Nova Lei de Biossegurança

Biossegurança: batalha final no Senado

4 de março de 2004

Todos ganharam e todos perderam na aprovação pela Câmara da nova lei de biossegurança

 








Mostrando estar afinado com a ministra Marina Silva, o presidente Lula ensaiou uns acordes para comemorar a aprovação, na Câmara, da Lei de Biossegurança, durante o lançamento do Programa Nacional de Florestas. Ao defender o uso das riquezas naturais de forma sustentável, o presidente afirmou: ?A natureza não deve ser encarada como um museu de relíquias intocáveis. Mas, definitivamente, ela não pode mais ser atropelada por processos econômicos baseados na espoliação humana e ambiental?.

O parecer do primeiro relator, deputado Aldo Rebelo (PcdoB-SP) foi alterado pelo segundo relator, deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) para atender às pressões de última hora, sobretudo da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O próprio Aldo Rebelo, já na condição de ministro de Articulação Política – daí ter sido substituído como relator – participou da fase final das negociações, juntamente com o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues e o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP).


Perdas e ganhos
A solução salomônica, engendrada pelo presidente da Câmara, não teve vez no âmbito da Comissão Especial que examinava o projeto. A solução foi desistir dessa instância de apreciação, de pouco mais de 40 deputados, e mandar o projeto diretamente para o plenário de 513 parlamentares.


A ministra Marina, com o apoio do PV e demais lideranças ambientalistas, brigou até o fim para dar mais poderes ao Ibama. Conseguiu. O novo texto dá à agência ambiental federal poderes para questionar junto ao Conselho Nacional de Biossegurança, pareceres da CTNBio na comercialização de transgênicos.


Ou seja: o Ibama poderá requerer o Relatório de Impacto Ambiental quando considerar que o plantio para comercialização prejudica o meio ambiente.


Pelo parecer do deputado Aldo Rebelo, a atribuição de aprovar projetos de pesquisa envolvendo OGMs, inclusive para fins de comercialização, seria exclusiva da CTNBio.


Contrapartida
Os ruralistas brigaram até o fim para rejeitar esse dispositivo, e só se acalmaram quando receberam a contrapartida: o projeto aprovado amplia em um ano – até a safra 2004-2005 – a autorização para o plantio e comercialização de soja transgênica. Os cientistas também ganharam. O projeto preservou a autonomia da CTNBio quanto aos pareceres para a pesquisa e o plantio com fins de estudos de sementes geneticamente modificadas. Mas tiveram de aceitar a contrapartida: no caso de pareceres conflitantes entre o Ibama e a CTNBio, caberá ao Conselho Nacional de Biossegurança decidir sobre o conflito.


Como o conselho será constituído por 15 ministros, haverá um amplo espaço de negociação. Os cientistas reclamaram que, neste caso, haverá uma decisão política, envolvendo matéria essencialmente técnica e científica.


O ministro da Agricultura e a bancada ruralista ainda tentaram estabelecer um prazo máximo de 120 dias para o Ibama manifestar-se sobre uma eventual concessão de licença ambiental, no caso de conflito com a CTNBio, mas Marina Silva argumentou que esse prazo poderia ser discutido no decorrer da regulamentação da lei.


A batalha no Senado
Vencidas muito mais pelo cansaço de 14 horas ininterruptas de negociações, as partes concordaram com as perdas e ganhos. Agora estarão a postos no Senado, na segunda quinzena deste mês.


Religião X Ciência


A bancada evangélica, constituída de mais de 60 parlamentares, impôs seu peso específico e seu compromisso de apoio à base parlamentar do governo. Com a ajuda de esparsas lideranças católicas, conseguiu introduzir no projeto, já nas discussões em plenário, emenda proibindo várias ações ligadas às atividades genéticas.


A emenda incluída no texto do projeto veda, além de outras ações como omissão de notificação de acidentes e intervenção in vivo em material genético de animais, a clonagem humana para fins reprodutivos, a produção de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível e a intervenção em material genético in vivo.


Neste último caso, se a intervenção for previamente aprovada pelos órgãos competentes, haverá exceção para procedimentos com fins de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças ou clonagem terapêutica com células pluripotentes. São as chamadas células-tronco.







Os 4 princípios de uma política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico


O parecer do deputado Aldo Rebelo (PCdoB – SP) sobre o projeto de lei da biossegurança, considerado por gregos e troianos como um estudo aprofundado sobre a matéria, defende quatro princípios de uma política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico:


1 – Absoluta prioridade à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico nacionais.
Trata-se de capacitar o Brasil a competir com as demais nações no campo da biotecnologia e da engenharia genética. Diz o relator: “A Ciência é uma conquista da humanidade. As dúvidas geradas pelo seu avanço devem ser tratadas à luz da razão?.


2 – O cuidado com a saúde pública.
“Este aspecto deve ser obrigatoriamente priorizado na formulação das políticas e da legislação para o setor.”


3 – A defesa e proteção do meio ambiente.
Ao mencionar que o Brasil tem uma rica biodiversidade, o relator defende “uma atitude absolutamente responsável, comprometida com a preservação dos nossos recursos naturais e com a necessidade de políticas públicas capazes de dar sustentabilidade ao processo de desenvolvimento.”


4 – A defesa da soberania nacional e da soberania alimentar do Brasil.
Aldo Rebelo considera fundamental que o Brasil detenha, soberanamente, os conhecimentos indispensáveis ao seu desenvolvimento nos campos da biotecnologia e da produção alimentar.
Segundo ele, “seria um crime de lesa-pátria aceitarmos passivamente sermos deixados para trás nessa área de ponta do conhecimento humano.”


Os pontos principais do projeto de biossegurança aprovado
pela Câmara dos Deputados


ÓRGÃOS, FUNDO E TRIBUTO


1. Cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS -, vinculado à Presidência da República, com o objetivo de formular e implementar a Política Nacional de Biossegurança – PNB. Ele será composto por 15 ministros – Casa Civil, que será seu presidente; Comunicação e Gestão Estratégica; Ciência e Tecnologia; Desenvolvimento Agrário; Agricultura; Justiça; Saúde; Desenvolvimento Social; Meio Ambiente; Relações Exteriores; Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Aqüicultura e Pesca. Dentre suas competências, autorizará, em última instância, as atividades que envolvam o uso comercial dos OGMs e seus derivados.


2. Estabelece a obrigação de toda instituição que utilizar-se de técnicas e métodos de engenharia genética ou OGM criar uma Comissão Interna de Biossegurança – CIBio, com a finalidade de manter informados os trabalhadores e demais membros da coletividade sobre todas as questões relacionadas com a saúde e a segurança; estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade; manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento envolvendo OGM e seus derivados; e investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionadas a esses organismos.


3. O projeto aprovado institui o Fundo de Incentivo ao Desenvolvimento da Biossegurança e da Biotecnologia para Agricultores Familiares – FIDBio – para prover as instituições públicas de recursos para projetos de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia e engenharia genética. Os projetos poderão ser de novos cultivares, de produtos e issumos, de produtos componentes da cesta básica ou de estudos dos efeitos dos OGM sobre o meio am-biente e a saúde humana e animal.


4. Para suprir de recursos o FIDBio, o projeto instituiu a contribuição de intervenção no domínio econômico sobre comercialização e importação de sementes geneticamente modificadas – Cide-OGM. Ela terá alíquota de 1,5% e incidirá sobre as operações de importação e comercialização desses produtos. De acordo com o texto, a arrecadação será destinada ao fundo.


5. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio – será composta de 27 membros, todos com titulação de doutor, designados pelo ministro de Ciência e Tecnologia. Dos 27, doze deverão ser especialistas de notório saber científico em áreas de conhecimento sobre os setores animal, vegetal, ambiental e de saúde humana. Os demais serão representantes de ministérios afins e de outras áreas cuja indicação também será dos ministros do setor.


6. No âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, o projeto cria o Sistema de Informações de Biossegurança – SIB -, destinado à gestão das informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus derivados.


CTNBio
A CTNBio continua com a maioria das atribuições atuais, como as relativas ao estabelecimento de normas, análise de risco, acompanhamento, emissão de certificados de qualidade em biossegurança – CQB – para o desenvolvimento de atividades em laboratório nessa área, definição do nível de biossegurança e classificação dos organismos geneticamente modificados. Também caberá à comissão emitir parecer técnico prévio conclusivo sobre a biossegurança desses organismos e seus derivados nas atividades de pesquisa.


ROTULAGEM
Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos.


SOJA TRANSGÊNICA
O projeto aprovado prorroga por um ano a Lei 10.814, de 2003, que liberou o plantio e a comercialização da safra de soja transgênica de 2004. Dessa forma, a safra de 2005 também está autorizada e seguirá as mesmas regras da safra deste ano.


PRAZO DE ADAPTAÇÃO
As instituições que já tiverem desenvolvendo atividades reguladas pela futura lei na data de sua publicação terão 120 dias, contados da publicação do decreto de regulamentação, para se adequarem às disposições.


PENALIDADES
As infrações ao disposto na futura lei de biossegurança serão penalizadas com advertência, apreensão dos OGM, suspensão de licença ou registro, dentre outras medidas.
Ao mesmo tempo, poderá ser aplicada multa que variará de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão, proporcionalmente à gravidade da infração. Os recursos arrecadados com essas multas serão remetidos aos órgãos e entidades de registro e fiscalização vinculados aos Ministérios de Meio Ambiente, Saúde, Agricultura, Pecuária e Abastecimento e à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca.


De acordo com o texto, diversas ações constituirão crime, como a manipulação genética de células germinais humanas e embriões humanos; a intervenção em material genético humano in vivo, exceto em casos aprovados pelos órgãos competentes; a liberação ao meio ambiente de OGM em desacordo com as normas, clonagem humana e outras.


As penas serão de detenção e reclusão variando segundo a gravidade da situação e das conseqüências.