Lei dos Crimes Ambientais

Parte penal da lei não saiu do papel

4 de março de 2004

Ministro Sarney Filho promete acionar consultoria jurídica para estudar forma de aplicação

     Está escrito no art. 54 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nª 9.605, de 12 de fevereiro de 1998): "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena: reclusão de um a quatro anos e multa".

Esse e outros dispositivos penais do Capitulo V "Dos Crimes contra o Meio Ambiente", da lei 9.605, em vigor há dois anos e meio, até hoje não saíram do papel. E não é por falta de infratores.

A mais recente tragédia ambiental provocada pela Petrobras – o derramamento de quatro milhões de litros de petróleo nos rios Barigüi e Iguaçu, no Paraná, ocorrido em julho último – despertou a atenção dos ambientalistas para a necessidade do cumprimento da parte penal da Lei de Crimes Ambientais, até agora mantida na sombra.

A parlamentares ligados a organizações ambientalistas, e em entrevista à TV Record, o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, reconheceu que até agora as punições foram apenas via multas e prometeu acionar o setor jurídico do Ministério para definir como aplicar a legislação ambiental penal.

A Petrobras também foi enquadrada no disposto do art. 33 da Lei Ambiental, que prevê pena de detenção de um a três anos para quem provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, a morte de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras.

Penalidades

No caso dos dois acidentes provocados pela Petrobras, no Rio de Janeiro e no Paraná, a legislação penal ambiental prevê pena de reclusão de até cinco anos, conforme o a art. 54 da Lei nª 9.605/98.

A lei diz que a pena será ampliada de quatro para cinco anos, se o crime causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade, ou dificultar ou impedir o uso público das praias.

A pena, contudo, cai para seis meses a um ano de detenção, mais multa, se o crime é culposo, ou seja, se o agente responsável não pretendeu o resultado. No caso dos dois acidentes da Petrobras, eles foram provocados por omissão ou negligência dos empregados da empresa, e não por ato intencional.

Ação autorizada

Especialistas em Direito acham que o texto da Lei de Crimes Ambientais deveria conter dispositivos definindo os instrumentos para a pronta ação de responsabilização dos envolvidos em crimes ambientais, tornando o procedimento penal automático.

E citam como exemplo a Lei nª 9.966, de 28 de abril deste ano, portanto, dois anos e quatro meses mais recente do que a Lei de Crimes Ambientais, e que trata da prevenção, do controle e da fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.

As penas vão de multa à retenção do navio, passando pela suspensão das atividades da empresa transportadora em situação irregular. E define contra quem serão apuradas as responsabilidades: o proprietário do navio, pessoa física ou jurídica; o armador ou operador do navio e o comandante ou tripulante do navio.

E o mais importante: estabelece nos parágrafos 1ª e 2ª do art. 27, que a Procuradoria Geral da República comunicará previamente aos ministérios públicos estaduais a propositura de ações judiciais para apuração de responsabilidades, dispondo que "A negligência ou omissão dos órgãos públicos na apuração de responsabilidades pelos incidentes e na aplicação das respectivas sanções legais implicará crime de responsabilidade de seus agentes".

Na opinião dos especialistas, se esses dispositivos tivessem sido incluídos no texto da Lei de Crimes Ambientais, o Ministério Público teria a obrigação de agir imediatamente, instaurando de pronto a ação penal contra a Petrobras e outros infratores, sem necessidade de provocação.

Uma lei na sombra

O Capítulo V da Lei de Crimes Ambientais dedicado aos crimes contra o meio ambiente é considerado um dos mais completos da moderna legislação ambiental. No entanto, até hoje, continua na sombra. Ele contém 40 artigos e quatro seções que tratam Dos crimes Contra a Fauna e a Flora; Da Poluição e outros Crimes Ambientais; Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural e Dos Crimes contra a Administração Ambiental.

O rigor da lei chega ao ponto de instituir pena de reclusão, de um a três anos e multa, para quem destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Quem pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano, sujeita-se à pena de detenção de três meses a um ano, mais multa.

Esse dispositivo jamais foi aplicado contra um grafiteiro. Quando são surpreendidos pela autoridade policial pichando muros, placas ou monumentos, via de regra são obrigados pelo delegado a limpar a sujeira que promoveram, extinguindo-se desse modo a punibilidade.

Na maioria dos casos, as autoridades policiais simplesmente desconhecem a existência desse tipo de penalidade, ou os instrumentos adequados para promover a respectiva ação penal.

O próprio IBAMA depara-se, com freqüência, com um tipo de crime contra a administração ambiental, prevista no art. 69 da Lei nª 9.605/98 que é o de "Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais". 

A pena para esse crime é de detenção de um mês a três anos, e multa, mas não se tem notícia de que a agência ambiental tenha proposto essa ação penal contra alguém.