Brasil - Uruguai

O meio ambiente na fronteira: convivência pacífica e legislações diferentes

5 de março de 2004

A fronteira já vive na sua integração cotidiana, um Mercosul de fato e de direito


     Situada a 500 quilômetros de Porto Alegre, a fronteira Livramento (Brasil) e Rivera (Uruguai) sempre chama a atenção dos turistas que lá chegam pela primeira vez por uma peculiaridade: a linha divisória que demarca a divisa entre os dois países é imaginária. Apenas marcos de concreto ao longo da fronteira dão alguma idéia de que ali existem duas cidades e principalmente dois países. Nenhum rio as divide, nenhuma ponte. Não há guardas de fronteira, apenas ruas transitáveis, apenas campos com cercas de arame. As culturas e o idioma se confundem ao ponto de já existir um outro idioma: o “portunhol”, uma mistura de português com espanhol, criando novas palavras que só aqui são ditas e ouvidas. Na prática, as duas cidades vivem há muitos anos, o Mercosul, na sua integração cotidiana. Até na natureza há exemplos de integração: apicultores do distrito de Itaquatiá, no interior do município situado muito próximo da linha divisória costumam ver suas abelhas cruzar a fronteira para retirar o nectar das acácias do lado uruguaio e depois voltam ao seu lugar de origem. 


No entanto aquilo que virou uso e costume de dois povos, ainda não foi alcançado pelas leis de cada país e não é diferente na questão ambiental. Se do lado brasileiro começa a crescer uma consciência mais ambientalista e as próprias escolas da rede estadual e municipal incluem em suas práticas escolares uma convivência maior com as idéias ecológicas como ficou demonstrado nas comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente, do lado uruguaio não se nota uma maior preocupação nessa área.


É o que admite o encarregado regional de Ordenamiento Territorial e Meio Ambiente de Rivera Gerardo Amarilla de Nicola, advogado e ambientalista. Segundo ele, há necessidade de uma educação geral abrangendo toda a população e não apenas a comunidade escolar, através de programas de divulgação. Ele cita as leis recentes criadas no Uruguai, que embora em pequena quantidade, ganham em qualidade por serem bastante abrangentes, afirma. Em l990, a lei l6.ll2 criou o Ministério de Habitação, Ordenamento Territorial e Meio Ambiente. Em l996 foi aprovada a lei l6.466 sobre Impacto Ambiental. É a que requer estudos de impacto ambiental em qualquer obra que possa estar sob suspeição de atingir o meio ambiente de alguma forma. Em l996, por ocasião da reforma da constituição, foi incluída uma cláusula no capítulo de Direitos, Deveres e Garantias que trata a Defesa do Meio Ambiente, como de interesse geral. “Ou seja, qualquer cidadão uruguaio pode requerer mérito ao artigo do código num processo sobre interesses difusos. Pode ir aos tribunais, solicitar ação de amparo. Qualquer cidadão diante de ameaça a sua integridade física ou de outros pode entrar com uma ação que é rápida e eficaz, com solução em três dias” diz Gerardo Amarilla. Já a questão dos resíduos perigosos é uma lei recente. O advogado que está concluindo tese de mestrado em Direito Ambiental iniciada na Universidade de Andaluzia, na Espanha, considera que o Uruguai tem instrumentos suficientes para a defesa do Meio Ambiente, com as leis que foram criadas nos últimos anos. “Somos um país pequeno, sem grandes problemas ambientais por isso mesmo acredito que falta um pouco de consciência ecológica, num sentido mais amplo”. Para ele os municípios uruguaios estão carentes de uma legislação mais uniforme nas questões que digam respeito ao meio ambiente, é um estudo que pretende incluir em sua tese. Ele acredita principalmente na educação ambiental como um todo, não apenas curricular, e diz: “não adianta ensinar na escola a uma criança, por exemplo, que não se deve jogar lixo em qualquer lugar, se em sua casa os pais não fazem o mesmo”. Amarilla de Nicola reconhece que no Uruguai existem muitos espaços urbanos degradados e outros es-paços verdes abandonados que precisam ser resgatados. Um problema mais próximo a fronteira e que ainda deverá ser objeto de estudos e análises é a produção florestal intensiva que existe numa grande área entre Rivera e o município de Tacuarembó, no Uruguai. 


Já no lado brasileiro da fronteira


A proximidade entre as duas cidades fronteiriças se não traz maiores problemas em outras áreas, na questão do meio ambiente é que surgem algumas questões a serem consideradas. É o caso da escolha de um novo local para o aterro sanitário da cidade, o chamado lixão, que não pode ficar muito próximo da vizinha cidade uruguaia. É também o caso dos 40 frascos de fungicida Escore 250, altamente tóxicos, encontrados dentro da área de Preservação Ambiental do Rio Ibirapuitã, na RS-292. Esta ocorrência foi registrada há dois anos atrás pelo ambientalista e professor José Luis Rodrigues Sampaio, diretor da Fundação Rio Ibirapuitã. Os frascos de fungicida estavam vazios mas ainda sujos do produto que é de procedência uruguaia. O ambientalista estranhou o fato de ter encontrado esses recipientes jogados numa área onde não há qualquer lavoura. Segundo Sampaio o produto encontrado é altamente tóxico e pode ser comprado facilmente em qualquer loja especializada do lado uruguaio, talvez até a preços mais baratos que os praticados no lado brasileiro. Por isso ele vê a necessidade urgente de uma maior fiscalização sobre a comercialização de agrotóxicos na região da fronteira.


Quando à localização nova do lixão da cidade, a promotora de Justiça Rosi Barreto Tondo afirma que “o lixo perto ninguém quer e muito longe não pode ser, pelo difícil acesso. Houve até quem sugerisse a formação de uma cooperativa entre os municípios mais próximos, para tratamento e seleção do lixo, pois trata-se de um caso de utilidade pública”. Outra questão que os ambientalistas da fronteira defendem é uma maior atenção por parte do poder público e uma conscientização geral sobre a importância da criação da Área de Preservação Ambiental do Ibirapuitã, num total de 3l8 mil hectares, compreendendo os municípios de Livramento, Rosário do Sul, Quaraí e Alegrete. “A área foi criada há oito anos, mas até agora pouca coisa tem sido feita. Está relegada ao descaso” afirma o diretor da Fundação Rio Ibirapuitã. Nessa fundação, especialmente o ambientalista Ari Quadros, tem desenvolvido um trabalho muito consistente de divulgação e educação, através de palestras e seminários.








SUMMARY


The environment in the border:
pacific companionship and different legislations


The border already experiences in its daily integration, a true and real Mercosul


Situated at 500 kilometers from Porto Alegre, the border cities of Livramento (Brazil) and Rivera (Uruguay), have always captured the attention of tourists who arrive here for the first time, for their peculiarity: the dividing landmark which separates the two countries is definitely an imaginary line. Only the landmarks of concrete along the border somewhat hint the existence of two cities and mainly two countries. There is neither a river nor a bridge dividing them. There is no border police, only passable streets, only fields with subtle wired fences. The cultures and languages mingle to the extreme of having already created another widely spoken language in both cities: ” Portunhol “, a mixture of Portuguese with Spanish, creating new words that are only said and heard there. In practice the two cities have lived for many years, the Mercosul, in their daily integration. Even in nature we can find integration examples: beekeepers of the district of Itaquatiá, in the country side municipality of the city, very close to the border, tend to see their bees cross over to Uruguay to remove nectar of acacias and later return to their place of origin.