As águas de março
25 de março de 2004Essas enchentes que ocorrem agora, no Centro-Sul, assim como as que castigarão as demais regiões, em outras épocas, acontecem menos por decorrência meteorológica e mais por culpa das pessoas. Como assim? É que chover torrencialmente neste país é coisa de muito antes de aqui chegarem as caravelas portuguesas. Também no passado remoto deveria chover um… Ver artigo
Essas enchentes que ocorrem agora, no Centro-Sul, assim como as que castigarão as demais regiões, em outras épocas, acontecem menos por decorrência meteorológica e mais por culpa das pessoas. Como assim? É que chover torrencialmente neste país é coisa de muito antes de aqui chegarem as caravelas portuguesas. Também no passado remoto deveria chover um pouco mais ou menos nuns e noutros anos. Mas, no geral, sempre fomos visitados por nuvens gordas, que gostam de desaguar em regiões tropicais.
Então, por que, a cada ano que passa, mais destruidoras são as enchentes? Sucede que ainda não fomos castigados o suficiente para aprendermos a parar de agredir o meio ambiente. Assim, enquanto não se formar nos brasileiros uma mentalidade de preservação da natureza, as enxurradas aumentarão de volume. Tudo porque os desmatamentos desordenados continuam a ocorrer, principalmente em locais inclinados e nas beiras dos rios.
E o que isso tem a ver com as enchentes? Elementar, caro(a) leitor(a)! Pode chover grosso numa área com boa cobertura vegetal que quase toda a água fica por lá mesmo, infiltrando-se no solo. Já na área desmatada a água rola para as partes baixas, provocando danos, por arrastar terra, pedras e outros detritos. Se o material chegar aos rios, estes ficam entupidos (assoreados) e a água não vai em frente, esparramando-se pelas margens. E os rios ficam ainda mais assoreados se perderem as matas ciliares, porque a terras das beiras, sem raízes para segurá-las, desbarrancarão, obstruindo ainda mais a calha fluvial. E tem mais: sem as matas ribeirinhas, os rios ficam sem peixes, por falta de alimentos gerados naquela vegetação.
Então, estamos de acordo que as enchentes são quase que uma decorrência exclusiva da falta de um colchão vegetal para absorver as chuvas? E nas cidades, por que ocorrem os alagamentos? Porque nas metrópoles plantam-se poucos jardins e gramados e semeiam-se asfalto e concreto. Resta às águas pluviais escoar pelos bueiros, mas estes foram entupidos pelo lixo jogado na rua pelos sujismundos. Este é o palco dessa tragédia urbana…
E, assim, enquanto se continua a agredir o meio ambiente, os brasileiros ficam olhando para o céu, temendo que se formem nuvens escuras. E têm muito que se preocupar, porque (Compõe Tom Jobim; canta Elis Regina!) ainda faltam as fortes chuvas de março fechando o verão.
Um exemplo
No dia em que os donos dos veículos de comunicação, principalmente das estações de TV, decidirem partir para uma programação voltada para o respeito à ecologia, melhorarão em muito as condições de vida neste planeta. Não só quanto à pureza do ar e da água, mas também dos alimentos livres de resíduos tóxicos. E aqui vale lembrar a importância da preservação do mares, rios e lagos como fontes alimentares. Sim, porque nada mais saudável para as pessoas e ecologicamente correto do que comer peixe de água limpa e pescado em quantidade e tamanho permitidos e fora da época de reprodução. Neste aspecto, foi muito didático um recente “Globo Repórter”, principalmente no bloco em que mostrou a matança do peixe-boi promovida durante anos por homens ignorantes ou só atrás do lucro fácil. Agora, com o peixe-boi tendo virado animal raro, sofrem o demais peixes. Acontece que, quando os rios enchem e derramam pelas margens, a peixarada vai junto, porque a terra alagada é farta em alimentos (minhocas, insetos, frutas etc.). O banquete dura até o rio começar a voltar ao leito normal, e é aqui que entra em cena o amigo do cardume (o feio mas simpático peixe-boi, que nem peixe é, pois, como a baleia, é um mamífero). Ocorre que, nas terras ribeirinhas alagadas, o capim cresce muito e forma uma barreira para o retorno dos peixes ao rio, mas o obstáculo é facilmente rompido pelo corpulento peixe-boi, que abre caminho ao resto da bicharada, inclusive por comer a vegetação. Não havendo quem faça este trabalho, os peixes ficam desnorteados e a mortandade é inevitável quando a alagado secar. Então, o programa de TV acima referido é um exemplo de como se deve mostrar ao povo que, na natureza, uma coisa depende da outra. Mas este tipo de aula ecológica deve ir ao ar quando a galera estiver diante da telinha, e não tarde da noite.
Atitude criminosa
Quem mora na capital do país foi bombardeado por uma campanha de notícias acusando de estar contaminada a água do Parque Nacional de Brasília (PNB). Com isso, afugentou-se do local grande parte dos antigos freqüentadores que ali faziam caminhadas, nadavam em suas duas piscinas e bebiam água mineral, levando-a também para consumo em casa. A campanha denegridora da imagem do PNB ficou só naquele tiroteio jornalístico contra a maior reserva florestal urbana do mundo (são 33 mil hectares). Não se incentivou a retirada de um lixão e favela de sua periferia, onde também ocorre invasão imobiliária desordenada, com a perfuração de poços artesianos em locais que podem abrir caminho para a contaminação do lençol freático. Mas este silêncio se explica, porque os loteadores do entorno do PNB têm as costas quentes junto ao Governo do Distrito Federal (GDF) e quem compra os terrenos para construir mansões é gente da elite brasiliense. Agora, só falta alegarem que a arrecadação com ingressos ao PNB não cobre os gastos com a manutenção do local, fechando-o por medida de economia, numa atitude criminosa contra a saúde dos que ali respiram ar puro e bebem água dada como potável pela Universidade de Brasília, mas sem divulgação.