Biodiversidade

Empresa estrangeira pode ter acesso a recursos genéticos

5 de março de 2004

Presidente regulamenta biodiversidade por Medida Provisória e desagrada ambientalistas

      Empresas estrangeiras poderão coletar amostras de recursos genéticos e ter acesso a informações sobre o conhecimento ou prática associada ao patrimônio genético, por parte de comunidades indígenas, desde que atuem associadas a instituições públicas brasileiras.


A autorização foi dada pelo § 4ª do art. 13 da Medida Provisória nª 2.052, de 29 de junho último, que regulamentou o art. 225 da Constituição que trata da defesa do patrimônio genético nacional.


A regulamentação foi baixada através de Medida Provisória, apesar de tramitarem no Congresso, há anos, quatro projetos tratando da mesma matéria. A decisão desagradou as lideranças ambientalistas, que preferiam que o assunto fosse discutido com a sociedade, no âmbito do Congresso. 


No Executivo, a justificativa para a adoção da Medida Provisória foi a necessidade urgente de regulamentar a matéria, para evitar práticas ilegais como o acordo recentemente firmado entre a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade Amazônica – Bioamazônica – uma organização social vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, e o laboratório multinacional suíço Novartis Pharma AG.


Pelo acordo, a Novartis se comprometia a investir US$ 3 milhões em bioprospecção na Amazônia, o que lhe permitiria amplo acesso à biodiversidade amazônica para o desenvolvimento de pesquisas farmacêuticas, mas a reação das lideranças ambientalistas, especialmente na Câmara dos Deputados, levou o Ministério do Meio Ambiente, que tem assento no Conselho de Administração da Bioamazônica, ao cancelamento do contrato, tornando-o sem efeito.


A regulamentação


De acordo com a MP 2.052, a exploração do patrimônio genético existente no país somente será feita mediante autorização ou permissão da União. Exclui-se da regulamentação os seres humanos, inclusive seus componentes genéticos.


A MP dispõe que, a qualquer tempo, existindo “sólida evidência científica de perigo de dano grave e irreversível à diversidade biológica”, decorrente de coletas de amostras e pesquisas, o governo poderá sustar a atividade.


O § 1ª do art. 8ª diz que o Estado reconhece o direito que as comunidades indígenas e as comunidades locais têm para decidir sobre o uso de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético.


As lideranças indígenas e das comunidades locais podem impedir terceiros não autorizados de utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração, ou ainda divulgar dados e informações relacionados ao seu conhecimento tradicional, e poderão perceber benefícios, remuneração ou royalties pela exploração econômica desse seu conhecimento.


Todavia, “à pessoa de boa fé que, até 30 de junho de 2000, utilizava ou explorava economicamente qualquer conhecimento tradicional no País, será assegurado o direito de continuar a utilização ou exploração, sem ônus…”.


Conselho Interministerial


Segundo a MP, que será regulamentada até 30 de dezembro próximo, o Executivo criará um Conselho Interministerial, vinculado à Casa Civil da Presidência da República, composto de representantes dos órgãos que detêm competência legal sobre as diversas ações relativas à exploração dos recursos genéticos.


Dentre as quinze atribuições desse Conselho, figura a de conceder autorização de acesso a amostra de componente do patrimônio genético existente em condições in situ, ou seja, encontrado na natureza, tanto no território nacional, como na plataforma continental, (a uma distância de 12 milhas da costa) e na zona econômica exclusiva, (a uma distância de até 200 milhas da costa).


Caberá também ao Conselho fiscalizar as atividades de acesso às amostras; conceder autorização de acesso ao conhecimento tradicional dos indígenas associado à biogenética; conceder autorização para remessa de amostra ao exterior; acompanhar e avaliar o acesso à tecnologia e à transferência de tecnologia; credenciar instituição pública nacional de pesquisa a, mediante convênio, autorizar a remessa de amostra ao exterior e a firmar Contrato de Utilização de Patrimônio Genético.


Acesso às amostras


O acesso a componente do patrimônio genético far-se-á mediante a coleta de amostra, “e somente será autorizado a instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins…”. Contudo, a empresa estrangeira também terá esse acesso autorizado, desde que associada a instituição pública nacional, que coordenará as atividades de coleta.


Segundo o § 5ª do art. 13 da MP, “A pesquisa sobre componentes do patrimônio genético deve ser realizada preferencialmente no território nacional”, abrindo caminho, portanto, para que a pesquisa seja realizada também no exterior.


Já a autorização para ingresso em terras indígenas, com o propósito de colher amostras de patrimônio genético e informações sobre conhecimento tradicional, “dependerá de anuência prévia da comunidade indígena envolvida, ouvido o órgão indigenista oficial”.


Porém, “em caso de relevante interesse público”, o ingresso em área indígena para a coleta de amostras dispensará a prévia anuência da comunidade indígena local. 


Caberá ao Conselho de Defesa Nacional conceder a autorização para a coleta de amostras em áreas indispensáveis à segurança nacional.


Já as coleções ex situ de amostras de patrimônio genético, ou seja, aquelas resultantes de pesquisas de laboratório, deverão ser cadastradas junto ao Conselho Interministerial até o dia 30 de junho de 2001. A conservação dessas amostras deve ser realizada preferencialmente no território nacional, o que não exclui a conservação fora do país.


Glossário


A Medida Provisória nª 2.052, de 29 de junho de 2000, que regulamentou a utilização do patrimônio genético nacional, contém vários conceitos, cujo conhecimento é essencial ao entendimento da matéria. Vejamos alguns:




  • Patrimônio genético: informação de origem genética, contida no todo ou em parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, em substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos desses organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in situ, inclusive domesticada, ou mantidos em coleções ex situ, desde que coletados em condições in situ, no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;



  • Conhecimento tradicional associado: informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético;



  • Acesso ao patrimônio genético: obtenção de amostra de componente do patrimônio genético para fins científicos, de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico, bioprospecção ou conservação, visando a sua aplicação industrial ou de outra natureza; 



  • Bioprespecção: atividade exploratória que visa identificar componentes do patrimônio genético e informação sobre o conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial;



  • Autorização de Acesso: instrumento expedido pelo Conselho Interministerial de que trata o art. 11 da MP, que permite, sob condições específicas, o acesso a amostra de componente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado;



  • Termo de Transferência de Material: instrumento de adesão a ser firmado pela instituição destinatária antes da remessa de qualquer amostra de componente do patrimônio genético;



  • Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios: instrumento jurídico multilateral, que qualifica as partes, o objeto e as condições de acesso e remessa de componente do patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, bem como as condições de repartição de benefícios. 


    Acesso a recursos genéticos 


        Segundo a MP, a remessa de qualquer amostra de componente do patrimônio genético para instituição pública ou privada, nacional ou estrangeira, será efetivada a partir de material em condições ex situ, mediante a informação do uso pretendido e a prévia assinatura do Termo de Transferência do Material.

    Além disso, a remessa somente ocorrerá mediante o fornecimento de informação obtida no campo, durante a coleta da amostra, para registro na base de dados criada pela Medida Provisória.


    Será indispensável também o fornecimento de informações sobre o conhecimento tradicional dos indígenas que foi obtido, assim como sobre o acesso à tecnologia e à transferência de tecnologia, quando for o caso.


    Se houver perspectiva de uso comercial de produto ou processo resultante de componente do patrimônio genético, a remessa somente será autorizada após prévia assinatura do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios.


    Acesso à tecnologia


    A MP estabelece que a instituição que receber a amostra de recurso genético facilitará o acesso à tecnologia para a conservação e utilização desse patrimônio à instituição nacional responsável pelo acesso e pela transferência da amostra.


    As empresas que, no processo de garantir o acesso à tecnologia promoverem investimentos, farão jus a incentivos fiscais para a capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária.


    Repartição de benefícios


    A MP estabelece que os benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do patrimônio genético, obtidos por instituição nacional ou estrangeira, “serão repartidos de forma justa e eqüitativa entre a União e as partes contratantes, conforme dispuser o regulamento”.


    As comunidades indígenas e locais farão jus a percentual de benefício decorrente da utilização de informação do conhecimento tradicional associado, obtida nessas comunidades.


    Se a amostra for obtida em terras do Estado, do Município ou de particular, o respectivo proprietário também receberá um percentual do benefício, a ser definido em regulamento.


    Esses benefícios vão desde a divisão de lucros e royalties, ao acesso e transferência de tecnologias, licenciamento, não pagamento de ônus, de produtos e processos e capacitação de recursos humanos.


    Sanções


    A exploração econômica obtida a partir de amostra acessada ilegalmente sujeitará o infrator ao pagamento de indenização correspondente a 20% do faturamento bruto obtido na comercialização do produto ou dos royalties obtidos de terceiros pelo infrator.


    As infrações administrativas serão punidas com advertência, multa, apreensão dos produtos e de componentes do patrimônio genético, suspensão da venda do produto, embargo da atividade, interdição parcial ou total do estabelecimento ou atividade, suspensão e cancelamento de registro, licença ou autorização exigidos, perda de incentivos, intervenção no estabelecimento e proibição de contratar com a Administração Pública, por período de até cinco anos.


    As multas vão de 200 a 100 mil reais, quando se tratar de pessoa física, e de 10 mil a 50 milhões de reais, quando o infrator for pessoa jurídica.








    SUMMARY


    Foreign company can have access to genetic resources


    President regulates biodiversity by sanctioning a Provisional Measure which upsets environmentalists


    Foreign companies will be allowed to collect samples of genetic resources and to have access to information on the knowledge or research associated to genetic patrimony, from indigenous communities, as long as they act together with Brazilian public institutions. The authorization was given by Paragraph 4 of article 13 of Provisional Measure number 2.052, from June 29th, regulating article 225 of the Constitution that deals with the defense of national genetic patrimony.


    The regulation was issued by means of a Provisional Measure, despite the fact that four projects dealing with the same matter have been following the legal channels in the Congress for years. The decision upset environmental leaderships, which hoped that the subject would be discussed with society, within the Congress sphere.


    Within the Executive Government, the justification for the adoption of the Provisional Measure was prescribed by the urgent need to regulate this issue, in order to prevent illegal practices such as the agreement recently made by the Brazilian Association for Sustainable Use of the Amazonian Biodiversity – Bioamazônica – a social organization linked to the Environment Ministry, and a multinational Swiss laboratory, Novartis Pharma AG.


    By this agreement, Novartis made the commitment to invest to US$ 3 million in bio-prospecting in the Amazon, which would allow wide access to the Amazonian biodiversity for the development of pharmaceutical research, but the reaction by environmental leaderships, especially in the House of Representatives, forced the Environment Ministry, which has a seat in the Bioamazônica Management Board, to the cancel the contract, making it void.


    The regulation 


    In accordance with MP 2.052, the exploitation of the existing genetic patrimony in the Country will only be made by means of authorization or permission by the Central Government. Not enclosed in the regulation are human beings and their genetic components.


    The MP orders that, at any time, having the existence of ” solid scientific evidence of danger of serious and irreversible damage to biological diversity “, as a result of samples collection and research, the government will be able to stop the activity.