Celso Schenkel: biodiversidade é patrimônio ambiental

3 de março de 2004

Unesco pretende fazer monitoramento anual não só para indicar perdas, mas também para registrar ganhos ambientais







Celso Schenkel: a sociedade precisa
 entender que a biodiversidade deve
 ser tratada como insumo que pode
 gerar renda e qualidade de vida


Para falar sobre o estudo da Unesco, que mostra a ocupação do Cerrado no Distrito Federal de 1954 a 1998, ninguém melhor do que Celso Salatino Schenkel, que desde fevereiro de 1994 é o coordenador de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Unesco no Brasil. Aos 43 anos e com larga experiência no setor, Schenkel é engenheiro florestal, formado pela UnB e, em 1980, iniciou sua carreira profissional na Amazônia como responsável técnico de empresa privada, atuando na área de silvicultura e explotação de madeiras tropicais. Depois de uma passagem pela extinta Superintendência da Borracha, integrou o GT3 do Programa Nossa Natureza, participou da concepção do novo modelo institucional para o setor ambiental brasileiro em 1988, que resultou na criação do IBAMA, onde ocupou a Diretoria de Ecossistemas e foi presidente-substituto.


Folha do MeioQual o próximo passo, ou seja, que destino a Unesco dará a esse estudo?


Celso Schenkel – O estudo está disponível para a sociedade em geral, em livro e no site www.unesco.org.br poderão ser encontradas as imagens e os mapas. Todas as bases de dados geradas poderão ser utilizadas por instituições governamentais, não-governamentais e acadêmicas.


Nosso objetivo é divulgar cada vez mais o conhecimento científico capaz de responder problemas reais que afetam o cotidiano de todos nós, com resultados que sejam compreendidos pelo grande público. Esta é uma das funções principais de uma Reserva de Biosfera – difusão e divulgação da informação, ao lado da pesquisa, da educação ambiental, do monitoramento e da promoção do desenvolvimento sustentável. A partir desta primeira fase de diagnóstico, avaliação e de proposições de caráter geral, como a restauração dos principais corredores entre as áreas do núcleo da reserva, pretendemos aprofundar o conhecimento em áreas consideradas sensíveis, sejam elas de conservação, urbanas ou de uso agrícola. O objetivo é de contribuir para a resolução de conflitos entre as necessidades da população e a saúde do ambiente.


O Comite Internacional do MaB tem conhecimento do estudo desde seu início, pois a Reserva da Biosfera do Cerrado no DF foi escolhida como piloto para desenvolver uma metodologia capaz de monitorar reservas de biosfera periurbanas. Em novembro passado apresentei o trabalho para o Grupo de Estudos Urbanos do MaB, em Paris, e é muito provável que seja preparada uma versão em inglês para ser distribuída a todas as 396 reservas de biosfera em 85 países.


FMAA flora e a fauna do Cerrado têm salvação?


Celso – Mesmo com a artificialização da paisagem e a diminuição do espaço vital para as espécies da fauna e da flora, o ecossistema do Cerrado ainda guarda um potencial genético admirável. A capacidade de recuperação que o ambiente apresenta em resposta a tensores das mais variadas origens tem surpreendido, agradavelmente, aos cientistas. Por outro lado, há impactos irremediáveis e algumas espécies acabam tendo suas populações comprometidas a ponto de serem consideradas extintas.


Vários são os projetos de recuperação de espécies ameaçadas, mais da fauna, é verdade, mas também de espécies vegetais. É muito difícil tratar isoladamente a questão. Ao recuperarmos espécies da fauna precisamos de locais apropriados para que essas populações habitem. Isto pressupõe a existência de áreas protegidas que tenham ainda preservadas as condições mínimas necessárias àquela determinada espécie: abrigo, alimento e condições para reprodução. Neste processo é essencial a conexão entre áreas protegidas como fator indispensável para a ocorrência das trocas genéticas. 


FMAEstá provado que a diversidade do Cerrado corre perigo. O que o sr. aconselharia os governos estaduais, federal e prefeituras diante desse quadro?


Celso – Recentemente, o bioma Cerrado foi reconhecido como um ” HOT SPOT” para a conservação da biodiversidade mundial, o que significa um alerta muito sério. O Cerrado ainda é fracamente representado no Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O desejável é que se chegue a um percentual de 10%, mas ainda estamos longe disso.


É fundamental que a conservação da diversidade biológica do Cerrado seja tratada sob a perspectiva do planejamento bio-regional e que corredores ecológicos de grande escala, intermunicipais e interestaduais,- sejam estabelecidos.


A sociedade precisa entender que a biodiversidade deve ser tratada como patrimônio ambiental. Quem se arrisca a perder ativos ambientais na quantidade e qualidade dos que dispomos no Brasil está abrindo mão de insumos para o desenvolvimento, está perdendo bens inestimáveis capazes de gerar trabalho, renda e melhor qualidade de vida.


FMASe em 44 anos foram destruídos quase 60% da cobertura vegetal do DF, em mais quanto tempo a vida estará comprometida na região se todo mundo cruzar os braços? 


Celso – O estudo não trabalha com cenários prospectivos apesar de haver metodologias capazes de projetar situações futuras. Se os números assustam numa primeira leitura, vemos que algumas das tendências mostradas no trabalho podem ser revertidas, buscando uma situação de equilíbrio nas regiões mais antropizadas. Por exemplo: a área agrícola tem muito pouco espaço disponível para crescer, ou teria que avançar sobre terras impróprias para a atividade. Algumas terras foram utilizadas além de sua capacidade de suporte, comprometendo a produção e a produtividade, sendo portanto áreas indicadas para a recuperação ambiental.


Já estamos trabalhando uma imagem do ano 2000 e, daqui em diante, pretendemos fazer o monitoramento anual, talvez não somente da vegetação que foi escolhida por se tratar de um indicador ambiental importante.


Esperamos poder monitorar, a partir de 2001, a recuperação de alguns corredores prioritários e não somente indicar perdas, mas ganhos ambientais significativos. Até agosto soltaremos novo estudo.


Mais informações: (61) 321-3225


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