humana e ao meio ambiente;


Agrotóxicos – Devem ser substituídos de acordo com o surgimento de novas tecnologias – biotecnologia, adubos orgânicos etc; a fiscalização deve ser rigorosa nas plantações; e agrotóxicos e inseticidas proibidos em outros países não devem entrar no Brasil;


Agricultura familiar – Deve ser estimulada e apoiada por investimentos e políticas de crédito; escolas devem ser implantadas no campo, desde o ensino fundamental; 


Agricultura orgânica – O país deve incentivar este tipo de agricultura, disponibilizando créditos para os agricultores por meio das instituições de fomento públicas e estatais; as universidades e centros de pesquisa devem se dedicar a desenvolver tecnologias para a agricultura orgânica;


Saneamento – Lixo, água e esgoto são uma das maiores preocupações nacionais; é unânime nos debates a reivindicação por esgotamento e aterros sanitários e universalização da distribuição de água; questiona-se também se a privatização dos serviços de água e esgoto vai garantir a universalização do atendimento;


Recursos Hídricos – A necessidade de fortalecer e implementar a Lei das Águas, promulgada há três anos e que cria os comitês de bacia como unidade para resolver os conflitos referentes aos recursos hídricos, é apontada como prioridade para o país; a lei é boa, só falta ser efetivada;


Regularização de loteamentos e invasões – É unânime a preocupação demonstrada em relação a esse problema; áreas de preservação devem ser protegidas de invasões e loteamentos clandestinos, ao mesmo tempo em que deve-se resolver o interesse social das populações de baixa renda por fixar-se em áreas de riscos (encostas, áreas inundadas, etc);


Recuperação de áreas degradadas – Áreas degradadas e matas ciliares devem ser repovoadas com árvores nativas e frutíferas por intermédio de programas e projetos públicos e privados; a reforma agrária deve ocupar essas áreas, evitando depredar áreas virgens;


Política agrícola para o semi-árido – Os estados nordestinos apontam a ausência de uma política agrícola para o semi-árido, ao contrário do que ocorre em outras regiões; no documento básico da agenda solicitam a inclusão do item “No domínio do semi-árido”. (VB)


Temas fora dos debates


Alguns temas continuam fora da Agenda 21 Brasileira, como por exemplo, 


– A reforma do Poder Judiciário


– O papel da mídia na construção da sustentabilidade brasileira


– A política cultural


As entidades e instituições participantes dos debates estão atendo-se ao conteúdo do documento básico da Agenda – Bases para Discussão, que está sendo distribuído nos estados pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente. 


O processo de elaboração da Agenda está aberto e é possível reformular, excluir ou inserir novas estratégias, ações e propostas.


Falta internalizar a Agenda 21 no governo


Silvestre Gorgulho


A grande dúvida que fica no ar, depois de saber os detalhes sobre o processo de elaboração da Agenda 21 do Brasil, é em relação a falta de internalização do tema no governo federal. O Ministério do Meio Ambiente preside a CPDS, comissão responsável pela elaboração e implementação da Agenda, e bem ou mal está fazendo a sua parte. Porém, não se vê nos outros ministérios praticamente nenhuma atitude ou iniciativa que apóiem os debates e discussões em torno do desenvolvimento sustentável. Aliás, há ministérios que promovem programas, obras e projetos bastante questionáveis em termos da sustentabilidade. Hidrovias e certas rodovias, por exemplo, que ameaçam grandes santuários do país, continuam sendo tocadas, sem uma discursão mais profunda em termos ambientais. A agricultura orgânica, os transgênicos e a reforma agrária ambientalmente correta parecem que continuam fora da pauta.


O processo participativo pode ser a saída para a definição das políticas públicas do século XXI, mas os governantes têm de considerá-lo realmente importante. Não adianta fazer reuniões e debates extenuantes e escrever documentos importantes, bem consolidados, publicá-los e colocar na prateleira ou transformá-los em CD-Rom. Se a realidade brasileira fosse transformável por meio de publicações, seminários e workshops, o Brasil já teria resolvido todas as questões sociais, ambientais e econômicas. Por que o processo de construção da Agenda 21 não está tendo apoio da mídia? Por que o governo federal não está anunciando no espaço publicitário oficial os debates da Agenda 21 Brasileira? A sociedade precisa saber que eles estão acontecendo. Soluções podem estar sendo apresentadas nesses debates, que não seriam criadas em gabinetes da Esplanada ou em escritórios de especialistas e acadêmicos. Vale a pena participar mais desse processo de discussões para saber que Brasil queremos para o século XXI.