Reunião sobre clima, em Haia, enfrenta obstáculos
3 de março de 2004Apesar das resistências do Ministério do Meio Ambiente e de muitas organizações não governamentais ambientalistas, a posição que o Brasil defende na 6ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Global do Clima, iniciada a 13 de novembro em Haia, na Holanda, e que se estenderá até o próximo dia 24, é de que as… Ver artigo
Apesar das resistências do Ministério do Meio Ambiente e de muitas organizações não governamentais ambientalistas, a posição que o Brasil defende na 6ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Global do Clima, iniciada a 13 de novembro em Haia, na Holanda, e que se estenderá até o próximo dia 24, é de que as florestas devem ficar de fora das discussões em torno do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL – o tema central da conferência.
Para empurrar a discussão com a barriga – os ministérios de Ciência e Tecnologia e Relações Exteriores ganharam a disputa com o Ministério do Meio Ambiente – o Brasil propôs, em Haia, a criação de um Comitê Executivo para discutir com mais profundidade as formas de aplicação do MDL.
No início do mês, dezenas de organizações não-governamentais ambientalistas se reuniram em Belém, no Pará, para discutir a aplicação do MDL nas florestas. O produto do evento foi o Manifesto da Sociedade Civil, recomendando justamente que os projetos de manejo florestal sejam financiados com os recursos do MDL, que podem alcançar até US$ 13 bilhões anuais.
O manifesto foi levado pelo ministro do Meio Ambiente, José Sarney, à primeira reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, realizada em Brasília no dia 9 de novembro, sob a presidência do presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas foi mantida a posição oficial de que as florestas não devem entrar no MDL.
Manifesto da sociedade civil brasileira sobre as relações entre florestas
e mudanças climáticas e as expectativas para a COP-6
Belém, 24 de outubro de 2000
Sobre o clima mundial
Em 1992, quando os chefes de estado assinaram a convenção do clima no Rio de Janeiro, eles se comprometeram a dar seguimento a ações política e socialmente difíceis, ainda que vitais para a sobrevivência da humanidade. Assumiram então a redução de emissões globais de gases do efeito estufa. Como um primeiro passo, os países desenvolvidos concordaram em limitar suas emissões sob o princípio de responsabilidade comum, porém diferenciada. Nos anos seguintes, se acumularam evidências indicando o agravamento do aquecimento global. No Brasil, o fenômeno El Niño produziu efeitos como as enchentes que assolaram o Sul, provocaram secas intensas no Nordeste e a perda de umidade em grandes extensões da floresta amazônica. Logo após a assinatura do Protocolo de Quioto, um incêndio gigantesco consumiu 13.000 km2 de florestas em Roraima. Agora, há indicações que o El Niño pode ter a sua intensidade e freqüência aumentadas com o aquecimento global.
Sobre a responsabilidade dos principais emissores históricos
Os signatários deste documento, somando-se aos protestos mundiais, demandam que os EUA, responsáveis por 25% das emissões globais, ratifiquem o Protocolo de Quioto, assumam as suas metas de redução, e abandonem a postura defensiva atual em favor de exercerem papel de liderança na questão climática. Nós esperamos que metas mais ambiciosas venham a ser internacionalmente estabelecidas a curto prazo.
· Os mecanismos de flexibilização previstos no protocolo, só se justificam como instrumento para viabilizar os esforços de redução de emissões por países do Anexo I. Eles não podem ser transformados em mecanismos que simplesmente autorizem a não redução ou o aumento destas emissões. Assim, o acesso de países do Anexo I a qualquer dos mecanismos de flexibilização deve estar condicionado à evidência de que estabilizaram ou reverteram as suas emissões. E devem perder o acesso eventualmente obtido se voltarem a aumentar os seus níveis de emissão.
Sobre o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
e outros mecanismos de flexibilização
Os mecanismos de flexibilização deverão estimular o início de um processo efetivo de reduções de emissões acordadas por países do Anexo I. A regulamentação e a implementação destes mecanismos devem possibilitar o envolvimento de todos os países membros do protocolo nos esforços internacionais de mitigação das mudanças climáticas, de acordo com as suas responsabilidades comuns, porém diferenciadas. A instauração de um processo político internacional é indispensável para lograr reduções efetivas. Neste contexto, o MDL tem particular importância, por ser o único instrumento do protocolo que prevê a participação dos países em desenvolvimento.
A implementação de projetos no âmbito do MDL implicará enfrentar várias dificuldades. A possibilidade de que ocorram vazamentos, de que haja falhas na fiscalização ou controle, ou a falta de garantias quanto a permanência, é comum tanto aos projetos energéticos, como aos que envolvem florestas e atividades de uso da terra. Portanto, devem ser estabelecidos critérios rigorosos para que se evite estas ocorrências e para penalizar os eventuais responsáveis.
Da mesma forma se deve proceder em relação às dificuldades que afetam de maneira específica a cada setor, como o estabelecimento de linhas de base que permitam aferir a adicionalidade dos projetos do MDL. Os projetos que envolvam florestas nativas, por exemplo, poderão demandar critérios mais complexos para a definição das linhas de base, mas poderão resultar em benefícios adicionais para o clima, o meio ambiente e a sociedade, além da compensação de emissões.
Entendemos que a implementação de projetos do MDL e demais mecanismos de flexibilização, em quaisquer setores ou países, deve estar submetida a auditorias independentes que atestem o seu desempenho. A implementação deve, ainda, estar aberta à participação e ao acompanhamento de organizações da sociedade civil com competência e legitimidade reconhecidas.
Sobre as florestas e o MDL
Por mais que se pretenda ou que se afirme o contrário, o veto específico a projetos com florestas no MDL desconsidera a importância fundamental que elas têm para o equilíbrio climático, seja no que se refere à sua capacidade de seqüestro de carbono, seja quanto ao significativo volume de emissões oriundas dos desmatamentos e queimadas, e seu potencial de emissões. As florestas nativas constituem o principal elemento estratégico para que muitos países em desenvolvimento possam participar dos esforços internacionais para a redução das emissões. A América Latina, por exemplo, dispõe de grandes reservas de florestas tropicais, enquanto mantém níveis relativamente pouco significativos de emissões no setor energético. A maior parte dos países latino-americanos sequer terá como participar do MDL se projetos florestais não forem elegíveis.
O caso do Brasil é emblemático: promove entre 4% e 5% das emissões mundiais, sendo que dois terços delas são oriundas do setor florestal. Se o Brasil pudesse implementar programas para proteger florestas ameaçadas por desmatamento, poderia contribuir consistentemente para a redução de emissões. Poderia investir no manejo sustentável dos recursos florestais, em escala passível de reverter práticas econômicas predatórias e de viabilizar o desenvolvimento econômico para as populações que vivem nas florestas. Por outro lado, a sua matriz energética é comparativamente limpa, e projetos energéticos pouco acrescentariam aos esforços pró-reduções.
Se na COP-6, ou em futuras conferências, o MDL e outros mecanismos de flexibilização forem regulamentados, deverá ser resguardado o direito soberano dos países em desenvolvimento de aceitarem ou não a implementação de mecanismos de flexibilização nos seus territórios, e de estabelecerem regras e estratégias próprias – compatíveis com os critérios gerais internacionalmente estabelecidos.
Manifesto sobre as relações entre florestas e mudanças climáticas …
Sobre a posição oficial brasileira
Os signatários entendem que a representação oficial brasileira nas negociações sobre o clima tem desempenhado um papel importante para superar impasses e fazer com que os principais emissores históricos assumam responsabilidades diante da comunidade internacional. E foi autora da proposta que levou à incorporação do MDL ao protocolo. No entanto, é incoerente com as suas próprias conquistas à medida que se opõe a elegibilidade de projetos com florestas no MDL. Esta incoerência é exacerbada frente à sua não objeção à elegibilidade de projetos que envolvam energia nuclear e plantação de florestas homogêneas.
Esperamos que a posição oficial brasileira para a COP-6 e futuras conferências, continue a cobrar a responsabilidade principal dos EUA e demais países do Anexo I para o início do processo de redução das emissões mundiais. Esperamos, ainda, que caso as negociações avancem no tópico de implementação dos mecanismos de flexibilização, a representação oficial brasileira admita o acesso ao MDL de projetos com florestas nativas, desde que subordinados aos princípios de adicionalidade, transparência, controle de fugas, verificabilidade dos resultados, e demais regras e controles que venham a ser definidos.
Solicitamos ao governo brasileiro que não meça esforços para engajar a sociedade civil brasileira em um diálogo permanente sobre a questão do clima e suas implicações para o país. Neste sentido, a criação do Fórum Brasileiro é um passo inicial, mas ainda não resultou em interação efetiva entre governo e sociedade até as vésperas da COP-6. Gostaríamos, também, que houvesse maior empenho do governo no sentido de esclarecer a sociedade brasileira acerca das mudanças climáticas e dos seus efeitos.
Sobre os critérios para a inclusão
de florestas no MDL
A implantação do MDL terá implicações de natureza científica, política e econômica. Com o objetivo de contribuir para esta discussão, os signatários deste documento propõem que sejam considerados os seguintes critérios para a elegibilidade de projetos que envolvam a proteção e o manejo sustentável de florestas tropicais sob risco efetivo de desmatamento ou queimada:
1. Linha de Base – O estabelecimento de linhas de base deve considerar uma avaliação efetiva de riscos de emissões de carbono (via desflorestamento, incêndios, exploração madeireira) e os seus objetivos sócioambientais. Devem ser incluídas na definição da linha de base todas as florestas sob risco de alteração antrópica, independente do seu estado legal.
2. Monitoramento – Devem ser definidos instrumentos rígidos para controle e monitoramento público e social dos projetos a serem implementados no âmbito do MDL.
3. Certificação – Deve haver exigência de certificação ecológica e sócioambiental para os projetos como condição para o reconhecimento e a expedição de títulos de compensação de emissão.
4. Fuga – Executores de projetos MDL devem assinar termos de compromisso, com validade legal, para minimizar fugas.
5. Penalidade para Infratores – Devem ser excluídos do MDL países, executores e projetos que não sigam as regras de acesso e execução; ou aos objetivos estabelecidos, inclusive com invalidação de certificados irregulares.
6. Margem de Segurança – Deve ser estabelecida uma margem de segurança nos cálculos de emissões ou de seqüestro de carbono, assim como um sistema de responsabilização que garanta a compensação da atmosfera no caso de vazamento ou fuga de Carbono devido a acidentes ou falhas.
7. Permanência – Assumindo que, no contexto brasileiro, evitar desmatamento tem aspecto de permanência mais parecido com combustível fóssil do que com plantações, deve-se considerar os benefícios de projetos com escala de tempo definidos em anos ou décadas.
8. Priorização de Áreas de Risco – Cada país em desenvolvimento que pretenda implementar projetos florestais no MDL deverá definir as áreas de risco situadas no seu território, as quais deverão ser priorizadas para projetos do MDL.
9. Benefícios Adicionais – Deverão ser priorizados projetos que enfatizem a proteção da biodiversidade e da riqueza sócioambiental.
10. Áreas Desmatadas Recentemente – Devem ser vetados projetos de reflorestamento ou florestamento em áreas de florestas nativas desmatadas após o ano de 1997, ou em ecossistemas nativos não florestais.
A S S I N A M
Institucionalmente: Amigos da Terra – Amazônia Brasileira; Conselho Nacional dos Seringueiros; Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira; Comissão Pastoral da Terra do Mato Grosso; Federação de Órgãos para Assistência Social e Educação do Mato Grosso; Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará; Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento; Grupo de Trabalho Amazônico; Instituto Centro de Vida; Instituto de Meio Ambiente da Amazônia; Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia; Instituto Socioambiental; Instituto Pró-Natura; SOS Amazônia
Individualmente: Alcir Almeida (gerente, CIKEL); Carlos Augusto Klink, Eduardo Viola e Manuel Cesário (professores da UnB); Carlos Vicente (secretário de Florestas e Extrativismo do Estado do Acre); Gilney Viana (deputado Estadual, MT); Ima Vieira e Samuel Almeida (pesquisadores, MPEG); Júlio Eduardo (senador, Acre); Philip Fearnside (pesquisador, INPA); Ronaldo Seroa (pesquisador, IPEA); Tatiana Sá, Ian Thompson, Silvio Brienza e Silvio Brienza (pesquisadores do CPATU – Embrapa)
“Os gases de efeito estufa que produzimos terão um impacto visível no ambiente. Tem que negociar até ter um final feliz, de modo a ratificar o Protocolo de Quioto” Jan Pronk, Ministro do Meio Ambiente “É importante ratificar o Protocolo de Quioto até o ano 2002, quando se comemora 10 anos da RIO}92. Essa é uma enorme tarefa que envolve modificar fundamentalmente o funcionamento da economia e do nosso modo de vida”. Kofi Anan, Secretário-Geral da ONU “O verdadeiro desenvolvimento global sustentável exige ações que preservem as florestas e que reduzam as emissões de gases de efeito de estufa. Necessitamos de lideranças para defender a herança que recebemos e o nosso futuro comum” Al Gore, vice-presidente e candidato “Em Haia, 160 países estão debatendo as mudanças do clima e vão decidir a quantidade de árvores e florestas que pode ser usada para diminuir a crescente concentração do gás que provoca o efeito estufa. No outono passado, um alerta baseado na coleta de dados de submarinos nucleares, que viajavam nas geleiras do Ártico, mostrou que o descongelamento está cada vez mais rápido. Dados indicam que a geleira polar está 40% mais fina do que entre 1958 e 1976. Estão atualmente com uma média de apenas 6 pés (182 cm) de espessura, diminuindo 4 polegadas ao ano. Se esses cálculos estiverem certos, em apenas 20 anos as geleiras se romperão. Um cálculo mais recente diz que isso pode levar até 50 anos. Que diferença faz? Os resultados serão os mesmos: uma grande mudança no ambiente terrestre causado pelo aquecimento global. As duas grandes nações do Hemisfério Oeste, o Estados Unidos e o Brasil, têm nas mãos a chave para essa situação. Enquanto isso, as geleiras do Ártico vão continuar derretendo e o aquecimento global aumentando”. Thomas L. Lovejoy, Diretor do Smithsonian Museun
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