Agua Mineral e o desenvolvimento sustentável

Encontro das águas em São Lourenço

4 de março de 2004

Diretores da Nestlé discutem desmineralização da água mineral com autoridades federais, estaduais, municipais e ONGs

 








A reunião com a Nestlé: Alexandre M. Reis (Feam); Shelley Carneiro (Semad); Pedro Simon, Carlos Faccina e Andrei Rakowitsch (Nestlé); João Cesar Pinheiro (DNPM), o deputado Odair Cunha (PT-MG) e o prefeito Clóvis Aparecido

O diretor da Nestlé, Carlos Faccina, deu início à reunião mostrando em quais pontos a multinacional concorda, assinalando nesta ordem:


1? Interromper a produção da ‘Pure Life’ em São Lourenço, seguindo as orientações do DNPM


2? Disponibilizar o balneário para a utilização das águas pelos turistas


3? O aquífero será utilizado dentro dos parâmetros normais de sua capacidade, de acordo com os órgãos competentes e as lideranças da cidade.


Outro dado importante foi dado pelo diretor de águas da Nestlé, Andrei Rakowitsch, que garantiu que o fato de estar deslocando a produção da ‘Pure Life’ de São Lourenço não significa que a empresa vá diminuir sua presença na cidade: “Vamos continuar produzindo a água São Lourenço, a melhor água do mundo. A Nestlé vê uma grande oportunidade em estimular e desenvolver novas ações no Parque das Águas de São Lourenço, pois ele representa muito para a cidade”. E acrescentou: “A empresa se propõe a fazer uma comissão de turismo, contando com o suporte da população na administração do Parque das Águas. Vamos pautar pela transparência sempre, pois a intenção da Nestlé é minimizar este efeito para que possa utilizar economicamente, da melhor forma possível, as águas minerais.


O compromisso da Nestlé é de começar a mudar as instalações de produção da ‘Pure Life’ ainda no início deste ano. Para o representante do Copam, Mauro da Costa Val, esta adequação que a Nestlé tem com o DNPM é temporária e não respeita o que a sociedade brasileira quer. “No meu ponto de vista o único fator positivo até agora é a disponibilidade do poço Primavera” (que produz água ferruginosa, onde ocorre a desmineralização para produzir a ‘Pure Life’). Costa Val sugeriu ainda que se faça em São Lourenço um seminário internacional para discutir a questão das águas minerais e resgatar a importância da crenologia.


Conhecer para regular
Já o biólogo Reynaldo Guedes levantou uma questão fundamental: o conhecimento. “Só se pode regular aquilo que se conhece. E esta questão da complementação hidrogeológica tem passado ao largo até agora”, disse Guedes, e acrescentou: “Não se sabe ainda quais são as condições reais dessas águas, consideradas passíveis de exaustão. O uso preponderante das águas minerais deveria ser o uso crenológico, o uso para o balneário. O engarrafamento deveria ser visto como um complemento no campo comercial, baseado no superávit do aquífero. Na verdade não existem ainda dados concretos que digam nem onde estão as áreas de recarga”.


Segundo o biólogo, a Nestlé ou qualquer outra tem que ter o compromisso moral com o município de fazer o trabalho de regularização de novos parâmetros ambientais do uso de ocupação do solo. Este é o momento ideal de se tentar fazer uma parceria de gestão compartilhada, atuando também nos problemas da superfície e não somente do sub-solo.


Por um modelo nacional


Para o diretor do DNPM, João César Pinheiro, o órgão está considerando o caso de São Lourenço como um modelo nacional. Por vários motivos: porque existe um problema sério e o governo ausculta a sociedade civil, acompanha as legislações e porque existe uma empresa de grande porte com interesses na região que está disposta a conversar. Também porque existem ONGs, uma câmara de vereadores, parlamentares e autoridades estaduais, federais dispostos a encontrar uma solução. “Portanto – reafirmou o diretor do DNPM – aqui está o exemplo perfeito para mostrar ao Brasil o que fazer com as nossas águas minerais”.


Pinheiro informou que o DNPM vai publicar uma portaria proibindo que uma empresa desmineralize totalmente uma água mineral em território brasileiro. Desta forma o Brasil criará critérios e poderá dar um exemplo internacional de gestão de águas minerais.


Quando esta portaria entrar em vigor, a Nestlé receberá uma notificação e terá um prazo de 60 dias para se adequar legalmente a ela. Se, ainda, a empresa obtiver o licenciamento corretivo e não cumprir a portaria, o licenciamento poderá ser caçado a qualquer momento. Uma comissão de crenologia será ouvida durante este processo.


O deputado federal Odair Cunha (PT-MG) é a favor de que se publique logo esta portaria e diz que com esta reunião estará se firmando um pacto de confiança entre a Nestlé, o DNPM, a Feam, o IEF e a sociedade civil. Odair Cunha informou ainda que o presidente da CPRM se dispôs, em parceria com o DNPM, a fazer o mapeamento hidrogeológico da região.


Para Cristiane S. Miguel, do Codema de São Lourenço e Copam-Sul, se esta reunião é tão importante ela tem que ser referenciada. A empresa tem que documentar como pretende fazer a gestão do parque e a transferência da produção da “Pure Life”, respondendo à comunidade de São Lourenço em uma audiência pública, onde os cidadãos e as ONGs serão ouvidos oficialmente e pelos meios adequados previstos em lei. “É preciso informar a população das decisões que estão sendo tomadas aqui para que ela possa avaliar e opinar sobre decisões que afetam diretamente sua cidade”.


O diretor da Nestlé, Andrei Rakowitsch, foi no mínimo audacioso quando disse que não acredita que seja necessário comunicar à população sobre as decisões ali tomadas, “pois a população não precisa saber”.


Para o vereador Cássio Mendes, a participação da sociedade no processo de defesa ambiental é essencial. “A legislação, por mais completa que seja, não será capaz de abarcar todos os problemas que surgem. A formação de uma jurisprudência ambientalista deve ser meta de todos. É preciso que se definam datas para as cinco proposições da Nestlé dentro da gestão das águas minerais. Só assim o a população poderá conferir se os prazos estão sendo cumpridos”.


Comprometimentos da Nestlé


Por enquanto a Nestlé se comprometeu a:


? Reordenar suas atividades no parque industrial, transferindo a produção da ‘Pure Life’ para outra localidade fora de São Lourenço.


? Construir um fontanário para disponibilizar a água do poço Primavera.


? Administrar o Parque das Águas, com o suporte da comunidade e outras organizações, para montar um estatuto e um regimento interno administrativo.


? Fazer um congresso sobre crenologia junto a frente parlamentar, DNPM, Copam, Feam e a comunidade.


? Fazer o redirecionamento dos funcionários que hoje trabalham na linha da água adicionada de sais ‘Pure Life’.


Conclusões


1- A Nestlé não renunciou a exploração das águas minerais de São Lourenço, como disse o seu presidente Peter Brabeck, em Davos, publicado no jornal Le Courrier em 23 de janeiro de 2004.


2- A Nestlé não concordou com a audiência pública já concedida pelo ex-ministro e atual secretário de Meio Ambiente de MG, José Carlos Carvalho, conforme ofício da Nestlé, protocolado no processo dia 12/12/2003


3- A sociedade gostaria de obter mais informações sobre o acordo da Nestlé Waters do Brasil com a Supergasbrás, engarrafadora das marcas Caxambu, Lambari, Araxá e Cambuquira, de acordo com notícia publicada na internet: “…A associação se daria através da Empresa de Águas São Lourenço, uma dos braços da Nestlé no setor. A partir do acerto, um volume da água extraída das fontes da Supergasbrás seria engarrafado sob o nome ‘Pure Life’, marca mundial dos Suíços”.


4- A sociedade de São Lourenço não concorda com a concessão da licença “ad referendum” sem a realização de audiência pública, conforme proposta da Nestlé Waters do Brasil.


Resumo da ópera


A água é um recurso tão importante que define o grau de desenvolvimento de uma região e até de um país. E como recurso hídrico, ela é passível de impacto ambiental. A Resolução do Conama nº 001, de 23/01/86 define impacto ambiental como qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que, direta ou indiretamente afetam a saúde, a segurança e o bem estar da população, as atividades sociais e econômicas e as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente.


A verdade é que a gestão ambiental enquanto ação do Estado é um processo de mediação de interesses e conflitos entre diferentes atores sociais que atuam sobre o meio ambiente. Estes atores, de suas práticas, alteram o próprio meio em que vivem. Essas ações sobre os recursos ambientais pressupõem a existência de uma sociedade capacitada para intervir democraticamente neste processo.


Pelo que se ouviu e discutiu na reunião, a conclusão do deputado Odair Cunha parece resumir bem o momento: A população de São Lourenço está no caminho certo em discutir e exigir das autoridades e da Nestlé um posicionamento correto quanto ao desenvolvimento sustentado da região.



Lance teatral: Nestlé desiste da água [brasileira]


FABIO LO VERSO, Davos
Sexta 23 Janvier 2004


DAVOS – Irritado pelas queixas de um ativista durante um debate no Open Fórum, o “patrão” da Nestlé anunciou o fim da controversa exploração de uma fonte de água mineral no Brasil.
Quando o embaixador de um movimento de cidadania pede explicações ao patrão de uma multinacional, nem sempre volta para a casa sem resultado concreto. Ontem em Davos (Suiça), bastou ao militante brasileiro Franklin Frederick uma simples interpelação para provocar a reação, irritada, do patrão da Nestlé, Peter Brabeck-Letmathe.
Num impulso diante do público do Open Fórum, este anunciou sem mais nem menos que a multinacional de Vevey (Suiça) renunciaria à exploração da fonte de água mineral de São Lourenço, no Brasil. Esse anúncio, caso se traduzisse em fatos, acabaria com uma briga contra a Nestlé na qual se engajaram, desde 1999, os habitantes da cidade brasileira.
E é exatamente esse desfecho que o Sr. Frederick busca arrancar através da sua ação como responsável do movimento brasileiro de Cidadania pelas Águas. A organização acusa de fato a multinacional da gestão catastrófica das águas da região.


Exploração abusiva das águas
O ativista dirigiu-se ao Sr. Brabeck apelando à “responsabilidade social e ambiental” que o patrão do grupo de Vevey esforçou-se em demonstrar falando da sua empresa diante do presidente da Confederação, Joseph Deiss.


Se a Nestlé se orgulha do fato de ela respeitar as populações locais, por que a empresa não faria o mesmo com os habitantes de São Lourenço, argumentou, resumindo, o Sr. Frederick.
“Se existe a vontade de fazer, é porque existe também os meios de conseguir” disse ele, retomando por sua conta o título que os organizadores do Open Fórum deram ao debate. Mas, antes de alcançar um ponto fraco pelo patrão do gigante do setor alimentício, o militante não se absteve de observar, frente aos participantes, que por causa da fonte de São Lourenço a Nestlé está na berlinda no Brasil. Pois a multinacional está sob ação judicial devido ao fato de ter desmineralizado as águas da fonte indevidamente.


Acontece que esse procedimento transgride a legislação federal brasileira segundo a qual as águas minerais não devem ser alteradas. Além disso, a exploração “desenfreada” da fonte fez cair o nível do lençol freático, verdadeiro reservatório natural da cidade. Se uma das oito fontes de São Lourenço está totalmente esgotada, mudou o sabor da água nas outras.
Uma coisa é certa: essa história não agrada muito ao patrão da multinacional. Deve até muito irritá-lo. Tanto que o Sr. Brabeck decidiu parar a exploração da fonte: “Assim sendo, o caso está encerrado” cortou ele.


Manterá a palavra? Era o que alguns ativistas perguntavam-se no encerramento do debate. Nada deixava prever esse desfecho. Afinal, a reunião não era para tratar de água, mas sim para fazer um balanço sobre as implicações do fracasso da OMC em Cancún e as discussões concentraram-se, num primeiro momento, sobre a supressão dos subsídios na agricultura. (…)


(Tradução: Lucas Matheron)


Ponto de Vista


Cada passo da Nestlé será vigiado


Ambientalistas ainda depositam confiança no governo


Cláudia Gonçalves (*)


Depois de quatro anos de conflitos com a comunidade são-lourenciana, a Nestlé parece ter cedido, pela primeira vez, a algumas das reivindicações envolvendo a produção da água ?Pure Life?. Em uma reunião, considerada “histórica”, a Nestlé se comprometeu a parar a produção de ?Pure Life? até outubro de 2004, além de criar uma fundação que permitirá a gestão participativa do Parque das Águas, construir um fontanário e organizar um seminário internacional sobre água mineral. Em troca, a empresa quer o licenciamento da produção de ?Pure Life?.


Licenciar algo que terá a sua produção encerrada em breve não parece lógico, mas a Nestlé deve ter as suas razões para insistir nesta exigência. Os representantes do Movimento Cidadania pelas Águas declararam que continuam não confiando na empresa, que já tem tradição em promessas não cumpridas, mas resolveram dar um voto de confiança aos órgãos fiscalizadores, como DNPM, e Feam que se comprometeram a suspender o licenciamento caso a Nestlé não cumpra com o acordo que firmou com a Semad-MG.


A resposta do presidente mundial da Nestlé, Peter Brabeck-Letmathe, ao representante do Cidadania pelas Águas, Franklin Fréderick, em Davos, (ver matéria do jornal Le Courrier ao lado) peca por dois detalhes: primeiro, em momento algum da reunião se afirmou que a fábrica seria fechada; segundo, de modo algum o conflito foi resolvido da melhor maneira possível, senão, não teria durado quatro anos, com possibilidade de prorrogação.


Agora, os ambientalistas terão que esperar o vencimento dos prazos. Mas para quem pensa que o problema já está totalmente resolvido, é bom não se animar. O Movimento Cidadania pelas Águas parece ter ganhado aliados dentre outros grupos representativos da cidade e agora todos querem vigiar cada passo da Nestlé. Com ou sem acordo, a verdade é que o conceito de educação e perfeição suíça caiu no descrédito no interior de Minas.
(*) Cláudia Gonçalves é jornalista e integrante do
Movimento Cidadania pelas Águas