Biodiversidade

Governo desconhece contrato da Glaxo que prevê pesquisa sobre biodiversidade

4 de março de 2004

Empresa brasileira receberá 3% do total das vendas mundiais sobre os produtos descobertos e patenteados como medicamentos

      Contratos com laboratórios estrangeiros, que permitem coleta e pesquisa da biodiversidade brasileira, estão sendo feitos à revelia do governo federal, responsável por cuidar do patrimônio genético do país. O desconhecimento dos acordos assinados entre a Bioamazônia e a suíça Novartis Pharma e da Extracta Moléculas Naturais Ltda com o laboratório Glaxo Wellcome foi admitido pelos representantes dos ministérios do Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia durante duas audiências públicas na Comissão da Amazônia da Câmara dos Deputados. 

A exploração da rica biodiversidade brasileira enfrenta graves problemas: a falta de investimento em ciência e tecnologia e principalmente a inexistência de uma lei de acesso aos recursos genéticos. Nessa situação, enfrenta ainda a cobiça dos laboratórios multinacionais dispostos a investir recursos em pesquisas e, claro, direitos exclusivos sobre o uso dos produtos descobertos e das patentes. 

O contrato com a Glaxo é anterior ao da Bioamazônia – foi assinado em julho de 1999 – que provocou polêmica na Câmara dos Deputados e está suspenso por determinação do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. O acordo com o laboratório prevê coleta e pesquisa de 30 mil amostras de plantas por um período de três anos. O objetivo é pesquisar substâncias naturais da Floresta Amazônica, Pantanal, Caatinga e Mata Atlântica, que possam ser transformadas em medicamentos. 

Durante audiência pública, ocorrida em 22 de agosto, Lídio Coradin, da Secretaria de Biodiversidades e Florestas do ministério afirmou que o contrato da Glaxo não foi encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente. "A Extracta encaminhou diretamente ao Ibama uma solicitação de autorização para a coleta de material em campo", observou. Procurado por representantes do Museu Goeldi do Pará, há nove meses, para discutir a parceria com a Extracta, o secretário de Coordenação das Unidades de Pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, João Evangelista Steiner, sugeriu aos seus interlocutores que suspendessem esse tipo de convênio ou contrato.

A falta de legislação foi o argumento usado por Steiner: "Disse que nós não estamos preparados para avançar nesse tipo de convênio. Orientei ainda a aguardar que o Congresso aprove a lei do acesso aos recursos genéticos". Na época da consulta, o contrato entre a Extracta e a Glaxo já tinha sido assinado. "Estamos diante de um fato tão grave quanto o da Bioamazônia, porque independente de termos ou não legislação, o poder público tem de autorizar, regulamentar e fiscalizar o uso da biodiversidade", afirmou a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), autora do requerimento para a audiência pública.

O presidente da Extracta, Antônio Paes de Carvalho, que também participou da audiência pública, disse que os contratos da empresa não dependem de autorização do Ministério da Ciência e Tecnologia, como a Bioamazônia, que é ligada ao governo. "O acordo não prevê exportação de material", acrescentou. Ele se surpreendeu com a disposição da Glaxo de divulgar as regras do acordo. "Contrato entre empresas privadas, em geral, não é de domínio público", ressaltou o representante da Extracta. "Mas o contrato envolve algo que é de domínio público: nossa biodiversidade. Então, não podemos tratá-lo como exclusivamente privado", devolveu Grazziotin.

Após formar um banco de aproximadamente 30 mil amostras da biodiversidade, pesquisadores vão testar oito substâncias de interesse da multinacional que possam ser transformados em medicamentos, durante um período de três anos. O laboratório está investindo US$ 3,2 bilhões no projeto. A Extracta será a detentora das patentes da molécula, informou o diretor-médico da Glaxo, Paulo Candia Braga. No contrato da Bioamazônia, esse direito seria da suíça Novartis.

Outra diferença entre os dois projetos é a porcentagem para as empresas brasileiras: 3% sobre o total das vendas mundiais do produto na caso do Glaxo, enquanto o da Bioamazônia era de 1%. Segundo Candia Braga, esse porcentual corresponde ao padrão internacional de remuneração para este tipo de contrato. Embora os compostos biológicos sejam catalogados e patenteados pela Extracta, o uso das substâncias será exclusivo do Laboratório Glaxo, reclama a deputada Vanessa Grazziotin. 

O projeto conta com a participação de pesquisadores das universidades Federal do Rio de Janeiro e do Pará. São 27 cientistas trabalhando no contrato e 73 pesquisadores nas universidades. Para a parlamentar, isso mostra a utilização de recursos públicos. O temor das autoridades brasileiras é que o Brasil receba valores insignificantes de sua rica biodiversidade e que seus pesquisadores e comunidades sejam alijados do processo de exploração dos recursos naturais.