Convenção do Clima

Saiba porque fracassou a Reunião do Clima

3 de março de 2004

Não houve acordo: os Estados Unidos se negam a reduzir efeito estufa


   Fracassou a Sexta Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP-6) que reuniu em Haia, na Holanda, de 17 a 24 de novembro último, representantes de 185 países, inclusive o Brasil, com o objetivo de obter dos países industrializados a ratificação do Protocolo de Kyoto, (ver Box) que obriga os países industrializados a reduzirem, até 2012, suas emissões de gás carbônico (CO2) e outros gases em 5,2% sobre os níveis de 1990.

Os Estados Unidos, que até 1998 já haviam aumentado em 11% suas emissões de gás carbônico, em relação aos limites apurados em 1990, impuseram uma condição para firmarem o Protocolo de Kyoto: querem que o gás carbônico absorvido por suas florestas, no processo de fotossíntese, e armazenado em forma de madeira e raízes, seja abatido da quantidade de gás carbônico que serão obrigados a reduzir, proveniente da queima de combustíveis sólidos, como petróleo, carvão, gasolina, óleo diesel etc. Os próprios americanos calculam que suas florestas absorvem cerca de 300 milhões de toneladas de CO2 por ano, no processo conhecido como sumidouro (ver Box).


Os europeus, que já não possuem grandes florestas, rejeitaram essa condição, que foi apresentada pelo chefe da delegação americana, Frank Loy. Quando defendia a proposta, Loy foi atingido em cheio no rosto por uma torta cremosa de chocolate, lançada do auditório por uma militante ambientalista. Enquanto limpava o rosto, o americano dizia que preferia torta de abóbora.


A proposta dos Estados Unidos foi rechaçada pela Ministra do Meio Ambiente da França e chefe da delegação européia, Dominique Voynet, para quem os Estados Unidos e os outros membros do Grupo Umbrella desejam apenas cumprir a meta estabelecida no Protocolo de Kyoto, sem reduzir os gases-estufa na fonte: os canos de escapamento de seus milhões de automóveis e as chaminés de suas milhares de fábricas.


Ao mesmo tempo, livrariam-se dos elevados gastos de adequação de sua indústria à redução das emissões de poluentes. Para atingir as metas de Kyoto, os Estados Unidos teriam de investir, na modernização industrial e na substituição de uma indústria poluidora por uma indústria limpa, algo como US$ 100 bilhões por ano, considerando um crescimento econômico anual da ordem de 4%. 


Os países industrializados têm alegado que tal esforço desviaria investimentos antes destinados ao setor produtivo, reduziria significativamente o crescimento econômico, aumentaria o desemprego e a inflação e desestabilizaria as economias.


Sem acordo


As reuniões se prolongaram pelas madrugadas, mas as posições permaneceram irreconciliáveis. O argumento de que os países possuidores de grandes florestas, como os Estados Unidos e o Canadá, que aparecem entre os principais poluidores, poderiam ser altamente beneficiados, ajudou a criar o impasse.


A centralização da discussão em torno da tese do sumidouro, impediu que prosseguissem as negociações relativas à implantação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) (ver Box), de interesse direto do Brasil, em virtude das possibilidades de aumento do fluxo de investimentos externos em projetos de desenvolvimento sustentado na Amazônia.


Como não houve acordo, os participantes da reunião deixaram a capital da Holanda frustrados, mas assim mesmo combinaram que uma nova reunião será realizada em maio do próximo ano, em Bonn, na Alemanha, numa nova tentativa de entendimento. Será a COP-7.


O que é Protocolo de Kyoto


O Protocolo de Kyoto foi aprovado em 1997, numa reunião realizada naquela cidade do Japão, e estabelece condições para implementação da Convenção de Mudança Climática das Nações Unidas, aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992. O Protocolo funciona como uma espécie de adendo à Convenção do Clima.


Para que o Protocolo de Kyoto possa tornar-se obrigatório, terá de ser ratificado – ou seja, aprovado pelo Parlamento – dos países que respondem por pelo menos 55% das emissões de gases que provocam o efeito estufa.


Acontece que até agora apenas 30 países – e o Brasil não está entre eles – ratificaram o Protocolo de Kyoto, todos, países em desenvolvimento que emitem uma quantidade relativamente pequena de gases.


A maior quantidade de gás carbônico – 25% do total – é emitida pelos Estados Unidos. Outros países industrializados, como o Japão, a Austrália e o Canadá, também emitem grandes quantidades. Em Haia eles ficaram conhecidos como o Grupo Umbrella, que significa guarda-chuva. 


Enquanto os Estados Unidos, em 1997, emitiam 20,3 toneladas de dióxido de carbono (ou gás carbônico) por habitante, nos países em desenvolvimento como a China essa relação é de apenas 2,5 toneladas por habitante e na Índia, de 900 quilos por habitante.


Desde a aprovação do Protocolo de Kyoto, várias reuniões têm sido realizadas na tentativa – até agora frustrada – de retirar o documento do papel e transformá-lo em realidade. Quanto mais tempo passa, mais os países industrializados, à frente os Estados Unidos, aumentam suas emissões de gás carbônico, que representa mais de 85% dos gases-estufa.


O que é sumidouro


Os sumidouros são florestas e campos agrícolas que, por meio da fotossíntese, retiram da atmosfera o gás carbônico, o principal gás-estufa, ajudando a amenizar o aquecimento da Terra.


Fotossíntese é uma combinação química produzida pela ação da luz. É a propriedade que têm as plantas verdes de, aproveitando a energia da luz solar, fazer a síntese da matéria orgânica, transformando-a em madeira, galhos e raízes.


Os Estados Unidos, a Austrália e o Canadá, queriam ter créditos com as florestas e os campos agrícolas. O gás carbônico absorvido por suas florestas nessa forma de esponja, seria abatido da quantidade de gás carbônico que esses países seriam obrigados a reduzir, nas emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis.


Organizações não-governamentais como o Greenpeace, a WWF e a Amigos da Terra, que participaram ativamente da reunião de Haia, também condenaram a proposta americana, que acabou levando a conferência ao fracasso.


Além da tentativa de gastar menos para diminuir as emissões de gás carbônico via industrial, o sumidouro apresenta um problema técnico relevante. No meio da conferência de Haia, a revista “Science” (www.sciencemag.org) publicou um artigo lançando dúvidas sobre a confiabilidade do sistema do sumidouro.


Pesquisas desenvolvidas pela equipe do cientista francês Philippe Bousquet, que desenvolveu um programa de computador para integrar as medições de gás carbônico em todo o mundo, concluiu que as variações são grandes de uma área para outra.


Essas variações, segundo a cientista Inez Fung, da Universidade da Califórnia, podem determinar que uma área que hoje esteja agindo como sumidouro possa não continuar sugando gás carbônico com a mesma intensidade daqui a cinco anos.


O que é o efeito estufa


O efeito estufa ocorre através da retenção de parte da radiação solar na atmosfera terrestre, que se aquece. É o mesmo processo que ocorre no interior de uma estufa de plantas.


Os responsáveis por esse aquecimento são gases como o dióxido de carbono, ou gás carbônico – CO² – que têm a propriedade de refletir de volta à superfície a radiação que, do contrário, se dissiparia no espaço.


Ora, com o aumento da queima de combustíveis fósseis, provocado pelas indústrias e os automóveis, o efeito estufa se agrava, justamente porque o carvão, o óleo diesel, a gasolina, o gás natural e outros combustíveis fósseis aumentam a concentração de gases-estufa na atmosfera.


Segundo os cientistas, a temperatura média da atmosfera terrestre deverá aumentar seis graus centígrados nos próximos cem anos, provocando catástrofes decorrentes de elevação do nível dos mares em até 75 centímetros.


Para países situados abaixo do nível do mar, como Holanda ou Bangladesh, essa elevação traria conseqüências desastrosas como perda de área destinada à agricultura, salinização de fontes de água doce e remoção de milhões de pessoas que hoje vivem em regiões localizadas ao nível do mar.


Os grandes temporais que afetaram a Europa no mês passado foram considerados por vários especialistas como resultado direto do aquecimento da Terra, que também provoca tempestades e desestabilização climática.


Porém os maiores prejudicados com o aquecimento global não seriam os países mais ricos, porém os mais pobres. De acordo com estudo elaborado pelo Centro de Pesquisas Climáticas da Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha, os países pobres da Ásia, seguidos da China e da Índia poderiam ter um aumento de temperatura de até seis graus centígrados no próximo século.


De acordo com o estudo britânico, o Brasil poderá apresentar elevações em sua temperatura entre quatro e cinco graus centígrados. Nesta hipótese, segundo o especialista em mudanças climáticas, Volker Krischoff, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe – essa elevação de temperatura, aparentemente pequena, poderia causar prejuízos à Amazônia, comprometendo sua biodiversidade e favorecendo o aparecimento de doenças tropicais.


A possibilidade dos países mais pobres da África e da Ásia serem as principais vítimas de uma elevação do aquecimento global preocupa os europeus. Segundo o analista francês Alain Lipietz, os dirigentes da União Européia temem que seus países sejam invadidos por africanos e asiáticos, que migrariam caso seus países sejam devastados. Temem, igualmente, que, com o aquecimento global, doenças tropicais surgidas na Amazônia sejam deslocadas para a Europa.


O Efeito Estufa e o Aquecimento Global


1 – O efeito estufa é causado quando certos gases, liberados em parte através das atividades humanas, sobem para a atmosfera e bloqueiam o calor do sol. O dióxido de carbono (CO2), criado primariamente pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento, é o maior culpado. O metano (CH4) também contribui para o problema. O metano é liberado pelo gado e por animais similares, pelas terras úmidas, pelas plantações de arroz e pelas indústrias de carvão e gás. Os clorofluorcarbonos (CFCs) que estão nos refrigeradores e espumas, também contribuem para o problema, assim como o ozônio (O3) formado pela fumaça fotoquímica em níveis inferiores da atmosfera.


2 – A luz solar atinge a atmosfera da Terra na forma de radiação de ondas curtas. Esta radiação viaja facilmente pela atmosfera e pelos gases estufa. Cerca de 25% da energia do Sol é refletida de volta para o espaço, outros 25% são absorvidos pela atmosfera e cerca de 5% é imediatamente refletido para fora da Terra. Os 45% restantes aquecem a Terra.


3 – Como a terra e a água absorvem a energia da luz do Sol, elas se aquecem. Elas lentamente liberam parte deste calor de volta para o espaço. A energia é irradiada para o espaço na forma de luz infravermelha, que tem um comprimento de onda muito maior do que a radiação de ondas curtas que inicialmente atinge a Terra.


4 – A temperatura média na Terra sobe devido ao calor extra produzido pelo efeito estufa. Isto pode derreter as calotas polares, aumentar o nível do mar, inundar cidades costeiras, e contaminar com sal, a água doce próxima das costas.


MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo


Os países em desenvolvimento organizados no chamado Grupo dos 77, do qual faz parte o Brasil, protestaram em Haia contra a monopolização da conferência pelo conflito entre Estados Unidos, Austrália, Japão e Canadá, de um lado, e a União Européia, de outro, em torno das discussões sobre o sumidouro.


Esses países desejavam a continuação dos debates em torno do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, – MDL – outra forma dos países industrializados abaterem seu passivo de emissão de poluentes como o dióxido de carbono, sem necessidade de fazer grandes investimentos na montagem de uma estrutura industrial limpa.


De acordo com o MDL, os países industrializados que financiarem projetos de preservação ambiental e de desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento, poderão abater uma quantidade negociada de CO2 de sua cota de redução global. Esses países, pelo Protocolo de Kyoto, terão de reduzir até 2012 em 5,2% sua emissão de dióxido de carbono, sobre as quantidades emitidas em 1990.


Mas aqui também há muito desacordo. Estados Unidos e Japão querem obter créditos de CO2, pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, com o financiamento da construção de usinas nucleares em países em desenvolvimento, como o Brasil.


Essa proposta, no entanto, além de ser rejeitada pelos países em desenvolvimento, encontra forte oposição das Nações Unidas. O chefe da PNUMA, a agência ambiental da ONU, Klaus Töpfer, considera que a energia nuclear, cuja utilização vem caindo em todo o mundo, a começar pelos países industrializados, não deve ser considerada no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.


Posição brasileira


A posição brasileira ainda é mais radical. O chefe da delegação brasileira à Conferência de Haia, Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, levou instruções precisas do Presidente Fernando Henrique Cardoso para rejeitar inclusive a utilização de florestas no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.


A intervenção do Presidente foi necessária porque o Governo dividiu-se em torno desse tema. Os Ministérios da Ciência e Tecnologia e das Relações Exteriores defenderam a não inclusão das florestas, enquanto o Ministério do Meio Ambiente sustentou que recursos do MDL poderiam ser atraídos para financiar projetos de manejo florestal.


Essa divergência tornou-se evidente na reunião de instalação do Fórum de Mudanças Climáticas, em oito de novembro último e durante a primeira reunião do novo órgão, no dia seguinte, quando o Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, defendeu a inclusão das florestas no MDL.


A posição do ministro havia sido respaldada dez dias antes por um seminário realizado em Belém por diversas organizações não-governamentais. O produto do seminário, intitulado “Manifesto da Sociedade Civil”, (Publicado na íntegra na Folha do Meio de Novembro) sustentou que os recursos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo poderiam estimular a exploração racional da floresta, evitando a derrubada pelo método tradicional, sem planejamento.


Por trás do temor do Governo há a preocupação com a possibilidade de que os financiamentos externos tragam embutidas exigências relativas a formas de preservar a floresta amazônica, o que poderia representar uma abdicação de soberania e uma interferência estrangeira na região.